quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Cliente ou cidadão?



A iniciativa da Câmara Municipal de Porto Alegre de contratar uma empresa de consultoria para qualificar os seus serviços é digna de mérito. Poucos se deram conta de que uma parte da crise política também é dos serviços públicos que organizam a esfera política, numa palavra, as instituições estão em crise também porque o serviço público que o organiza enfrenta dificuldades.

Tais programas, vulgarmente sob o título de Programas de Qualidade, são benéficos para as equipes que participam pela criação de um espaço de sociabilidade entre os funcionários: frente ao acumulo de serviço, das atividades a serem feitas, dos problemas de agenda e principalmente, das reinvidicações dos funcionários, a necessidade de parar e refletir sobre a qualidade do trabalho nem sempre é possível.Isso é ruim, prejudica a população, prejudica o trabalho.


A primeira frase da professora coordendora do projeto merece uma interessante discussão: “Devemos atender nossos clientes da forma mais atenciosa possível”. Para mim, o problema é a palavra clientes. Ela coloca em questão a pergunta: qual deve ser a relação das Câmaras Municipais com a sociedade?Ora, é claro que os parlamentos são instituições sociais mas a aceitação da idéia de modernização racionalizadora pela defesa de que os serviços públicos devem funcionar a maneira da iniciativa privada revela total descaso pelo ideal de cidadania e merece atenção.

A idéia de cliente não se aplica a função publica simplesmente porque ele faz parte da ideologia neoliberal cuja principal conseqüência é alienação que ela acarreta. De fato, parece que nos esquecemos de que, a pretexto de atendimento das necessidades dos clientes, a lógica neoliberal reduziu os serviços de estado, aboliu políticas públicas e reduziu recursos e investimentos. Que pretendia os adeptos da lógica administrativa que visava “ao atendimento do cliente”? que o Estado ficasse reduzido a tarefa de administrar a si próprio, reduzindo e minimizando seus custos. Esse é o significado do avanço dos programas de qualidade.

Tais processos de discussão de qualidade total no serviço público, portanto, devem ser construídos com vistas a abolir os traços antidemocráticos e anti-republicanos presentes nas instituições públicas. Existem uma série de aspectos autoritários presentes nos órgãos públicos que merecem ser combatidos por tais programas, por exemplo:

- reforço do acesso aos cargos por merecimento, fim do privilegio na indicação de chefias, prova da inexistência do principio democrático da igualdade e da justiça

- reforço do valor do funcionário de carreira autônomo, fim das formas de cerceamento da liberdade funcional;

- reforço da importância da comunicação do corpo de trabalho, enfatizando a necessidade de reuniões periódicas de avaliação no atordoado do cotidiano, valorização do principio democrático da ação comunicativa entre parceiros racionais, iguais e livres

- reforço do poder burocrático na valorização da idéia de serviço público aos cidadãos – não clientes – porque ele garante direito a informação e transparência como objeto da cidadania – cliente visa produtos;

A recusa de todo e qualque ideologia de mercado deve-se a valorização, em primeiro lugar, do principio político da responsabilidade social do funcionalismo público, sem o qual, nenhum programa de qualidade pode ter sucesso.

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