O que torna profundamente atual o pensamento do esloveno Slavoj Zizek, de quem a editora Boitempo acaba de lançar Em Defesa das Causas Perdidas e Primeiro como Tragédia, depois como Farsa, é seu trabalho sobre a ideologia. Não se trata da retomada de O Mapa da Ideologia, obra sua já conhecida dos brasileiros, mas do aprofundamento de aspectos de O Sublime Objeto da Ideologia (Siglo XXI, 2005, inédito no Brasil).
Nesse livro de 2005, Zizek integrou de forma original as percepções psicanalíticas da fantasia à crítica marxista da ideologia. Isto lhe lhe permitiu, pela primeira vez, propor uma teoria de como funciona a ideologia no plano subjetivo: “Não existe a crença comum, o que existe é a crença em que os outros creem”.Zizek reconstrói os processos que fazem homens, em determinadas circunstâncias, justificarem e darem um ar de verdade a uma mentira, numa espécie de construção coletiva . O “vamos fingir que as regras funcionam” oculta, entretanto, o fato de que as instituições no capitalismo contemporâneo estão falidas e ninguém de fato acredita nelas. Agimos como na fantasia de Papai Noel: nem os adultos nem as crianças acreditam mais nele. Pior: agimos assim com nossas instituições, inclusive com a democracia. A subjetividade também está sob tremenda pressão da ideologia: cuidado, o capitalismo quer dar um significado a sua vida, diz Zizek. Ele toma como exemplo os anos que passamos consumindo publicidade, uma das melhores formas de se pensar o que acontece com nossa subjetividade. Nos anos 1960, a propaganda automobilista vendia as qualidades de um carro; nos anos 1970, o status que ele oferece ao consumidor para finalmente, hoje, ser a promessa de libertação da sociedade opressora.
Para Zizek, o capitalismo contemporâneo é profundamente ideológico: “A política desse capitalismo é a despolitização para que não haja mais uma ideologia clara”. Na sociedade de consumo (um conceito caro a Baudrillard), a ideologia vendida é a ideologia da diversão como na expressão latina Carpe diem (“Aproveitem o dia”). Nada mais comprovador do conceito de Lacan – apropriado por Zizek – de gozo excedente, um gozo que nos suborna para mascarar os nossos problemas. A solução, para Zizek, é o retorno à noção de economia política tal como proposta por Marx: politizar a economia, e é nesse sentido que Zizek mais se aproxima de outro teórico do marxismo, Robert Kurz.
A ideologia do capitalismo contemporâneo, sustenta Zizek, quer que acreditemos que a economia não tem nada haver com a política: ela quer uma sociedade apolítica, e para isso constrói a ideia de que é besteira discutir política. Nisto reside a radicalidade de Zizek: ele quer que a democracia se garanta sem as influências das pressões de mercado.Yannis Stavrakakis, em A Esquerda Lacaniana – Psicanálise, Teoria, Política (Fondo de Cultura Econômica, 2010, inédito no Brasil), deu-se conta que o pensamento de Zizek consolidou-se ao longo dos últimos 15 anos, período em que a psicanálise e a teoria lacaniana passaram a ser recursos importantes na reorientação da teoria política contemporânea. Essa posição, para qual boa parte dos cientistas políticos torce o nariz, origina-se no próprio pensamento de Lacan, que não foi apolítico – ao contrário, fez críticas ao American way of life, ao capitalismo americano e à sociedade de consumo, o que o levou a associar sua noção de mais-gozo à noção de mais-valia de Marx.
Nesse caminho estão Zizek, Cornelius Castoriadis, Alain Badiou e especialmente Ernesto Laclau, para quem “a teoria lacaniana aponta ferramentas decisivas para a formulação de uma teoria da hegemonia”, daí a definição de seu horizonte teórico-politico em termos de “esquerda lacaniana”, nítido campo de intervenções políticas e teóricas a partir da psicanálise – mas não somente dela – que parte para a crítica da hegemonia capitalista contemporânea.Em Primeiro como Tragédia, depois como Farsa, lançado simultaneamente pela Verso (Londres) e Flamarion (Paris) em 2009, Zizek pergunta se estamos preparados para a história que se impõe sobre nossas cabeças desde os ataques de 11 de Setembro. Ele mostra as manobras por detrás das ideologias levantadas pela atual crise (2008) e que levou bilhões de dólares para os bancos. Para Zizek, o que é profundamente ideológico é tratar as crises do capitalismo como algo estranho ao próprio capitalismo, ideia que deseja vender a imagem de um mercado capitalista regulado de outro modo. Ao contrário, ele nos mostra cada vez mais o capitalismo sobrevivendo abaixo de terapias de choque, num mercado que exige violência extramercado para seu funcionamento.
Já na obra Em Defesa das Causas Perdidas, Zizek vai contra o pensamento hegemônico que vê a democracia liberal, as vezes dita pós-moderna, como o melhor dos mundos frente ao passado das lutas comunistas. Isso não quer dizer que as “causas perdidas” que defende estejam abrigadas pelo teto do Fórum Social Mundial: para Zizek, seu lema “Um outro mundo é possível” mostra que seus protagonistas ainda relacionam-se demais com a estrutura já posta pelo capitalismo. Para fazer seu caminho, ele faz a opção por retornar ao marxismo a sua maneira, o que tem o peculiar efeito de chamar a atenção mundial sobre sua obra: não há dúvida, o que Zizek faz é tornar sedutor o marxismo para as novas gerações. Para isso articula Lacan, Hegel e Marx com cinema, música, cultura popular e a crítica dos objetos de consumo. Em Defesa das Causas Perdidas, entretanto, padece do problema comum aos grandes pensadores contemporâneos: como produzem demais, escrevem demais, torna-se frequente encontrar traços de obras anteriores nas seguintes. Não há como deixar de ver no capítulo 2, Lições do Passado, o eco de suas obras anteriores sobre Robespierre e Mao, ou dos estudos anteriores que fez sobre o stalinismo publicados em espanhol. Há, entretanto, reflexões sobre o pensamento de Heidegger extremamente originais e que não haviam aparecido anteriormente, contudo. E é claro, Zizek sempre é um grande contador de causos que sintetizam brilhantemente suas ideias. Em um determinado momento de sua obra, ele cita a ficha de um hotel americano: “Prezado cliente: para garantir que você vai desfrutar sua estadia conosco, o fumo está totalmente proibido neste hotel. Qualquer violação deste regulamento resultará numa multa de US$ 200”. Assim é o capitalismo, diz Zizek: estamos condenados a ser castigados se recursarmos a desfrutá-lo plenamente. Zizek quer nos mostrar o cinismo do capitalismo contemporâneo em sua caminhada em direção a um capitalismo autoritário, contrário ao direitos humanos, como anuncia o caso chinês. E o grande perigo é que ele pode estar certo.
Publicado no Caderno de Cultura de Zero Hora, 8/6/2011
domingo, 10 de julho de 2011
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Primeiro como tragédia, depois como farsa
No documentário Examined Life (2008), de Astra Taylor, Slavoj Zizek aparece em um imenso lixão americano vestido como um trabalhador do meio, numa imagem que não poderia ser melhor para resumir seu pensamento: lá onde fica aquilo que jogamos fora, aquilo que não damos importância e não perguntamos para onde vai está a metáfora do capitalismo que vivemos hoje, um sistema que se mostra maravilhoso em sua forma e mercadorias, mas que faz isso apenas mostrando um lado da história e ocultando todas as lutas sociais. Aquilo que não nos é dito e que leva a sua aceitação tem um nome para Zizek: ideologia.
Pois é justamente a análise da ideologia do período entre o 11 de Setembro e o colapso financeiro mundial de 2008 que é o centro de sua argumentação em Primeiro como tragédia, depois como farsa. Zizek, junto com Alain Badiou e Ernest Laclau, constitui o centro da “Nova Esquerda Lacaniana”, cuja principal característica é aplicar conceitos da psicanálise e da filosofia à critica da ideologia liberal. É o que faz em riqueza de detalhes nesta obra ao mostrar como a tese de Fukuyama do fim da história e a crença na democracia liberal capitalista finalmente foi vencida – ou morreu duas vezes. Primeiro, com o 11 de Setembro, que simbolizou o colapso da utopia política democrática liberal – sem, no entanto, afetar a face econômica – e segundo, com a crise financeira de 2008, símbolo do fim da face econômica do sonho de Fukuyama. A análise das condições e consequências dos acontecimentos desse período e da ideologia capitalista que determina a sua percepção faz-se no meio de uma compreensão engajada – Zizek adota o lado da defesa da idéia comunista, que ainda vive.
Renovando o pensamento de esquerda, com um texto repleto de ironia e exemplos notáveis, Zizek desvela a face perversa de um capitalismo cínico que se diz democrático, mas que oculta em seu interior um monstro autoritário prestes a nascer.
Publicado no Le Monde Diplomatique, julho de 2011
quarta-feira, 6 de julho de 2011
A Letra Escarlate das Escolas
A Letra Escarlate é um filme de Roland Joffé que conta a estória de Hester Prynne (Demi Moore), uma mulher que vive em 1666 e é submetida a humilhação de usar uma letra "A" vermelha marcada a ferro em sua carne. O efeito é devastador, fazendo-a sentir vergonha de si mesmo ao mostrar para todos o pecado que cometeu contra seu marido, o adultério.
Algo semelhante ocorre quando se trata da proposta da Câmara dos Deputados defendida por Gustavo Ioschpe (ZH, 4/6/2011). Ela é, de certa forma, a Letra Escarlate das Escolas. Ioschpe é muito qualificado, é verdade, mas qualificado em quê? Numa área denominada de Economia da Educação, que usa a econometria como ferramenta para medir de maneira quantitativa o impacto de diversas variáveis sobre aprendizagem.
Nada mais distante das idéias de autores como Henry Giroux, Rubem Alves e Marilena Chauí. Para estes autores, subjaz a discussão a definição da lógica de mercado como o portador da racionalidade sociopolitica e agente do bem-estar no interior da escola. Neste campo situam-se todos aqueles que vêem os direitos sociais apenas como mais um horizonte de serviços do estado a serem definidos pela ideologia do mercado, outra forma de encolher o espaço público democrático dos direitos à educação e ampliar nele o espaço do privado. É o caso de Ioschpe.
No outro campo estão os defensores da autonomia da escola que criticam o desejo de ver suas ações mediadas por termos como rendimento escolar e serem submetidos à coleta de indicadores de quantidade e não qualidade. Eles reduzem a autonomia escolar pelo estabelecimento de metas baseadas em indicadores de desempenho e a gestão de receitas e despesas. Para os que pleiteiam anotar nas fachadas escolares o conceito do IDEB, a nossa Letra Escarlate, autonomia escolar é sinônimo de gerenciamento empresarial da escola. Nada mais perverso.
Marilena Chauí definiu o tipo de qualidade perseguida por este regime: aqui “qualidade”, competência e excelência existem sim, mas não no sentido que aspiram professores e estudantes, mas no sentido daqueles pré-requisitos que atendem “às necessidades de modernização da economia”, numa palavra, as chamadas exigências da produtividade. Para Chauí, ela é baseada em três critérios: quanto uma escola produz, em quanto tempo produz e qual o custo do que produz e, voi-lá, eis-nos diante do campo da econometria de Ioschipe que os educadores repudiam.
O problema é que discute-se critérios da qualidade do trabalho escolar como se fossem os mesmos da produtividade capitalista - quantidade, tempo e custo – e não são. Os professores que questionam este modelo não são incompetentes como diz Ioschpe, apenas buscam qualidade e não quantidade em seu trabalho.
Algo semelhante ocorre quando se trata da proposta da Câmara dos Deputados defendida por Gustavo Ioschpe (ZH, 4/6/2011). Ela é, de certa forma, a Letra Escarlate das Escolas. Ioschpe é muito qualificado, é verdade, mas qualificado em quê? Numa área denominada de Economia da Educação, que usa a econometria como ferramenta para medir de maneira quantitativa o impacto de diversas variáveis sobre aprendizagem.
Nada mais distante das idéias de autores como Henry Giroux, Rubem Alves e Marilena Chauí. Para estes autores, subjaz a discussão a definição da lógica de mercado como o portador da racionalidade sociopolitica e agente do bem-estar no interior da escola. Neste campo situam-se todos aqueles que vêem os direitos sociais apenas como mais um horizonte de serviços do estado a serem definidos pela ideologia do mercado, outra forma de encolher o espaço público democrático dos direitos à educação e ampliar nele o espaço do privado. É o caso de Ioschpe.
No outro campo estão os defensores da autonomia da escola que criticam o desejo de ver suas ações mediadas por termos como rendimento escolar e serem submetidos à coleta de indicadores de quantidade e não qualidade. Eles reduzem a autonomia escolar pelo estabelecimento de metas baseadas em indicadores de desempenho e a gestão de receitas e despesas. Para os que pleiteiam anotar nas fachadas escolares o conceito do IDEB, a nossa Letra Escarlate, autonomia escolar é sinônimo de gerenciamento empresarial da escola. Nada mais perverso.
Marilena Chauí definiu o tipo de qualidade perseguida por este regime: aqui “qualidade”, competência e excelência existem sim, mas não no sentido que aspiram professores e estudantes, mas no sentido daqueles pré-requisitos que atendem “às necessidades de modernização da economia”, numa palavra, as chamadas exigências da produtividade. Para Chauí, ela é baseada em três critérios: quanto uma escola produz, em quanto tempo produz e qual o custo do que produz e, voi-lá, eis-nos diante do campo da econometria de Ioschipe que os educadores repudiam.
O problema é que discute-se critérios da qualidade do trabalho escolar como se fossem os mesmos da produtividade capitalista - quantidade, tempo e custo – e não são. Os professores que questionam este modelo não são incompetentes como diz Ioschpe, apenas buscam qualidade e não quantidade em seu trabalho.
Publicado em Zero Hora, 06/6/2011
terça-feira, 5 de julho de 2011
Pequena história do teatro gaúcho
A importância da história do Teatro Gaúcho está no fato de que seus produtores, atores e textos assumiram uma posição que extrapolou as fronteiras do Rio Grande do Sul ao longo do século XX. Por esta razão era de se pensar que sua historia fosse uma grande evolução, quando na verdade não é uma seqüência fortuita de mudanças, estilos ou nomes, mas processos estruturados que acompanham a história da sociedade gaúcha no Brasil. As grandes mudanças tecnológicas, comportamentais e culturais do século XX afetaram profundamente o Teatro Gaúcho, colocando questões fundamentais para a área teatral na virada do século XXI. Este teatro, que conheceu nos anos 70 e 80 do século XX o processo de profissionalização, é um campo repleto de debates que envolvem discussões estéticas, políticas e formas de sociabilidade de grupos teatrais, ainda pouco conhecido das novas gerações. Uma exposição, a ser inaugurada no próximo dia 16 de agosto na Câmara Municipal, mostra que o longo camiinho em direção a profissionalização foi lento e nele, o teatro gaúcho oscilou sempre entre as mesmas questões: a relação do teatro amador com profissional, a problemática da distinção entre teatro de alto nível e teatro para as massas, a busca pelo apoio privado e a demanda por políticas públicas, chegando-se hoje, às vésperas de mais uma edição do projeto Porto Alegre em Cena, a grande questão: o Festival, mais do que uma política pública, não teria se transformado no espelho no qual o teatro gaúcho se olha, mas que, paradoxalmente, não quer se enxergar?
Para entender esse paradoxo e preciso voltar à história. O teatro foi introduzido no Brasil no período colonial como instrumento para catequese. Com o desenvolvimento da atividade econômica o teatro passou a fazer parte das atividades cívicas e religiosas. O amadorismo predominou no inicio do teatro brasileiro e gaúcho: as encenações eram interpretadas por todos: padres, freiras, índios, escravos alforiados, portugueses e jovens brasileiros. Em 17 de junho de 1771 entra em vigor Alvará Régio que tem o objetivo de incentivar a construção de “teatros públicos bem regulados, pois deles resulta a todas as nações grande esplendor e utilidade”. Em Porto Alegre, as primeiras casas de espetáculos surgiram ao longo do século XVIII, em modestos padieiros do Largo da Quitanda e do Largo da Forca. Já nesta época, os poderes públicos, através da Câmara Municipal, participam da vida teatral, acompanhando a construção da “Casa da Comédia”, construída em 1794 as “festas reais”.
A vinda da família real ao Brasil, em 1808, impulsionou a construção de teatros no Brasil. Em Porto Alegre, é construída a “Casa da Ópera” na Rua Uruguai, também chamado Beco da Ópera. Na cidade surge ainda o Teatro Dom Pedro II, na Rua Mal Floriano, chamado de “teatrinho”, que funcionou até a inauguração do Teatro São Pedro, em 1858, o primeiro grande teatro de Porto Alegre. Nos subúrbios, pequenos teatros tentam organizar-se, como o Teatro Variedades, na Voluntários da Pátria, em 1879, o Teatro Partenon, da Sociedade Dramática Melpômene em 1889, o Teatro Felix da Cunha, na Praça Menino Deus, entre outros. Datam desta época as principais questões do campo teatral até hoje: dividido entre adotar uma estética nacional ou européia, entre a valorização do teatro amador ou do teatro profissional, entre a produção de um teatro para elites ou teatro para as massas, o teatro gaúcho inicia o século XX com angústias e inquietações.
Em 1919, surgem as primeiras iniciativas com apoio da municipalidade para impulsionar o campo teatral. É o nascimento do projeto de construção de um teatro municipal, defendido pela classe teatral mas que só se concretiza meio século mais tarde, quando é instalalado o Teatro de Câmara, na Rua da República, o Teatro Renascença e a Sala Álvaro Moreira, a partir dos anos 70. Enquanto o inicio do século XX vê a emergência das vanguardas artísticas, com o teatro do alemão Bertolt Brecht, Frederico Garcia Lorca e Vladimir Maiakovski, onde expressionistas, surrealistas e simbolistas revolucionam a encenação no mundo, no Brasil impera o teatro de revista voltado para as massas. A nova dramatugia ainda levaria anos para inspirar o teatro brasileiro e gaúcho. O período do entre guerras foi de grande importância para o teatro brasileiro, já que a guerra colocava riscos para as companhias européias chegarem ao Brasil e impulsionava o trabalho dos grupos locais.
Um dos primeiros grupos de teatro amador do Rio Grande do Sul foi o Teatro do Estudante. Criado em 1941 inspirado no Teatro do Estudante do Brasil era patrocinado pela união Estadual dos Estudantes. Foi o berço de atores como José Lewgoy e Walmor Chagas que, junto com outros grupos, fundou em 1948 a Federação Rio-Grandense de Amadores Teatrais (FRAT). Para Walmor Chagas, o que diferenciava o Teatro do Estudante dos demais grupos era a vertente mais “intelectualizada”, universitária, com um “repertório universal”, diferente do teatro mais popular feito por Procópio Ferreira, Renato Viana e Dulcina no Rio de Janeiro. O Teatro do Estudante viajou em 1954 para o interior do Rio Grande do Sul e no ano seguinte o grupo dividiu-se em três novos grupos amadores: a Comédia da Provinicia, o Teatro Universitário da União Estadual dos Estudantes (liderado por Antonio Abujamra) e o Clube de Teatro da Federação de Estudantes Universitários do Rio Grande do Sul, liderados por Cláudio Heemann. Enquanto que o Clube de Teatro não tinha diretor artístico nem base financeira, e vivia discutindo, lendo e ensaiando peças, o Teatro Universitário contava com um estatuto próprio e era definido como teatro amador. Nesse momento, segundo Silvia Ferreira, diretora do Grupo Comédia da Província, ampliam-se os espaços dedicados ao teatro na imprensa e as verbas governamentais começam a chegar às representações teatrais.
O debate entre teatro amador e profissional foi constante durante a década de 50. As primeiras tentativas de profissionalização ocorrem com a Sociedade de Teatro Studio, que possuía uma equipe com funções bem definidas. Paradoxalmente o teatro gaúcho ainda era visto, pelos artistas do centro do país, como um teatro predominantemente amador. A idéia de profissionalização avança mais em 1958, com a criação do Curso de Arte Dramática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que atendia a necessidade de sistematização do ensino teórico e a necessidade de um mergulho na prática da interpretação, base para um teatro profissional em Porto Alegre. Foi convidado para dirigir o curso o diretor italiano Ruggero Jacobi. O curso iniciou com dois cursos, o de Arte Dramática, para formar atores, com teste vocacional prévio, e o Curso de Cultura Teatral, para interessados. Uma demanda para as políticas públicas foi a necessidade de criação de um teatro municipal para as atividades cênicas.
Um dos primeiros grupos de teatro a surgir com a bandeira da luta pelo profissionalismo foi o Teatro de Equipe, fundado por Mario de Almeida, Paulo José, Paulo Cezar Pereio e Milton Matto. Depois, Rugerro Jacobi, ao criar o Teatro do Sul, também pensava em termos de profissionalização, defendendo a idéia de patrocínio por empresas e a necessidade dos poderes públicos financiarem a atividade teatral como fator de cultura para as massas. Era o movimento de renovação do teatro brasileiro chegando ao Rio Grande do Sul. Em 1960 o Teatro de Equipe inaugura seu teatro e caminha em direção a profissionalização, com espetáculos no interior com grande público. Entretanto, isto não é suficiente para manter os artistas e muitos vão para o centro do país, como Antonio Abujamra e José Lewgoy. Os anos 60 foram de crise do teatro, envolvido com problemas como a falta de público, recursos e com a interrupção de iniciativas, como a do Teatro de Equipe, que pára de funcionar em 1962, o que levou a classe teatral a reinvidicar maior participação do poder público. O Estado atuava, mas não do modo desejado: era o problema da censura, que levou ao desaparecimento do teatro secundarista, resistindo apenas na Universidade e em alguns cursos livres de teatro. Em 1967, é criado o Grupo de Teatro de Arena em Porto Alegre, por alunos do CADE e do grupo de Teatro Independente, funcionando entre 64 e 65.
A partir de 1972, o Departamento de Artes Dramáticas da UFRGS (DAD), o teatro de Arena e o grupo Província, com Luis Paulo Vasconcellos e outros concentram as iniciativas teatrais. No final de 1978, Geisel havia regulamenta a profissão de artista, que passou a possuir um sindicato e um registro de trabalho e que permitiram a grupos de atores usarem a pessoa jurídica do próprio sindicato para trabalhar, para superar a burocracia. Nesse período o Estado atuou frente ao teatro de duas formas: como apoiador e como censurador. Durante o regime militar, a censura foi comum. Para as produções culturais era necessário fazer uma apresentação para a censura antes da estréia, sendo geralmente o último ensaio. Havia o recurso, é claro, de anunciar-se não como um espetáculo, mas como leitura dramática, o qual não exigia censura prévia. Como não era permitido cobrar ingressos, daí nasceu o hábito de passar o chapéu ao final de cada espetáculo.
Mas este também foi o período do Plano de Interiorização e Ação Cultural do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, que patrocinava espetáculos e os levava para o interior do estado em grandes turnês. Foco de polêmicas, porque somente apóia espetáculos infantis, visando criar hábitos nas comunidades do interior e beneficiar alunos de escolas públicas. Teve o mérito de criar, por outro lado, um mercado de trabalho para artistas locais, criando condições de sobrevivência para muitos artistas. Em 1976 foram promovidos 540 espetáculos.Mas também era o periodo da censura. Por conta dessa política foram publicados manifestos contra a ação do Estado, como, por exemplo, quando da proibição da peça O Aprendiz de Feiticeiro, de Maria Clara Machado, uma peça infantil e quando o Teatro de Arena foi fechado por conta da leitura dramática da peça “Rasga Coração”, texto proibido de Oduvaldo Vianna Filho, anos depois.O reforço do apoio público vem a partir de 1975, quando o Serviço Nacional de Teatro começou a financiar grupos que atendessem determinados requisitos em suas montagens, além de subvencionar companhias profissionais que quisessem viajar para outros centro. Isto levou ao governo estadual a patrocinar um projeto de interiorização do teatro, mais voltado para peças infantis. Era a idéia de formação de público consumidor de teatro a ocultar as iniciativas mais críticas do meio. No inicio dos anos 80, Porto Alegre possuía dois núcleos teatrais fortes, o Teatro de Arena e o Grupo Província, com suporte do DAD, mas a censura dificultava os trabalhos: faltavam salas públicas e amparo governamental para os grupos existentes mais críticos e os artistas reivindicavam a regulamentação da sua profissão.
Uma das distinções da área cultural era que o teatro era a única área de produção artística em que existia um curso superior entre os anos 70 e 80. Nesse contexto existiam basicamente dois tipos de grupos de teatro em Porto Alegre: os grupos de criação coletiva, influenciados pelo método de trabalho do grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, onde havia uma grande divisão de tarefas e a produção era coletiva, e os grupos que funcionavam num formato mais tradicional trabalhando com textos de autores teatrais, como os grupos do Grêmio Dramático Açores, Vende-se Sonhos, Faltou o João, entre outros. A divisão entre teatro intelectualizado, como os trabalhos do Faltou o João, e propostas mais lúdicas, como a do grupo Vende-se Sonhos. O Balaio de Gatos, considerado o mais “maluco” de sua geração, pretendia encarnar a vanguarda e estética punk em seus trabalhos. Outros, tiveram a criação de peças ontológicas como Bailei na Curva, de 1983, do grupo Do Jeito que Dá e finalmente, existiam aqueles grupos onde a idéia de liderança do trabalho é muito forte, como no grupo Tear dirigido por Maria Helena Lopes e o Teatro Vivo de Irene Brietzke. Eram grupos de pesquisa, voltadas para a profissionalização, chegando a radicalização, como Oi Nóis Aqui Traveiz.
O inicio da profissionalização do teatro gaúcho inicia com a peça Bailei na Curva, que contava com um produtor, Geraldo Lopes, da Opus Produções, responsável por trazer grandes shows para Porto Alegre. Ele deu uma noção profissional ao teatro, com novos equipamentos e uma preocupação com o acabamento dos espetáculos, processo que visava administrar melhor a execução da peça, sedimentando o mercado e o espaço cultural. A partir de então ficou claro a necessidade dos grupos em trabalharem com um produtor teatral, ainda que a criação continuasse coletiva. Mas os atores ainda dependiam para sobreviver de adotar outras formas de trabalho nesse período, como locução, dublagem, publicidade e até ministrando aulas. O Estado e o municipio já contavam com uma organização voltada para o Teatro, na Secretaria Estadual da Cultura administrando o Teatro de Arenae o Teatro São Pedro e a Secretaria Municipal de Cultura com o Teatro de Cãmara, Teatro Renascença e outros espaços. Em Porto Alegre, em 1991, Luciano Alabarse assume a Coordenação de Artes Cênicas da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, cargo em que permanece até 1994, sendo responsável por inúmeros projetos que movimentam a cena porto-alegrense. Entre suas iniciativas, estão a criação do projeto Novas Caras, em que artistas iniciantes têm a oportunidade de mostrar seu trabalho nos teatros municipais, e a Sessão Maldita, realizada no porão do Teatro Renascença, que semanalmente, à meia-noite, apresenta espetáculos de caráter experimental.
O “Porto Alegre em Cena” constituiu, depois das iniciativas dos anos 70, o grande esforço de atuação do Estado no campo teatral. Idealizado por Luciano Alabarse com patrocínio da pela Prefeitura e apoiadores, teve sua curadoria entre 1994 a 2001 e de 2005 em diante e provoca uma transformação fundamental no modo de atuação do Estado no campo teatral. Parcerias, mas também, megaproduções transformam-se no modo de ação das políticas públicas para a área. O evento é considerado um dos maiores festivais de teatro da América Latina, e traz, anualmente, no mês de setembro, atrações nacionais e internacionais à capital gaúcha, além de peças produzidas no Rio Grande do Sul. Durante os seus primeiros quinze anos de existência, o Porto Alegre em Cena teve diferentes e variados espetáculos. Desde os clássicos de Shakespeare Hamlet e Romeu e Julieta, Le Costume de Peter Brook (um dos maiores diretores teatrais do mundo), até obras como Cacilda! (que comenta a história do teatro brasileiro, com a presença de Zé Celso, que é considerado o mais provocador dos encenadores brasileiros). E também teve grandes polêmicas, como a obra Oresta do grupo italiano Socìetas Raffaello Sanzio, que foi dirigida por Romeo Castelucci e acabou se sagrando como uma obra bastante polêmica que teve grande audiência negativa por parte da plateia; pois se tratava de uma obra que trazia à cena animais vivos e tinha por personagens homens com problemas físicos e mentais. O Porto Alegre em Cena colocou Porto Alegre no cenário do teatro internacional com espetáculos variavam entre grandes clássicos e obras modernas; e, também, obras que recebiam críticas boas e ruins.
O Porto Alegre em Cena é o espelho do teatro gaúcho e onde, paradoxalmente, ele não quer se enxergar. Suas virtudes, sua história, seus vícios, tudo vêem se refletir ali. Isso acontece porque, de certa forma, o que faz em seu interior é atualizar os dilemas da história da teatro gaúcho. Todos admiram o projeto, mas paradoxalmente, as maiores críticas vem da área teatral, que nele não deseja se mirar. É uma política pública que recebe elogios porque colocou o mundo teatral em Porto Alegre, mas que recebe também críticas pelo pouco espaço que concede a produção local. Nele pode-se perguntar se os grupos de Porto Alegre participam menos porque são ainda amadores e o os do centro do país participam mais porque são profissionais; pode-se indagar se os espetáculos são de um teatro para elite ou se são voltados para as massas e finalmente, pode-se perguntar se os textos locais são superiores ou inferiores aos universais. Tudo é recolocado pelo Porto Alegre em Cena, e é este justamente o seu mérito. Todos veem os espetáculos do Porto Alegre em Cena, mas muitos atores e produtores gaúchos ainda lhe torcem o nariz. É deste espelho que se trata, e a idéia que pode contribuir para os debates é se o teatro gaúcho está vivo não porque tem uma política cultural consagrada para a área, mas porque através dela se recolocam novamente os temas e dilemas do teatro gaúcho. Numa palavra, o valor do Porto Alegre em Cena esta no fato de que rememora a identidade cultural gaúcha, a atualiza, pois coloca, de uma forma ou de outra, a grande questão: que teatro queremos nós, gaúchos, fazer? Prova de que, ao iniciar o século XXI, nosso teatro padece dos males e virtudes de um século atrás, mas com a disposição de um profundo autoquestionamento.
Para entender esse paradoxo e preciso voltar à história. O teatro foi introduzido no Brasil no período colonial como instrumento para catequese. Com o desenvolvimento da atividade econômica o teatro passou a fazer parte das atividades cívicas e religiosas. O amadorismo predominou no inicio do teatro brasileiro e gaúcho: as encenações eram interpretadas por todos: padres, freiras, índios, escravos alforiados, portugueses e jovens brasileiros. Em 17 de junho de 1771 entra em vigor Alvará Régio que tem o objetivo de incentivar a construção de “teatros públicos bem regulados, pois deles resulta a todas as nações grande esplendor e utilidade”. Em Porto Alegre, as primeiras casas de espetáculos surgiram ao longo do século XVIII, em modestos padieiros do Largo da Quitanda e do Largo da Forca. Já nesta época, os poderes públicos, através da Câmara Municipal, participam da vida teatral, acompanhando a construção da “Casa da Comédia”, construída em 1794 as “festas reais”.
A vinda da família real ao Brasil, em 1808, impulsionou a construção de teatros no Brasil. Em Porto Alegre, é construída a “Casa da Ópera” na Rua Uruguai, também chamado Beco da Ópera. Na cidade surge ainda o Teatro Dom Pedro II, na Rua Mal Floriano, chamado de “teatrinho”, que funcionou até a inauguração do Teatro São Pedro, em 1858, o primeiro grande teatro de Porto Alegre. Nos subúrbios, pequenos teatros tentam organizar-se, como o Teatro Variedades, na Voluntários da Pátria, em 1879, o Teatro Partenon, da Sociedade Dramática Melpômene em 1889, o Teatro Felix da Cunha, na Praça Menino Deus, entre outros. Datam desta época as principais questões do campo teatral até hoje: dividido entre adotar uma estética nacional ou européia, entre a valorização do teatro amador ou do teatro profissional, entre a produção de um teatro para elites ou teatro para as massas, o teatro gaúcho inicia o século XX com angústias e inquietações.
Em 1919, surgem as primeiras iniciativas com apoio da municipalidade para impulsionar o campo teatral. É o nascimento do projeto de construção de um teatro municipal, defendido pela classe teatral mas que só se concretiza meio século mais tarde, quando é instalalado o Teatro de Câmara, na Rua da República, o Teatro Renascença e a Sala Álvaro Moreira, a partir dos anos 70. Enquanto o inicio do século XX vê a emergência das vanguardas artísticas, com o teatro do alemão Bertolt Brecht, Frederico Garcia Lorca e Vladimir Maiakovski, onde expressionistas, surrealistas e simbolistas revolucionam a encenação no mundo, no Brasil impera o teatro de revista voltado para as massas. A nova dramatugia ainda levaria anos para inspirar o teatro brasileiro e gaúcho. O período do entre guerras foi de grande importância para o teatro brasileiro, já que a guerra colocava riscos para as companhias européias chegarem ao Brasil e impulsionava o trabalho dos grupos locais.
Um dos primeiros grupos de teatro amador do Rio Grande do Sul foi o Teatro do Estudante. Criado em 1941 inspirado no Teatro do Estudante do Brasil era patrocinado pela união Estadual dos Estudantes. Foi o berço de atores como José Lewgoy e Walmor Chagas que, junto com outros grupos, fundou em 1948 a Federação Rio-Grandense de Amadores Teatrais (FRAT). Para Walmor Chagas, o que diferenciava o Teatro do Estudante dos demais grupos era a vertente mais “intelectualizada”, universitária, com um “repertório universal”, diferente do teatro mais popular feito por Procópio Ferreira, Renato Viana e Dulcina no Rio de Janeiro. O Teatro do Estudante viajou em 1954 para o interior do Rio Grande do Sul e no ano seguinte o grupo dividiu-se em três novos grupos amadores: a Comédia da Provinicia, o Teatro Universitário da União Estadual dos Estudantes (liderado por Antonio Abujamra) e o Clube de Teatro da Federação de Estudantes Universitários do Rio Grande do Sul, liderados por Cláudio Heemann. Enquanto que o Clube de Teatro não tinha diretor artístico nem base financeira, e vivia discutindo, lendo e ensaiando peças, o Teatro Universitário contava com um estatuto próprio e era definido como teatro amador. Nesse momento, segundo Silvia Ferreira, diretora do Grupo Comédia da Província, ampliam-se os espaços dedicados ao teatro na imprensa e as verbas governamentais começam a chegar às representações teatrais.
O debate entre teatro amador e profissional foi constante durante a década de 50. As primeiras tentativas de profissionalização ocorrem com a Sociedade de Teatro Studio, que possuía uma equipe com funções bem definidas. Paradoxalmente o teatro gaúcho ainda era visto, pelos artistas do centro do país, como um teatro predominantemente amador. A idéia de profissionalização avança mais em 1958, com a criação do Curso de Arte Dramática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que atendia a necessidade de sistematização do ensino teórico e a necessidade de um mergulho na prática da interpretação, base para um teatro profissional em Porto Alegre. Foi convidado para dirigir o curso o diretor italiano Ruggero Jacobi. O curso iniciou com dois cursos, o de Arte Dramática, para formar atores, com teste vocacional prévio, e o Curso de Cultura Teatral, para interessados. Uma demanda para as políticas públicas foi a necessidade de criação de um teatro municipal para as atividades cênicas.
Um dos primeiros grupos de teatro a surgir com a bandeira da luta pelo profissionalismo foi o Teatro de Equipe, fundado por Mario de Almeida, Paulo José, Paulo Cezar Pereio e Milton Matto. Depois, Rugerro Jacobi, ao criar o Teatro do Sul, também pensava em termos de profissionalização, defendendo a idéia de patrocínio por empresas e a necessidade dos poderes públicos financiarem a atividade teatral como fator de cultura para as massas. Era o movimento de renovação do teatro brasileiro chegando ao Rio Grande do Sul. Em 1960 o Teatro de Equipe inaugura seu teatro e caminha em direção a profissionalização, com espetáculos no interior com grande público. Entretanto, isto não é suficiente para manter os artistas e muitos vão para o centro do país, como Antonio Abujamra e José Lewgoy. Os anos 60 foram de crise do teatro, envolvido com problemas como a falta de público, recursos e com a interrupção de iniciativas, como a do Teatro de Equipe, que pára de funcionar em 1962, o que levou a classe teatral a reinvidicar maior participação do poder público. O Estado atuava, mas não do modo desejado: era o problema da censura, que levou ao desaparecimento do teatro secundarista, resistindo apenas na Universidade e em alguns cursos livres de teatro. Em 1967, é criado o Grupo de Teatro de Arena em Porto Alegre, por alunos do CADE e do grupo de Teatro Independente, funcionando entre 64 e 65.
A partir de 1972, o Departamento de Artes Dramáticas da UFRGS (DAD), o teatro de Arena e o grupo Província, com Luis Paulo Vasconcellos e outros concentram as iniciativas teatrais. No final de 1978, Geisel havia regulamenta a profissão de artista, que passou a possuir um sindicato e um registro de trabalho e que permitiram a grupos de atores usarem a pessoa jurídica do próprio sindicato para trabalhar, para superar a burocracia. Nesse período o Estado atuou frente ao teatro de duas formas: como apoiador e como censurador. Durante o regime militar, a censura foi comum. Para as produções culturais era necessário fazer uma apresentação para a censura antes da estréia, sendo geralmente o último ensaio. Havia o recurso, é claro, de anunciar-se não como um espetáculo, mas como leitura dramática, o qual não exigia censura prévia. Como não era permitido cobrar ingressos, daí nasceu o hábito de passar o chapéu ao final de cada espetáculo.
Mas este também foi o período do Plano de Interiorização e Ação Cultural do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, que patrocinava espetáculos e os levava para o interior do estado em grandes turnês. Foco de polêmicas, porque somente apóia espetáculos infantis, visando criar hábitos nas comunidades do interior e beneficiar alunos de escolas públicas. Teve o mérito de criar, por outro lado, um mercado de trabalho para artistas locais, criando condições de sobrevivência para muitos artistas. Em 1976 foram promovidos 540 espetáculos.Mas também era o periodo da censura. Por conta dessa política foram publicados manifestos contra a ação do Estado, como, por exemplo, quando da proibição da peça O Aprendiz de Feiticeiro, de Maria Clara Machado, uma peça infantil e quando o Teatro de Arena foi fechado por conta da leitura dramática da peça “Rasga Coração”, texto proibido de Oduvaldo Vianna Filho, anos depois.O reforço do apoio público vem a partir de 1975, quando o Serviço Nacional de Teatro começou a financiar grupos que atendessem determinados requisitos em suas montagens, além de subvencionar companhias profissionais que quisessem viajar para outros centro. Isto levou ao governo estadual a patrocinar um projeto de interiorização do teatro, mais voltado para peças infantis. Era a idéia de formação de público consumidor de teatro a ocultar as iniciativas mais críticas do meio. No inicio dos anos 80, Porto Alegre possuía dois núcleos teatrais fortes, o Teatro de Arena e o Grupo Província, com suporte do DAD, mas a censura dificultava os trabalhos: faltavam salas públicas e amparo governamental para os grupos existentes mais críticos e os artistas reivindicavam a regulamentação da sua profissão.
Uma das distinções da área cultural era que o teatro era a única área de produção artística em que existia um curso superior entre os anos 70 e 80. Nesse contexto existiam basicamente dois tipos de grupos de teatro em Porto Alegre: os grupos de criação coletiva, influenciados pelo método de trabalho do grupo carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone, onde havia uma grande divisão de tarefas e a produção era coletiva, e os grupos que funcionavam num formato mais tradicional trabalhando com textos de autores teatrais, como os grupos do Grêmio Dramático Açores, Vende-se Sonhos, Faltou o João, entre outros. A divisão entre teatro intelectualizado, como os trabalhos do Faltou o João, e propostas mais lúdicas, como a do grupo Vende-se Sonhos. O Balaio de Gatos, considerado o mais “maluco” de sua geração, pretendia encarnar a vanguarda e estética punk em seus trabalhos. Outros, tiveram a criação de peças ontológicas como Bailei na Curva, de 1983, do grupo Do Jeito que Dá e finalmente, existiam aqueles grupos onde a idéia de liderança do trabalho é muito forte, como no grupo Tear dirigido por Maria Helena Lopes e o Teatro Vivo de Irene Brietzke. Eram grupos de pesquisa, voltadas para a profissionalização, chegando a radicalização, como Oi Nóis Aqui Traveiz.
O inicio da profissionalização do teatro gaúcho inicia com a peça Bailei na Curva, que contava com um produtor, Geraldo Lopes, da Opus Produções, responsável por trazer grandes shows para Porto Alegre. Ele deu uma noção profissional ao teatro, com novos equipamentos e uma preocupação com o acabamento dos espetáculos, processo que visava administrar melhor a execução da peça, sedimentando o mercado e o espaço cultural. A partir de então ficou claro a necessidade dos grupos em trabalharem com um produtor teatral, ainda que a criação continuasse coletiva. Mas os atores ainda dependiam para sobreviver de adotar outras formas de trabalho nesse período, como locução, dublagem, publicidade e até ministrando aulas. O Estado e o municipio já contavam com uma organização voltada para o Teatro, na Secretaria Estadual da Cultura administrando o Teatro de Arenae o Teatro São Pedro e a Secretaria Municipal de Cultura com o Teatro de Cãmara, Teatro Renascença e outros espaços. Em Porto Alegre, em 1991, Luciano Alabarse assume a Coordenação de Artes Cênicas da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, cargo em que permanece até 1994, sendo responsável por inúmeros projetos que movimentam a cena porto-alegrense. Entre suas iniciativas, estão a criação do projeto Novas Caras, em que artistas iniciantes têm a oportunidade de mostrar seu trabalho nos teatros municipais, e a Sessão Maldita, realizada no porão do Teatro Renascença, que semanalmente, à meia-noite, apresenta espetáculos de caráter experimental.
O “Porto Alegre em Cena” constituiu, depois das iniciativas dos anos 70, o grande esforço de atuação do Estado no campo teatral. Idealizado por Luciano Alabarse com patrocínio da pela Prefeitura e apoiadores, teve sua curadoria entre 1994 a 2001 e de 2005 em diante e provoca uma transformação fundamental no modo de atuação do Estado no campo teatral. Parcerias, mas também, megaproduções transformam-se no modo de ação das políticas públicas para a área. O evento é considerado um dos maiores festivais de teatro da América Latina, e traz, anualmente, no mês de setembro, atrações nacionais e internacionais à capital gaúcha, além de peças produzidas no Rio Grande do Sul. Durante os seus primeiros quinze anos de existência, o Porto Alegre em Cena teve diferentes e variados espetáculos. Desde os clássicos de Shakespeare Hamlet e Romeu e Julieta, Le Costume de Peter Brook (um dos maiores diretores teatrais do mundo), até obras como Cacilda! (que comenta a história do teatro brasileiro, com a presença de Zé Celso, que é considerado o mais provocador dos encenadores brasileiros). E também teve grandes polêmicas, como a obra Oresta do grupo italiano Socìetas Raffaello Sanzio, que foi dirigida por Romeo Castelucci e acabou se sagrando como uma obra bastante polêmica que teve grande audiência negativa por parte da plateia; pois se tratava de uma obra que trazia à cena animais vivos e tinha por personagens homens com problemas físicos e mentais. O Porto Alegre em Cena colocou Porto Alegre no cenário do teatro internacional com espetáculos variavam entre grandes clássicos e obras modernas; e, também, obras que recebiam críticas boas e ruins.
O Porto Alegre em Cena é o espelho do teatro gaúcho e onde, paradoxalmente, ele não quer se enxergar. Suas virtudes, sua história, seus vícios, tudo vêem se refletir ali. Isso acontece porque, de certa forma, o que faz em seu interior é atualizar os dilemas da história da teatro gaúcho. Todos admiram o projeto, mas paradoxalmente, as maiores críticas vem da área teatral, que nele não deseja se mirar. É uma política pública que recebe elogios porque colocou o mundo teatral em Porto Alegre, mas que recebe também críticas pelo pouco espaço que concede a produção local. Nele pode-se perguntar se os grupos de Porto Alegre participam menos porque são ainda amadores e o os do centro do país participam mais porque são profissionais; pode-se indagar se os espetáculos são de um teatro para elite ou se são voltados para as massas e finalmente, pode-se perguntar se os textos locais são superiores ou inferiores aos universais. Tudo é recolocado pelo Porto Alegre em Cena, e é este justamente o seu mérito. Todos veem os espetáculos do Porto Alegre em Cena, mas muitos atores e produtores gaúchos ainda lhe torcem o nariz. É deste espelho que se trata, e a idéia que pode contribuir para os debates é se o teatro gaúcho está vivo não porque tem uma política cultural consagrada para a área, mas porque através dela se recolocam novamente os temas e dilemas do teatro gaúcho. Numa palavra, o valor do Porto Alegre em Cena esta no fato de que rememora a identidade cultural gaúcha, a atualiza, pois coloca, de uma forma ou de outra, a grande questão: que teatro queremos nós, gaúchos, fazer? Prova de que, ao iniciar o século XXI, nosso teatro padece dos males e virtudes de um século atrás, mas com a disposição de um profundo autoquestionamento.
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