domingo, 25 de outubro de 2009

Paul Virilio: o olhar da filosofia sobre a técnica


Há um pensador de grande importância, e também pouco conhecido, Paul Virilio que vale apena lembrar por suas histórias. Veja esta. Ela é real. June Houston, uma americana de 25 anos com medo de fantasmas, encheu sua casa de câmeras, disponibilizando as imagens permanentemente na Internet. Ela só pede ao internauta que, cada vez localizar uma forma estranha, um ectoplasma, mande urgentemente uma mensagem para ela. Huston, sem saber, construiu assim a primeira casa literalmente exposta ao mundo. Para Paul Virilio, exemplos como este mostram que a vigilância, a supeexposição, a tecnologia e a Internet são nossa obsessão atual. Estes temas são explorados pelo autor em Cybermonde, la politique du pire, entrevista que surgiu a partir do debate de um trecho de Virilio colocado na Internet, que segundo Phillipe Petit - que conduz a entrevista - chamou muito a atenção pois coloca a questão paradoxal: afinal, nos anos 2000, sumiu de novo a fronteira entre o público e o privado?

Paul Virilio, arquiteto e urbanista, é um dos mais originais analistas do mundo técnico contemporâneo, desde que descobriu a associação que existe entre a produção, a velocidade e a guerra. Nascido em Paris em 1932, de pai italiano, refugiado comunista, e mãe inglesa, Virilio estudou durante anos a fotografia e o espaço, escrevendo esparçamente sobre as cidades e arquitetura. Contemporânea. Trabalhou com Claude Parent e engajou-se fortemente no movimento de 68, começando a escrever sobre tecnologia em 1972, quando dirigiu a L’École Speciale d’Arquitecture. Dessa época, foram publicados no Brasil Espaço Crítico (Ed. 34, 1993), onde Virilio analisa o universo high-tec e as transformações tecnológicas contemporâneas; A máquina de visão (José Olimpio, 1994), que mostra o processo que transformam a consciência e sua substituição por dispositivos tecnológicos e Velocidade e Política e A arte do motor (Estação Liberdade, 1997) que revelam o mundo da velocidade, necessária para a tomada de poder e o seu vínculo a uma história ligada a invenção de motores (entre eles o informático).

Cybermonde é organizado em quatro partes principais. A primeira, intitulada “Da revolução dos transportes a revolução das transmissões”, Virilio analisa o curto período que vai da revolução industrial no século XIX a era informática. Para ele, a questão fundamental é da relação entre velocidade e poder político - Virilio contesta a idéia de que as tecnologias do tempo real podem contribuir para o aprimoramento da democracia. Na segunda parte, “ A parte do mundo ou como recuperar o próprio corpo”, Virilio se interroga sobre a cidade, os dispositivos que recriam nosso mundo habitado e nosso próprio corpo, exatamente no limite entre o espaço público e o privado. A terceira parte, intitulada “Quaisquer boas razões para entrar na resistência”, Virilio se debruça sobre o que chama de acidente geral, o milagre da inversão e reversibilidade dos objetos. ”No início da invenção da aviação, Santos Dumont é o que correspondia a um dândi do ar, ou seja, para ele a conquista do ar era uma festa. Santos Dumont era um poeta. Ele volta a Paris, durante a guerra de 14, e assiste ao primeiro combate aéreo em que os pilotos atiram uns nos outros com carabinas, o que o deixa estarrecido. Ele vê que sua invenção maravilhosa leva à guerra aérea, ele volta ao Brasil e se suicida.“A última parte, intitulada “Da guerra provável a paisagem reconquistada”, Virilio explora o campo da guerra em tempo real no espaço dos satélites. Sua pergunta, “o que houve com a guerra?”, nos coloca a questão de que se o desastre real não está diante de nós, é o tempo de reconquistar o planeta e de inventar uma nova paisagem.

Virilio é o novo ecologista surgido das entranhas da técnica, que se surpreende com o projeto da nanotecnologia, a da elaboração de artefatos em escala atômica e que acelera a nossa entrada na era da simbiose com máquinas. Ao questionar a perda de limites entre máquina e homem, a terceira revolução industrial - a de implantes no corpo - Virilio nos mostra que o sonho de Jonny Minnemonic esconde um mal que não é apenas algo das telas do cinema: em realidade, tudo caminha para a construção de um corpo literalmente tecnológico, uma via para a circulação de informações mecanicamente inseridas: no futuro, os corpos serão híbridos. E os casos extremos - esses acidentes que já estão acontecendo ao nosso redor, a que se refere Virilio - nos chamam a atenção para essa diferença, esse espaço entre a invenção e seu contrário. “Estou trabalhando há anos sobre o tema do museu de acidentes, considerando que o século XX, desde o "Titanic", é o século dos acidentes. Não dos acidentes naturais, é claro, mas dos artificiais. A invenção de um objeto técnico como o navio é a invenção do naufrágio. Mas este acidente corresponde a condições e época dadas, o que indica tratar-se de um acidente local. Com a teletecnologia, a informática, a telemática, inventa-se um objeto global, e não mais local, que tem a potência do acidente total, ou seja, de um acidente espontâneo e global.”

Virilio nos ensina a reconhecer o inimigo. É preciso compreender a negatividade desta revolução tecnológica contemporânea, pois a positividade está clara. “acho que até agora não há nenhuma crítica verdadeira da Internet, isso está começando. Ao surgir do enfrentamento de blocos Leste e Oeste, a Internet suscitou a criação de uma informação global capaz de resistir à guerra nuclear - a ancestral da Internet se chamava Arpanet, um objeto militar do Pentágono destinado a resistir aos efeitos eletromagnéticos de destruição de comunicação durante uma guerra atômica. Não tivemos a guerra atômica, mas temos tecnologias de captura de informação de um lado e de outro para evitar qualquer surpresa e foi dada esta tecnologia à sociedade civil através da Internet.” Diz Virilio.

Outro livro de Virilio, “O museu dos acidentes" onde ele quer mostrar como o século XX cumpriu a idéia de progresso, na paz e na guerra. “O século XX, dizia Albert Camus, é um século implacável. Para mim é um século monstruoso. Acho que é o século dos acidentes em todos os domínios. É claro que conseguimos muitas coisas, mas também fizemos coisas terríveis e faremos pior. Vamos acordar! Não dou razão aos ecologistas, que acham que devemos abandonar tudo e voltar a pescar. Sejamos razoáveis: o progresso científico é uma catástrofe. O que não quer dizer que devemos abandoná-lo.”


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