quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Teledomingo e vereadores II


A matéria do Teledomingo ainda inspira algumas reflexões que é bom não perder de vista. Já nos referimos ao fato de que a sensibilidade jornalística responsável pela produção daquele programa revela-se portadora de um ódio à política: o programa parece sugerir o “politicus est imundus” - a política é imunda - para parafrasear a fórmula de Santo Agostinho que dizia que o mundo era imundo. Se este queria rebaixar ao máximo a natureza humana a fim de realçar a graça divina, aqueles – os editores do programa – queriam rebaixar a vida política a fim de realçar o valor da critica jornalística. Maffesoli tem razão em dizer que há aqueles que tem medo a vida, que só vêem sujeira e corrupção na natureza: o problema desses jornalistas – e friso, não são todos – é que não reconhecem os valores daquilo que é, e só vivem em função daquilo que deveria ser. As cenas que a equipe jornalística do Teledomingo reuniram só serve para seu objetivo obtuso de estigmatizar a política, buscar a sua invalidação, a negação da experiência coletiva que é a vida no plenário. Os jornalistas que a todo tempo querem indicar aos políticos como devem seguir, nada mais fazem do que retomar ainda política cristã da salvação teológica.

O pressuposto dos jornalistas para colocarem-se acima da política está na assunção de uma atitude voluntarista: eles acreditam que o povo é incapaz de discernir quem é o bom e quem é o mal político, e por tanto, devem ser orientados pela opinião jornalistica. Essa visão desconhece um fato básico da Câmara Municipal de Porto Alegre, o fato de que a população renovou cerca de 40% das cadeiras, o que significa que, para além do que os supostos experts jornalistas pensam, o povo é capaz sim de intervir no campo político se achar necessário. Diz Maffesoli “o povo, considerado, no melhor dos casos, como uma criança imatura, no pior dos casos, como um débil mental retardado, deve ser tomado pela mão... a gente precisa pensar e agir por ele, e , se necessário, contra ele”.

Há um grande grau de hipocrisia nestes bons sentimentos que este tipo de jornalismo encarna. Mostramos que querem apontar ao povo os defeitos da política como se isso fosse uma análise social quando em realidade apenas efetuam suas crenças. Essas visões prontas do que seja a política – lugar do ócio e da falta de interesse público, lugar da corrupção, etc, etc – mascaram o fato de que muitas vezes são pronunciadas por jornalistas sem base em pesquisas. Veja-se o caso de David Coimbra, esse eterno paladino anti-legislativo, semelhante a um Don Quixote, sempre a desferir seus dardos contra os moinhos. Mostrei em pos anterior neste blog que pesquisas mostram ao contrário do que Coimbra gostaria, que o Senado continua ainda a ter seu papel na consolidação da república.

O problema é que esta visão distorcida que certos jornalistas tem do campo político impregna a imprensa de todos os dias. Ouso formular uma hipótese malévola: na verdade, é este tipo de jornalismo, e não os políticos, os grandes responsáveis pelo desinteresse cada vez maior dos jovens pela política. É que este trabalho de desconstrução da política tem como efeito uma devastação das expectativas do mundo frente a a democracia e aos politicos. Os jornalistas de programas como Teledomingo deveriam ser responsabilizados pelo mal que fazem ao imaginário de nossa época, porque ao desacreditarem os políticos, dificultam ainda mais a construção de políticas públicas e sociais. Os jornalistas da Câmara são como o anjo da historia de Walter Benjamim: com seu rosto voltado para valorizar os vereadores, vêem os jornalistas ao seu redor noticiarem a política como uma catastrofe. Eles querem mostrar a verdade do plenário, mas da imprensa local sopra uma tempestade que se apodera deles. Essa tempestade é o mal jornalismo.

A aspiração da bancada jornalística do Teledomingo propõe uma fuga da política e uma atitude de ódio aos políticos. Como disse, formas de negação do mundo que remontam a Santo Agostinho e Lutero. A atitude de atenção relativa dos vereadores no plenário, de fato, está em vias de se constituir como uma espécie de normalidade da vida legislativa, assim como tantos outros fenômenos sociais foram aceitáveis e integrados a vida contemporânea: quem anos atrás aceitaria os adeptos dos piercings, os praticantes de tatuagens: ao final, descobriu-se surpresos, eles não são monstros, são pessoas normais experimentando formas de expressão, enquanto que aqueles que tem a prentesão de um saber absoluto é que são os novos monstros.
Monstro é a atitude que está por detrás do jornalista que entra em uma Casa pública sem explicitar os seus objetivos, ou os objetivos do uso das cenas que recolhe. O perido destas atitudes é que elas são da mesma natureza das atitudes que estão por detrás daqueles que abriram campos de concentração. Diz Maffesoli “O universalismo sempre foi o berço do totalitarismo”. O totalitarismo aqui é aquele da critica irracional das instituições políticas, que pode até parecer mais suave, mas não é menos nefasto. Quando os jornalistas da RB S tem certeza de que a política não presta, estão convencidos de que detém a verdade da política. Nesse momento “a inquisição não está longe”. João Dib foi, naquela cena, o bode expiatório para os jornalistas do Teledomingo justificarem sua crença: a política não presta para nada, vejam só, ele corta as unhas!.

Finalmente, podemos dizer que o centro da atitude inquisitorial do mal jornalismo sobre os vereadores está na questão do por quê. Isto é, para eles a questão central é responder a pergunta - qual a finalidade do plenário. Para estes jornalistas, votar leis de importância para os cidadãos. Esta definição é, entretanto, insuficiente para reproduzir a experiência central do plenário, conduzir o debate público da cidade. Para os jornalistas da RBS, um plenário só tem sentido se for palco de uma sessão que aprove muitos projetos; se não o fizer, há que se condenar os vereadores ao ostracismo. Na verdade, bem lembra Mafessoli o filósofo Silseus para quem “a rosa não tem porquê”. Esse sem porquê explica algo imcompreensivel para parte da imprensa, o fato de que,numa tarde, haja um debate amplo sem uma conclusão definitiva, mas que é a experiência de plenário necessária para a conclusão e votação que será tomada no dia seguinte ou sessões após. O debate político sem a preocupação de terminar na sessão, mas esgotá-lo mais adiante, eis uma idéia que a lógica jornalística de plantão não consegue assimilar.

O problema é portanto que os jornalistas do Teledomingo abstraíram-se do mundo político local, assentaram seu discurso em suas crenças, independente das coisas em si mesmas. E por esta razão, foram incapazes de penetrar em seus meandros, foi o que defendi no artigo anterior. A política é um fenômeno múltiplo, não existe uma verdade da política local que os jornalistas da RBS sejam detentores e que deva ser mostrada por eles ao público. A única posição possível aos jornalistas da RBS é a de buscar entender a lógica secreta que move as cenas que presenciaram. “O ideal da imparcialidade jornalística mal oculta o conformismo dos rebanhos que, segundo o filósofo G. Lukács, frequentemente faz dos jornalistas seres “sem subjetividade nem objetividade”, assegura Maffesoli. Os jornalistas querem iluminar o povo? Sim, mas o inferno também está cheio de boas intenções, diz a sabedoria popular e o problema fica mais grave quando os mesmos jornalistas que dizem-se amigos da democracia, ao mesmo tempo fazem de tudo para denegrir a imagem da política, o que não deixa de ser uma forma de mentir a si mesmo.

Entre escolher o que a política deveria ser e tentar compreender o que ela é, ficamos com a segunda opção. Enquanto a imprensa optar pela primeira nada mais faz do que trazer de volta e por outros meios a banalidade do mal de que fala Hannah Arendt, como a banalidade dos pequenos males cotidianos produzidos pela equipe do Teledomingo, baseada na calúnia e na maledicência sobre a classe política local. Suspeito que a razão de tudo isso esteja na experiência vivida pela imprensa durante a ditadura militar, a ação do Estado sobre os jornalistas está na razão de que até hoje, alguns deles hesitarem em ver com bons olhos a política. Eles tem suas razões, já que de fato, a ditadura militar destruiu as liberdades de imprensa em nosso pais. Como aponta Baudrillard, como num espelho convexo e deformador, a imprensa assimilou essa violência e a traz de volta, espécie de vai e vem da brutalidade, da arrogância, paradigma de todas formas de incivilidade. Quando o discurso jornalístico adota esta prática de pequenas e múltiplas maledicências sobre o políticos, verdadeiras malvadezas que a só a edição selecionada de imagens permite – me vem a tona agora a lembrança da ex-vereadora Manuela criticada por responder e-mais de cidadãos no plenário – surpresa, ela não estava trabalhando! - diz Maffesoli “só um belo tapa na cara seria a resposta adequada a todos esses cavaleiros de trites figura”.

Pode chocar, mas a afirmação de Maffesoli tem razão de ser. Grandes repórteres formam igrejas e julgamentos que se tornam sumários e irrecorríveis.Pode-se arruinar a vida de um político com uma matéria de jornal, com o poder institucional que a televisão lhe outorga, influenciam gerações a recusar a política. Os jornalistas deveriam fazer uma reflexão: o que significa para sua prática profissional quando agir escondido se torna uma prática constante?o que acontece com a função da imprensa quando câmaras escondidas, gravações escondidas, esconder os motivos de filmagem, torna-se a moeda corrente para as equipes de jornal e programas como Teledomingo?Nada resta as vitimas neste universo, já que aqueles atores tem a seu favor o silêncio da instituição: não, nenhum artigo crítico ao programa será publicado; não, nenhuma entrevista com Dib ou os vereadores filmados será divulgada. De fato,quando alguém disse que a violência está no ar, era exatamente isto, nas ondas dos meios de comunicação !.
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A reportagem do teledomingo passará e a Câmara continuará a ser a casa do povo. Mas quando os jornalistas da RBS quiserem ir novamente ao Plenário para olhar os vereadores, convém relembrar-lhes que olhar significa tomar conta de, cuidar de, zelar por. E que isso é o que significa ver, não ver pela ideologia, mas levar em conta aquilo que aparece aos olhos, a sua vida.

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