sábado, 21 de novembro de 2009

Um Leviatã ultrapassado



A construção do Estado Nacional Brasileiro tem sido objeto de análises políticas desde os anos 80, com a consolidação da pós-graduação em Ciência Política no país. Analisando o legado de Vargas, o papel da burocracia e os partidos políticos, os estudiosos tem contribuindo para dissecar análises que primam pela critica da.hipertrofia do Estado, análise do clientelismo político e perspectivas sobre a modernização do Estado Brasileiro. Um livro que vale a pena ler “O Ex-Leviatã Brasileiro: do voto disperso ao clientelismo concentrado (Civilização Brasileira) de autoria de Wanderley Guilherme dos Santos acrescenta um capítulo original a estes estudos, onde não faltam novas perspectivas sobre a burocracia e o desenvolvimento economico social brasileiro. A obra é uma análise detalhada do que aconteceu ao Estado nacional montado por Vargas e mostra, contrariando aos estudiosos de plantão, que somos não apenas um Estado menor em números relativos e absolutos, mas temos um Estado com uma rara eficiência. “Desde 1984 que insuspeitos relatórios de agências internacionais produzem dados comprovando que o Brasil possui um Estado mais para sovina do que para perdulário”, escreve.

Seu autor, Wanderley Guilherme dos Santos, é um dos mais importantes e refinados cientistas políticos brasileiros e sua história reproduz as vississitudes da intelectualidade brasileira na segunda década do século XX. Santos atravessou alguns dos períodos mais atribulados da história recente do pais. Depois de uma formação onde não raro o desejo de estudar conviveu com as dificuldades de sobrevivência, Santos passou em 1960 a convite de Álvaro Vieira Pinto a integrar o quadro de pesquisadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB. Foi quando publicou entre 1961 e 1962, os livros marcaram uma geração de intelectuais como Quem dará o golpe no Brasil, na coleção Cadernos do Povo Brasileiro da Editora Civilização Brasileira e Reforma e Contra-reforma, pela Editora Tempo Brasileiro anunciando de forma visionária, a eminência de um contragolpe da direita e dos reacionários no país. Perseguido, desempregado e após incorporado ao quadro do Instituto Universitário de Pesquisas Cândido Mendes, Santos conseguiu completar sua formação acadêmica doutorando-se na Universidade de Stanford, na costa leste dos Estados Unidos, de1967 a 1970 trazendo de lá uma bagagem inédita em Ciência Política numa época em que a área consolidava-se no pais. Atualmente, é professor no Programa de Pós-graduação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro –IUPERJ

Seu pensamento chama atenção pela sua originalidade e metodologia de análise rigorosa revelada em obras recentes como Cidadania e Justiça em que introduziu uma abordagem produtiva para se pensar a classe. Para Santos, o tamanho do estado é apenas aparente “O ex-Leviatã (leia-se, o Estado varguista) operou preferencialmente segundo uma lógica privada e oligarquizante em benefício de poucos. Muito concretamente, isso quer dizer que a natureza das políticas governamentais obedece ao modelo em que seus custos são genericamente distribuídos (toda a população paga por ele), enquanto os benefícios são consumidos por uma minoria.” A obra de Vargas, que Santos reitera seu valor, não deixa de ser objeto de um desmonte político que as conseqüências ainda não foram totalmente analisadas. Diz: “É na percepção do Estado como anão socialmente preconceituoso e impotente, antes do que como gigante, que está a origem da sonegação do conflito”. A obra é organizada em sete capítulos. O primeiro é uma análise da Era Vargas e o nascimento do Estado Nação. Santos enfatiza na análise do período 1930-45 como o período no qual foi enfrentado a crise de integração ancional, com participação política e redistribuição de riqueza.O capítulo segundo e terceiro analisam um campo particularmente importante de definição do Estado: a construção da burocracia de estado. Para além de um modelo weberiano e dos argumentos que a apontam como a origem dos males do pais, e mesmo reconhecendo nela traços inevitáveis do clientelismo, Santos aponta uma novidade: ‘o tamanho da burocracia brasileira e os gastos com ela não podiam ser considerados como patológicos se comparados com equivalentes de países ricos. Mais, que a administração pública diminuiu desde a reforma do Dasp em 1930. “A participação do funcionalismo público brasileiro no emprego total continua significativamente baixa, mesmo quando se tomam todos os níveis de governo. No caso brasileiro, o federal, estadual e municipal”, observa o cientista político. Contrariando os analistas do clientelismo político, Santos afirma “O excesso de pessoal na administração pública, particularmente no que concerne ao governo central, se localiza nas ocupações mais modestas: pessoal de limpeza, vigias, ascensoristas, porteiros. Se os funcionários públicos devessem suas posições à troca por votos e, inversamente, se os eleitores só escolhessem candidatos em retorno de favores recebidos, seria difícil a interpretação de resultados da pesquisa recente”, destaca. Para o autor, o clientelismo brasileiro se encontra confinado à periferia do sistema eleitoral, com escassa eficácia causal sobre o desempenho da máquina do governo

A imagem do Leviatã hobbesiano surge para colocar lado a lado as necessidades de um governo despudorado ou franco e as forças clientelistas e distributivas ainda presentes na política brasileira. Caracterizando a política brasileira como poliarquia , sistema político que mantém a existência de competição eleitoral pelos lugares de poder, a intervalos regulares, com regras explícitas, Santos reconhece a importância neste regime da participação da coletividade na competição sob sufrágio universal, tendo por única barreira o requisito de idade limítrofe. Um regime assim seria perfeito, não fosse o fato da existência, nas suas entranhas as algemas de cristal de um Leviatã disfarçado mantenedor da ordem sob o qual se esconde um clientelismo concentrado. A história política brasileira é o processo que levou a sociedade a e uma ânsia pelo surgimento de forças organizadas ao mesmo tempo em que construímos instituições “viciadas” na privatização e na predação do Estado. Diz: “Os grupos de interesse do Brasil ambicionariam barrar a tendência à monopolização decisória do Estado, não para torná-lo plural, democrático e acessível à diversidade dos grupos sociais, fortes ou fracos, mas para substituir o monopólio do poder estatal pela oligarquia de um sistema fechado de poderosos grupos de interesse. “. E nesse sentido, não deixa de ser um estudo atual, porém cruel.

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