Um dos problemas da teoria marxista da história assinalada por Richard Sennet é o fato de que sua noção de sistema de classes tornou a consciência “vertical” em lugar de “horizontal”. Nossa consciência passou a orientar-se para quem está acima ou abaixo e não para os semelhantes: “a desigualdade antecede a fraternidade”, diz. Por esta razão a consciência herdada do marxismo adquiriu um caráter militar pois não se pode ser consciente no mundo sem combater as condições que os outros nos impuseram, principalmente a exploração. Nesse universo não há trocas positivas com inimigos.
Esta é a consciência de parte dos jovens que ocupam as ruas. Eles tem um desejo verdadeiro de resistir mas não sabem a que ou a quem. Sua consciência não é coletiva, é grupal, daí a enormidade de agendas que defendem nos protestos. É o que leva a sua esquizofrenia caracterizada por uma divisão entre um comportamento agressivo em relação aos outros, os políticos, mas generoso em relação aos “camaradas”. O problema é que isso nada tem haver com solidariedade e negociação, elementos essenciais na vida pública que pedem que nos relacionemos justamente com o que é diferente, no caso, o Estado. È a forma encontrada por jovens anônimos partilharem a vida pública -a "partilha do sensível" de que fala Ranciére - mas fazer dos políticos um inimigo não resolverá o problema da criação de mais políticas públicas e sociais, assim como criminalizar os jovens em nada contribuirá para fazer a transformação da sociedade. Não basta ao movimento organizado pelas redes colocar o ativismo social acima do ativismo político. É preciso produzir boas discussões a respeito do tipo de solução que querem para os problemas que apresentam. Estamos todos de acordo sobre a necessidade de resolvermos os males dos capitalismo, mas como construir uma solução com instituições políticas desacreditadas pela população?
A confiança na política tem estado muito abalada e que piora com a constatação da desigualdade vivida no cotidiano - o preço das passagens. Mas permitir movimentos de violência só aumenta o terror, e por isso as organizações de jovens devem superar a espontaneidade inicial dos protestos e encontrar um meio de combate-lo. Devem substituir a agenda nacional pela agenda comunitária - não é que os jovens sequer pensaram em trazer suas reivindicações para as Câmaras Municipais? Isso deveria ser parte da agenda. Rejeitam a politica mas são movimentos politicos e a ausência em reconhecer a necessidade de organização política, de lideranças, se viu nos movimentos de quinta feira: o que era aquela disputa pelo caminho das passeatas se não o efeito de que, sem lideranças, sequer um caminho é possivel construir juntos?
A consciencia dos "pseudo-organizadores" negava qualquer identidade poliltica, de classe ou raça, prefindo por em seu lugar a conexão dos diversos grupos e interesses sociais conectados via internet, o único verdadeiro vitorioso dos processos. A política dos jovens é boa por sua vitalidade e entusiasmo, mas é numa palavra, bagunçada, e por isso, um alvo fácil para a extrema esquerda, que adora a violência, e para extrema esquerda, que adora manipular as massas. O que não queremos: nem quee toda esta carga de esperança dos jovens se perca na diminuição do movimento e nem que parta para a radicalização pura e simples. Por isso, a agenda ampla e de consenso aos poucos deve ceder para uma agenda com objetivos modestos mas realizáveis. Mais, os jovens precisam virem mais qualificados para o debate público, com conhecimento de causa, quase experts, formados pelas organizações de base para que tenham continuidade em suas reivindicações e não se dispersem. Mas ao fazer isso não podem tentar "inventar a roda" como pretendem agora: os demais movimentos sociais devem sim serem convocados, assim como os políticos, para que sejam identificados e não fiquem ocultos na multidão.
É de fato uma mudança no temperamento dos jovens. Da mesma forma que não adianta ao Estado assumir uma postura autoritária, não adianta aos jovens negar as instituições políticas. Ambas atitudes só reforçam o ódio à politica apontado por Ranciére, ao contrário, cabe aos jovens a tarefa de refazer as instituições que abandonam agora, devem debater o que deve ser feito pelo Estado. “O reconhecimento mútuo precisa ser negociado”, diz Richard Sennet. Os pais esperam que os jovens sejam capazes de fazer alguma coisa da própria vida, cuidarem-se de sí próprios, ajudarem aos outros e capazes e criar condições para respeito mutuo, artigo em falta nos tempos que passam.
No fundo, no fundo, o movimento das ruas se quer transpolitico numa sociedade política. Ele quer o desaparecimento da política, este é seu modo de apaixonar a juventude, mas o transpolitico tem tantos defeitos como o politico, a crise do politico é substituída pela anomalia do transpolítico, lugar de aberração sem consequências, etc, etc, “daquilo que escapa a jurisdição da lei”, como diz Baudrillard. Não é exatamente isso que vemos nos movimentos de jovens, a infração a um sistema determinado por aquela parcela irracional da juventude? É uma minoria de jovens, é claro, mas ela é capaz de colocar em risco todo o movimento e por isso precisa ser rejeitada por todos jovens; não se trata de os colocar no lugar do mal, não é a solução, até porque não se trata de opor um bem ou mal porque há tentativas de produzir o bem que produziram o mal e vice-versa. Quer dizer, nada impede que mesmo com as situações de violência que vemos e condenamos não resulte em resultados mas é preciso evitar a histeria, a repetição constante e sem sentido.
Estes jovens tem passado por uma vigília extenuante todos os dias, é quase um certo tipo de insônia politica como a relatada por Emil Cioran. Mas o ser humano precisa, um dia, repousar. É preciso apresentar as reivindicações e dar o tempo para o Estado responder e negociar, sem o qual não se poderá ir adiante. Eis uma consciência que precisa emergir no movimento.
Publicado em ZH Cultura em 29/06/2013
sábado, 29 de junho de 2013
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Uma cidade sem cidadãos
Jornalistas atingidos por balas de borracha, jovens recebendo bordoadas de policiais e violência praticada a cidadãos que sequer participavam dos movimentos foram cenas vistas recentemente de um cruel cenário de luta contra o capitalismo em busca de um sistema mais justo. O que foi vivido em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos últimos dias mostrou a intimidade do Estado com a violência em diversos graus.
De fato, uma das funções do Estado é estabelecer uma legislação e prescrever os castigos contra sua transgressão. Mas a violência contra manifestantes inocentes ultrapassa todo o direito do Estado ao uso da violência como previa Max Weber e confirma a tese de Walter Benjamin de que a violência está presente no próprio direito. As ações repressivas do Estado mostram que ele tem um núcleo violento, mostram a relação da violência com a política, mas é preciso lembrar que a política não pode deixar de ter uma dimensão ética.
Pensávamos que vivíamos numa democracia pacífica, o que imaginariamente fazia desaparecer o direito do cidadão à rebelião. Os movimentos de norte a sul do país indicam que a sociedade atingiu o seu limite, não aguenta mais e faz a pergunta por justiça e questiona a legitimidade dos governos que escolheu. A violência empregada pela população quer perguntar ao Estado sobre a noção de justiça que defende: é justa a passagem a R$ 3,05? É justa a derrubada de árvores na Capital? A violência é uma forma desesperada de resistência da sociedade mas a ação violenta dos órgãos policiais nega o direito de resistência. Os movimentos são violentos porque a sociedade se sente abandonada pelo sistema político e econômico: o problema não é o valor das passagens em si mas do sistema excludente que obriga a população a não encontrar outra alternativa do que não ser a da violência para ser ouvida. Em Porto Alegre, os manifestantes queriam baixar a passagem e a conseguiram, mas isto não foi suficiente porque descobriram que é o próprio capitalismo que desejam combater. E como não há projeto, atendem ao impulso à violência em estado puro. É aí que cometem um erro.
É claro que não queremos a violência, mas o problema justamente é saber aquilo que queremos. O espírito destes movimentos é de revolta e não de revolução, são movimentos de fúria autêntica sem um programa de mudança sociopolítica, a maioria de seus participantes rejeitam a violência, mas há ali em seu interior aqueles que seguem-na praticando-a, produto da descrença na classe política à direita e a esquerda. Movimentos sem programa se tornam histéricos e o que vemos no dia seguinte é a repetição do dia anterior, o que leva a um estado de emergência permanente e o risco da suspensão da democracia política. Como dizia Gandhi, os manifestantes só foram violentos porque "querem dar um basta ao modo como as coisas funcionam" (Zizek), mas o que significa sua violência quando comparada à exercida pelo Estado que afirma existir liberdade mas não tolera a "liberdade de rebelião"?
Publicado em Zero Hora em 15/06/2013
De fato, uma das funções do Estado é estabelecer uma legislação e prescrever os castigos contra sua transgressão. Mas a violência contra manifestantes inocentes ultrapassa todo o direito do Estado ao uso da violência como previa Max Weber e confirma a tese de Walter Benjamin de que a violência está presente no próprio direito. As ações repressivas do Estado mostram que ele tem um núcleo violento, mostram a relação da violência com a política, mas é preciso lembrar que a política não pode deixar de ter uma dimensão ética.
Pensávamos que vivíamos numa democracia pacífica, o que imaginariamente fazia desaparecer o direito do cidadão à rebelião. Os movimentos de norte a sul do país indicam que a sociedade atingiu o seu limite, não aguenta mais e faz a pergunta por justiça e questiona a legitimidade dos governos que escolheu. A violência empregada pela população quer perguntar ao Estado sobre a noção de justiça que defende: é justa a passagem a R$ 3,05? É justa a derrubada de árvores na Capital? A violência é uma forma desesperada de resistência da sociedade mas a ação violenta dos órgãos policiais nega o direito de resistência. Os movimentos são violentos porque a sociedade se sente abandonada pelo sistema político e econômico: o problema não é o valor das passagens em si mas do sistema excludente que obriga a população a não encontrar outra alternativa do que não ser a da violência para ser ouvida. Em Porto Alegre, os manifestantes queriam baixar a passagem e a conseguiram, mas isto não foi suficiente porque descobriram que é o próprio capitalismo que desejam combater. E como não há projeto, atendem ao impulso à violência em estado puro. É aí que cometem um erro.
É claro que não queremos a violência, mas o problema justamente é saber aquilo que queremos. O espírito destes movimentos é de revolta e não de revolução, são movimentos de fúria autêntica sem um programa de mudança sociopolítica, a maioria de seus participantes rejeitam a violência, mas há ali em seu interior aqueles que seguem-na praticando-a, produto da descrença na classe política à direita e a esquerda. Movimentos sem programa se tornam histéricos e o que vemos no dia seguinte é a repetição do dia anterior, o que leva a um estado de emergência permanente e o risco da suspensão da democracia política. Como dizia Gandhi, os manifestantes só foram violentos porque "querem dar um basta ao modo como as coisas funcionam" (Zizek), mas o que significa sua violência quando comparada à exercida pelo Estado que afirma existir liberdade mas não tolera a "liberdade de rebelião"?
Publicado em Zero Hora em 15/06/2013
sexta-feira, 31 de maio de 2013
Sobre as políticas de museus
Passada a 11ª Semana Nacional dos Museus, como podemos desenhar o mapa da área? Promovida pelo Instituto Brasileiro dos Museus (IBRAM) com o tema “Museus (memória+criatividade) = mudança social”, a semana acontece anualmente para comemorar o Dia Nacional dos Museus (18/5). Nela, o governo assume para si um belo discurso onde é enfatizada a importância da atividade por “dar sentido à existência” etc, etc. Por detrás da iniciativa esconde-se o fato de que o governo lucra políticamente com a divulgação das iniciativas de museus carentes de todo o pais nos quais não investiu recurso algum e pouco faz para a resolução dos verdadeiros problemas da área.
A verdade é que os museus são afetados cada vez mais pelas características que marcam as demais políticas públicas em nosso país. Primeiro porque o governo prefere adotar as políticas populares para a área do que as impopulares, que sofrem resistência. Prefere gastar em divulgação, que é bem vista pela comunidade, do que em desapropriar próprios locais da iniciativa privada abandonados para servir de sede para museus que vivem de aluguel. Segundo porque a politica pública para museus é movida por crises como qualquer outra instituição pública. No dia-a-dia dos museus, seus técnicos tem atuado mais como “bombeiros” apagando “incêndios” do que formuladores de políticas de longo prazo, enquanto que o governo dá pouco valor às políticas que visam prevenir tais crises nos museus. Por exemplo, ao invés de prever no Orçamento e no Plano Plurianual mais recursos para a área, prefere deixar que seus funcionários invistam de seu próprio bolso para produzir exposições. Esse modo de ser não é privilegio de um nível de governo, atravessa todo o sistema, dos estados aos municípios.
Eventualmente, como em qualquer outra área, as crises na área cultural e dos museus levam a mudanças nas suas lideranças e gerentes, mas suas causas continuam sendo tratadas de maneira inadequada pelos sucessivos governos. E o ponto é sempre o mesmo: falta investimento em pessoal qualificado e investimentos em reforma de nossos museus, o calcanhar de Aquiles de nossas políticas da área. Pior, nossos museus começam a integrar o jogo politico de curto prazo da distribuição de cargos para garantir o apoio politico quando são os interesses de longo prazo que deveriam ser visados.
Finalmente, os museus frequentemente são vitimas das politicas adotadas por outros órgãos de governo. Por esta razão é tão nefasta para a área a política de contenção de déficit orçamentário ou a politica de tributação para importação de bens necessários à recuperação de suas obras, etc. Contratar um restaurador especializado é a maior dificuldade; adquirir com recursos públicos um acervo privado de interesse social nem pensar. Assim, nesta semana dos museus, os profissionais da área tem dois objetivos a perseguir. O primeiro é que devem lutar por políticas públicas para a área mais eficazes, além de recusar a política de "apagar incêndios" tão comum à área. O segundo é que devem discutir se não estaria na raiz dos problemas dos museus o fato de que as vezes nem os diferentes órgãos do governo se entendem, o que torna difícil, as vezes impossível, a mediação dos objetivos políticos e dos procedimentos administrativos gerais do Estado à natureza e necessidade da produção museal na contemporaneidade.
A verdade é que os museus são afetados cada vez mais pelas características que marcam as demais políticas públicas em nosso país. Primeiro porque o governo prefere adotar as políticas populares para a área do que as impopulares, que sofrem resistência. Prefere gastar em divulgação, que é bem vista pela comunidade, do que em desapropriar próprios locais da iniciativa privada abandonados para servir de sede para museus que vivem de aluguel. Segundo porque a politica pública para museus é movida por crises como qualquer outra instituição pública. No dia-a-dia dos museus, seus técnicos tem atuado mais como “bombeiros” apagando “incêndios” do que formuladores de políticas de longo prazo, enquanto que o governo dá pouco valor às políticas que visam prevenir tais crises nos museus. Por exemplo, ao invés de prever no Orçamento e no Plano Plurianual mais recursos para a área, prefere deixar que seus funcionários invistam de seu próprio bolso para produzir exposições. Esse modo de ser não é privilegio de um nível de governo, atravessa todo o sistema, dos estados aos municípios.
Eventualmente, como em qualquer outra área, as crises na área cultural e dos museus levam a mudanças nas suas lideranças e gerentes, mas suas causas continuam sendo tratadas de maneira inadequada pelos sucessivos governos. E o ponto é sempre o mesmo: falta investimento em pessoal qualificado e investimentos em reforma de nossos museus, o calcanhar de Aquiles de nossas políticas da área. Pior, nossos museus começam a integrar o jogo politico de curto prazo da distribuição de cargos para garantir o apoio politico quando são os interesses de longo prazo que deveriam ser visados.
Finalmente, os museus frequentemente são vitimas das politicas adotadas por outros órgãos de governo. Por esta razão é tão nefasta para a área a política de contenção de déficit orçamentário ou a politica de tributação para importação de bens necessários à recuperação de suas obras, etc. Contratar um restaurador especializado é a maior dificuldade; adquirir com recursos públicos um acervo privado de interesse social nem pensar. Assim, nesta semana dos museus, os profissionais da área tem dois objetivos a perseguir. O primeiro é que devem lutar por políticas públicas para a área mais eficazes, além de recusar a política de "apagar incêndios" tão comum à área. O segundo é que devem discutir se não estaria na raiz dos problemas dos museus o fato de que as vezes nem os diferentes órgãos do governo se entendem, o que torna difícil, as vezes impossível, a mediação dos objetivos políticos e dos procedimentos administrativos gerais do Estado à natureza e necessidade da produção museal na contemporaneidade.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
O museu como uma pilha
No filme Matrix, os humanos são baterias onde o cérebro é ligado a um mundo
onírico mas cujos corpos ficam em cápsulas que alimentam máquinas que os
controlam. Esta é a imagem que vem a mente no Dia Nacional dos Museus. Na nossa
Matrix museológica, os museus são as baterias que vivem a alimentar uma máquina
que chamamos Estado. Nesse universo fantasmático, os museus servem para o
Estado dizer que tem políticas de museu quando não tem. A nível federal, a
política de museus estabelece a concorrência pura e simples pelos escassos
recursos através de Editais, quer dizer, submete-os a mesma matriz corporativa
na qual Thomas A. Anderson trabalha, metáfora do controle diabólico da IA, aqui,
do Estado; a nível estadual, cada museu é uma Nabucodonossor que busca
sobreviver num universo hostil habitado por sentinelas, as "lulinhas" do filme,
aqui, a falta de pessoal, de recursos financeiros e equipamentos.
No filme os personagens sempre buscam a “saída viável”, expressão dada ao modo de como sair da Matriz; aqui é a busca feita por nossos museólogos pela "saída viável" para escapar da situação de abandono pelo Estado. Basta um olhar ao redor: nossos melhores acervos de jornais convivem com teias de aranha, nossos melhores quadros aguardam restauração e nossas melhores esculturas públicas encontram-se abandonadas em depósitos. Que dia de museus é este para comemorar? É que, como no filme, o mundo dos museus é um mundo de sofrimento: assim como é inconcebível um mundo justo se os humanos padecem, como os museus podem comemorar se passam o dia a sofrer?
Nossos museus precisam de um oráculo. Ele diria algo do assim: “- Vocês estão demasiado preocupados com o passado. Voltem-se para o futuro." Com isto ele quer questionar os processos de galopantes de digitalização dos acervos das instituições públicas. Acervos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário hoje estão cada vez mais digitalizados. Que acervos estamos legando para o futuro? Quem garante a sobrevida de fotografias e de processos que deixam o suporte papel para o suporte digital, e portanto, passam a ser gravados em DVDs que cedem ao menor risco, ou preservados nos HD dos computadores que cedem ao menor vírus? Que modernização dos museus é essa que cede ao acidente (Paul Virilio)? É esta a política de preservação de acervos públicos para museus que queremos?
O hipotético oráculo, comendo um biscoito, ainda diria: “- Em segundo lugar, vocês, museólogos, no seu dia, sequer estão discutindo suas práticas de museu.” É verdade: banners gigantes de fachada e telas de TV nunca foram garantia de boa exposição. Neste mundo pós-moderno, cobram cada vez mais de nossos museólogos a garantia de experiências sensíveis cada vez maiores e de macro-exposições que levam, paradoxalmente, a uma perda da memória no interior do próprio museu. Que estética de museu é esta onde a forma é mais importante que o conteúdo?
Os museus devem discutir no seu dia se querem ou não atender ao desejo dos novos tempos de hegemonia da imagem, do entretenimento instantâneo, do culto politico, da valorização do mercado e do exibicionismo de macroexposição típicos da indústria cultural capitalista. Museu não é lugar para vender souvenir, é espaço de memória e educação, ele tem algo a dar que não pode ser oferecido por nenhum outro meio. É isso que os museólogos precisam discutir nesta data.
No filme os personagens sempre buscam a “saída viável”, expressão dada ao modo de como sair da Matriz; aqui é a busca feita por nossos museólogos pela "saída viável" para escapar da situação de abandono pelo Estado. Basta um olhar ao redor: nossos melhores acervos de jornais convivem com teias de aranha, nossos melhores quadros aguardam restauração e nossas melhores esculturas públicas encontram-se abandonadas em depósitos. Que dia de museus é este para comemorar? É que, como no filme, o mundo dos museus é um mundo de sofrimento: assim como é inconcebível um mundo justo se os humanos padecem, como os museus podem comemorar se passam o dia a sofrer?
Nossos museus precisam de um oráculo. Ele diria algo do assim: “- Vocês estão demasiado preocupados com o passado. Voltem-se para o futuro." Com isto ele quer questionar os processos de galopantes de digitalização dos acervos das instituições públicas. Acervos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário hoje estão cada vez mais digitalizados. Que acervos estamos legando para o futuro? Quem garante a sobrevida de fotografias e de processos que deixam o suporte papel para o suporte digital, e portanto, passam a ser gravados em DVDs que cedem ao menor risco, ou preservados nos HD dos computadores que cedem ao menor vírus? Que modernização dos museus é essa que cede ao acidente (Paul Virilio)? É esta a política de preservação de acervos públicos para museus que queremos?
O hipotético oráculo, comendo um biscoito, ainda diria: “- Em segundo lugar, vocês, museólogos, no seu dia, sequer estão discutindo suas práticas de museu.” É verdade: banners gigantes de fachada e telas de TV nunca foram garantia de boa exposição. Neste mundo pós-moderno, cobram cada vez mais de nossos museólogos a garantia de experiências sensíveis cada vez maiores e de macro-exposições que levam, paradoxalmente, a uma perda da memória no interior do próprio museu. Que estética de museu é esta onde a forma é mais importante que o conteúdo?
Os museus devem discutir no seu dia se querem ou não atender ao desejo dos novos tempos de hegemonia da imagem, do entretenimento instantâneo, do culto politico, da valorização do mercado e do exibicionismo de macroexposição típicos da indústria cultural capitalista. Museu não é lugar para vender souvenir, é espaço de memória e educação, ele tem algo a dar que não pode ser oferecido por nenhum outro meio. É isso que os museólogos precisam discutir nesta data.
O Dia Internacional do Brincar
Dia 28 de
maio é o Dia Internacional do Brincar. Instituído pela Unesco com o objetivo de
resgatar e incentivar o brincar na infância e a importância da brincadeira como
momento cultural, seu pressuposto básico é que brincar é aprender. Direito
consagrado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a data nos impõe uma
reflexão: como comemorá-la quando as praças estão vazias devido a violência,
seus brinquedos sucateados e as necessidades de brincar da infância parecem
reduzir-se a satisfação proporcionada por brinquedos oferecidos pelo mercado? A
verdade é que a memória do brincar encontra-se esmaecida pelo excesso de
estímulos que fazemos à infância, produto dos inúmeros brinquedos à disposição,
mercadorias que impelem as crianças a adentrar cada vez mais cedo na lógica
consumista e adquirir o hábito de substituir seus brinquedos como
uma mercadoria qualquer.
O brincar, a
brincadeira e o brinquedo são integrantes de um mesmo universo de acesso da
criança ao mundo mas, no atual, a infância e o brincar são vítimas da
artificialização de nossa existência. As novas configurações do brincar
adaptam-se aos novos tempos mas a medida em que as crianças passam a exigir cada
vez mais brinquedos novos, deixam escapar a dimensão do sonho e do
devaneio que a brincadeira possibilita. O que é revolucionário no brincar é que
para fazê-lo, é preciso suspender o tempo, praticar novas sociabilidades, o que
jogos virtuais roubam das crianças. Para que as crianças possam gozar o dia do
brincar, é preciso que os pais questionem a atitude que é oferecer em excesso os
novos objetos de desejo da criança. É preciso que julguem porque se nas
brincadeiras tradicionais a fantasia se revela no brincar, nas modernas, como
nos games, a fantasia é pré-programada no roteiro dos jogos de computador. Fim
da brincadeira como mimésis, trabalho psíquico que exige que a criança invente
personagens, vista-os imaginariamente com as características que bem entender,
experiência que é substraída pelos jogos virtuais. O que acontece quando a
tecnologia é hegemônica nas formas do brincar?
Por isso
acredito que a verdadeira forma de resgatar o significado do dia do brincar é,
por parte dos pais, refletir sobre a importância de retomar a arte de contar
histórias (Walter Benjamin), gesto que inspira a imaginação da criança à prática
do brincar. Frente a emergência da tecnologia nos brinquedos, é preciso
estimular o uso daqueles feitos como arte pelas crianças, elaborados por suas
próprias mãos, hoje substituídas por artefatos da indústria cultural. Por parte
dos educadores, a brincadeira também deve ser um objeto de preocupação. Ela
cumpre seu papel pedagógico quando feita com intencionalidade, quando o jogo é
um modo de ensinar e aprender, a “isca”(Tânia Fortuna) para fisgar o interesse
do aluno, mas não de uma forma tradicional e autoritária, mas como espaço de
prazer e espontaneidade sem cair no hedonismo. O que significa que os adultos
devem redescobrir sua criança interior para ajudar a criança a comemorar seu dia
do brincar, não para agir como uma criança, mas para compreênde-la em suas ricas
dimensões.
sexta-feira, 10 de maio de 2013
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