Em 1982, eu era aluno de ensino médio e descobri a disciplina de História como o curso universitário que viria cursar graças ao trabalho de Voltaire Schilling. As aulas de Voltaire eram ministradas em amplas salas de pré-vestibular e eram concorridíssimas. As senhas de entrada eram disputadas e logo esgotavam-se para quem não era do cursinho, como eu. E havia então o melhor de tudo, a distribuição, por monitores, das Cartilhas com o conteúdo da palestra escritas por Voltaire. Não havia como esquecer a matéria. Era ótimo.
Por esta razão o argumento utilizado pela Secretária de Cultura Mônica Leal para demitir Voltaire Schilling da Direção do Memorial do Rio Grande do Sul de que ele deveria se dedicar menos aos Cadernos e mais a projetos de maior abrangência surpreende. Não pelo direito de demiti-lo, que de fato ela tem, mas pelo fato de que os Cadernos eram o que Voltaire sabia fazer melhor, produto de sua experiência como pesquisador e professor de pré-vestibular. Tinham público certo, professores e alunos. Por outro lado, como se sabe, o Sistema de Museus do Estado é carente de recursos, e o Memorial sobrevive com pouco mais do que R$ 25 mil por mês. É um verdadeiro milagre que Voltaire tenha conseguido manter a programação do Memorial como o fez: foram cerca de 46 Cadernos sobre os mais variados temas e dezenas de exposições beneficiando amplamente alunos e professores do sistema de ensino. A rigor, não havia nada errado com o projeto. Era um projeto BBB: bom, bonito e barato.
Projetos de maior abrangência? A idéia de uma política cultural baseada em mega-exposições é discutível. As instituições culturais no Brasil que pautam-se pela produção de grandes eventos como o Museu da Língua Portuguesa e o Santander Cultural tem recursos de sobra para isso. Nosso Estado não. Para os museus, mais importante do que fazer mega-exposições é o Estado dar-lhes recursos humanos e materiais para um trabalho de base envolvendo pesquisa, exposições, formação de professores e ensino. Voltaire fazia isso e sua demissão interrompe uma política adotada pelo Memorial que fará falta. A Secretária é bem intencionada, mas achar que mega-eventos são sinônimo de política cultural é desconhecer as verdadeiras necessidades de seu sistema: finalizar as reformas do Museu Júlio de Castilhos, retomar projetos da Casa de Cultura encerrados e reabrir espaços como a Sala Lubisco, todos espaços que possuem públicos aguardando sua reabertura.
A área cultural do Estado tem problemas? É claro que tem, como qualquer outra área. Mas poderíamos ao menos ter a capacidade de evitar criar novos problemas. Com a saída de Voltaire, perde a cultura do Estado. Figura inestimável no panorama cultural, este Paulo Francis da cultura ainda tinha muito o que fazer pelo Memorial do Rio Grande do Sul. E agora, fica a pergunta: quem continuará o projeto “Cadernos do Memorial”?