Não devemos descansar frente as consequências que tais reportagens trazem para o parlamento como um todo. Trata-se, na realidade, da legitimação de uma lógica da ordem da narrativa jornalistica que tem como base a indução: ela é simplificadora da realidade política local, porque induz a pensar o todo pela parte. Se há Câmaras Municipais que gastam mal, é porque TODAS são assim. Pois não são os gastos reduzidos que chamam a atenção do público, mas os exorbitantes. Esta operação reproduz com maestria a lógica neoliberal que supostamente deseja combater: ela sugere que Câmaras com menores custos seriam a defesa do contribuinte, ao contrário das que gastam mais. Esquece que a defesa do contribuinte se faz com uma Câmara capaz de cumprir sua função. E isso tem um custo.
Toda a matéria passa ao largo da análise detida do problema que é o modo de financiamento do parlamento. Mas eles passam não pela apresentação superficial de dados que reforça o senso comum do legislativo, mas da apresentação de seus problemas de raiz. O problema central do financiamento está na pouca participação dos próprios municipios na sua despesa, que levaria a uma maior expansão dos gastos e a uma menor responsabilidade fiscal. Esse argumento constata uma tendência, não uma regra. A Câmara de Porto Alegre, por exemplo, rigorosamente está longe de ser uma Câmara perdulária.
O segundo é a necessidade de conscientizar o eleitor que o dinheiro que as Câmaras Municipais não vem de fora somente: vem de impostos arrecadados no municipio em vários níveis e que respondem por importante parcela tributária em também outros níveis. As Cãmaras, ao final, não gastam dinheiro do governo federal, mas recursos produtos de transferências sem as quais os municipios não sobreviveriam.
O terceiro é que o eleitor deve saber recompensar não o politico econômico, mas o que faz mais com menos. Investimentos são necessários, inclusive numa Cãmara Municipal, para garantir a participação. Como atingir a modernidade legislativa sem uma cautelosa politica de investimentos? Ao contrário, o desejo secreto desta imprensa que ataca o parlamento é pela construção de um lumpemparlamento que não é o parlamento ideal para a comunidade, já que não conta com funcionários que precisa para atender a população, com os espaços onde a discussão democrática possa se efetivar e nem infraestrutura para garantir a função de fiscalização dos orgão públicos. Não queremos Câmaras em posição de miséria. Cada cidade deve ter seu parlamento a altura, o problema é que a imprensa, sob a desculpa de reduzir custos, termina por defender a idéia de lumpenparlamento que é, na prática, o empobrecimento da função legislativa.
A matéria deveria ter tocado no centro do problema, dai sua ideologia. E o centro do problema é o fato de que por um lado, há municípios que são privilegiados pelos critérios de transferências de receitas, via Fundo de Participação dos Municípios, como os municípios que tem menos de 10 ml habitantes, enquanto que outros são beneficiados pelos critérios de transferências de receitas via ICMs, que favorece aqueles municipios que tem atividades geradoras de elevadas receitas daquele imposto. Ora, se a preocupação é realmente com a expansão dos gastos da função legislativa, esta preocupação para ser legitima deveria ser vista em sua totalidade, e os jornalistas de plantão deveriam refletir sobre os gastos gerais da administração, e não apenas dos gastos do poder legislativo, sob a pena de transformar o parlamento em bode espiatório da história.
Mas vejamos mais. A matéria por sí só é um atentado a autonomia financeira do legislativo. Os depoimentos colhidos mostram legisladores acuados por um imprensa e tendo que justificar seus gastos com modernização administrativa. Ela esquece que modernizaçaõ legislativa é um bem e que a Constituição protege o Legislativo do corte de despesas do Executivo como modo de evitar que este reduza a capacidade de fiscalização de seus atos. Lembrem-se, interessa ao Executivo um Legislativo enfraquecido e a melhor forma de faze-lo, é sempre tolhendo seus recursos materiais.
Talvez o que falte a matéria seja comparar os dados dos municípios em momentos distintos do tempo em não em relação a gasto per capita para avaliar se as despesas aumentaram ou declinaram. Por outro lado, é preciso verificar de que despesas se tratam. Por exemplo, é verdade que as Câmaras necessitam de uma despesa fixa para existirem: numero de funcionários, instalações para tarefas rotineiras aumentam pouco se a população de uma cidade não aumenta. Mas também é verdade o contrário, a evolução da cidade também conta para as despesas, e aí, como no caso de Porto Alegre, com amplo crescimento, é exigido um amplo investimento em pessoal, com concursos públicos, o que não tem acontecido. O resultado é funcionários estressados frente a uma demanda que não cessa de crescer. Escrevi sobre isso em post anterior. Deixar de fazer concursos para agradar a opinião pública é produzir um desserviço a comunidade, é prestar serviços precários.
"Dinheiro que vem de fora" incentiva gastos sim, mas cuidado com esta Lei criada pelos cães que ladram para o parlamento. Deixar de analisar cada caso é um crime. Deixar de analisar tendências é uma estratégia.Deixar de buscar os problemas de fundo é a melhor forma de estereotipar. O problema é se estamos fortalecendo os cidadãos para o exercício do seu controle sobre os gastos do legislativo e executivo, ou se ao contrário, estamos desmontando o parlamento para colocar outra coisa em seu lugar.