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A discussão sobre a divulgação dos salários dos servidores não tem dado atenção a um potencial de violência simbólica que o ato encarna. Ela priva o servidor público de mostrar sua história, de revelar o caminho honesto que o levou a receber o seu salário, confunde o bom servidor com os corruptos e provoca a discórdia social.
Todos sonham com o que os outros têm. Os servidores que conquistaram seu salário por seu mérito e trabalho a partir de agora vão ser desvalorizados por uma opinião pública que diz que seu trabalho não vale o que recebem. Ela esquece as diferenças e competências individuais, os Planos de Carreira e as vantagens obtidas pela luta dos servidores públicos como categoria social, numa palavra, o direito do trabalho. Sua raiz é a exigência de julgar que a divulgação dos salários passa a impor, a comparação que cada um faz a partir de agora para saber quanto vale o seu trabalho comparado com o do servidor. Ao invés de combatermos os salários que ultrapassam os limites legais, agora todos os salários dos servidores tornam-se objeto de comparação. Isso é um problema.
É que o cidadão comum se sente diminuído quando a comparação salarial lhe é desfavorável. É um mecanismo de defesa do cidadão que age pela desvalorização e busca rebaixar o salário do servidor público ao "nível do mar" _ nível que foi estabelecido pela exploração do Capital, o verdadeiro inimigo. Ao sentir-se diminuído com o quanto conseguiu empreender, ao reagir emocionalmente, o cidadão deixa de lutar para que todos tenham o nível salarial que considera bom e passa a acusar os salários dos servidores. Eles são acusados de três culpas: "será que você não percebe? você ganha mais do que eu!", acusação que resume a condenação social que transforma o salário do servidor em objeto de um julgamento social de valor; "não receba mais do que eu!", acusação que encarna a desvalorização ao servidor pelo cidadão, que procura diminuí-lo; "não se rebele, aceite nosso juízo!", imposição que esquece a necessidade de colocar-se no lugar do outro e das singulares lutas de valorização profissional.
Mas que mal os bons servidores fizeram à sociedade para merecer este julgamento? Os servidores que têm seu salário revelado não fizeram absolutamente nada, ao contrário, lutam dia após dia para fazer um serviço exemplar, chegam a tirar dinheiro do próprio bolso para arcar com despesas do seu serviço, fazem atividades além da sua obrigação e buscam qualificação para aprimorar sua função muitas vezes sem apoio algum. Ocorre é que ao confrontar seu salário com o do servidor público, o cidadão sente um dano que ninguém praticou, um dano imaginado pelo cidadão que estabelece o que Francesco Alberoni denomina de "confronto invejoso", que corrói a sociedade e desmerece os funcionários que querem um serviço público melhor.
Não se enganem: a forma que nega a remuneração baseada nos valores do mérito, qualificação e tempo de serviço estabelecidos pelos Planos de Carreira é uma forma de totalitarismo. Estabelecendo uma agenda pública que desvia a atenção da sociedade dos seus reais problemas _ a saúde, a educação _, a divulgação de todos os salários oculta uma violência simbólica, a da confrontação entre cidadãos e servidores públicos honestos. Essa contabilidade de méritos e recompensas corrói a sociedade e a torna despótica: hoje os servidores revelam seus salários, amanhã abrirão suas sacolas e terão revistas em suas partes íntimas cada vez que chegarem à repartição pública. Onde isso irá terminar?
Publicado em Zero Hora em 24/07/2012