quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Nova obra de Gilles Lipovetsky

Vivemos num mundo repleto de telas: da televisão, do cinema, do computador, dos consoles de videogames, do telefone celular, das máquinas fotográficas digitais. A tela deixou de ser o écran do espetáculo para tornar-se a própria tela-comunicação. Tela Global, espalhadas por aeroportos, restaurantes, bares, carros, aviões, telas grandes ou pequenas, plana ou tátil. A constatação é de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy em “Tela Global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna” (Editora Sulina) que fazem um questionamento profundo dos efeitos dessa proliferação de telas em nossa relação com os outros e com o mundo, com nosso corpo e com nossas sensações. Mas atenção: a obra não trata de todas as telas, mas daquela inigualável, a forma original e prototípica da tela/ecrâ: o cinema. Como o mundo de múltiplas telas afetou a sétima arte? O que acontece com o cinema quando é visto fora da sala escura?O que acontece quando filmes são suplantados por seriados e telefilmes? A idéia dos autores é clara: “mesmo confrontado com desafios de produção, o cinema continua sendo uma arte de um poderoso dinamismo, cuja criatividade não está de modo algum em declínio. O tudo-tela não é o túmulo do cinema: mais do que nunca este demonstra inventividade, diversidade, vitalidade”.
Gilles Lipovetsky tem larga experiência quando o assunto é a análise do mundo contenporâneo. Professor da Universidade de Grenoble, sua formação é de filosofia na Sorbonne. Estudou os grandes filósofos (Platão, Aristóteles) e teve uma formação marxista, a qual abandonou a partir do momento em que percebeu que toda a cultura das massas era vista como algo alienado. Dedicou-se então aos objetos mais desprezíveis para os filósofos, como a moda, a publicidade, o lazer.”parece-me que tudo isso exprime muitas coisas de nossa época”, afirma. Autor de “Felicidade paradoxal”, “O luxo eterno”, “ A terceira mulher”, “Tempos hipermodernos”, entre outros, mostra com números a evolução do cinema: se em 1976, Hollywood realizou apenas 138 filme,s em 2005 chegou a 699 filmes. A obra é escrita em parceria com Jean Serroy professor universitário especialista em teatro do século XVII, critico de cinema e autor de ”Entre dois séculos: 20 anos de cinema contemporâneo” Tela Global, publicado em França em 2007, é o inicio da parceria em ambos autores, e que se seguiu o ainda não traduzido “Cultura mundo: resposta a uma sociedade desorientada”(Odile Jacob, 2008) onde a reflexão sobre a ascensão mundial da cultura, das marcas, publicidade, turismo, industria cultural exige que se pense na tecnocapitalismo cultural.
Tela Global é composto por três partes principais. A primeira, intitulada “Lógicas do hipercinema” de dedica a descrever as características de uma arte ontologicamente moderna, o cinema. Mas também vêem sua transformação – industrial, simbólica – ao descrever os processos que levam a uma arte que busca a criação de cinessensações, onde a velocidade e a profusão de signos na imagem fazem com que a violência e o sexo sejam o paradigma de um discurso cinematográfico hipertrofiado. Mais, não se trata somente de uma transformação do registro fílmico: trata-se também de uma transformação na própria narrativa cinematográfica, ou ainda, na forma como são contatadas as histórias pelo cinema, numa adoção de narrativas multiplex – múltiplas histórias, múltiplos personagens, múltiplos fins – e que vai além, quando o própria noção de primeiro e segundo plano é alterada e vemos as formas do cinema dentro do cinema.
A segunda parte, intitulada “Neomitologias” os autores descrevem aspectos relativos ao filme documentário e filme histórico. Por um lado, pasam pela explosão do cinemaodcumentário em que “A marcha dos pingüins” (Luc Jacquet) é um sucesso absoluto exportado para o mundo inteiro, com seus cerca de 1,9 milhão de ingressos vendidos.Por outro, é um movimento de revivescencia do passado, através do filme histórico que mistura realidade e romanesco e que filmes como A lista de Schindler (Steve Spielberg, 1993) encaranam. Ou finalmente, u movimento que os autores denominam de cinepólis, onde o cinema exprime o curso do mundo, com o tratamento de questões osciais, onde o “mundo político é menos uma questão ideológica do que um domínio capaz de trazer expressão cinematográfica uma profundidade de sentidos” e onde os autores localizam a obra de Fernando Meirelles, Cidade de Deus.
A terceira parte, intitulada “Todas as telas do mundo” trata das relações do cinema com as séries de televisão, os reality shows e os teleshows esportivos. Disseca também as relações do cinema, da televisão com a publiciadade. E vai mais além, para a dimensão da tela-mundo, descrevendo nossos estados de videovigilância as telas lúdicas, os videogames ao second life, a videoarte e arte digital. Não é pouca coisa: a análise feita pelos autores envolve a categorização de mais de 600 filmes e passam pela maior parte da historia do cinema do século XX. Razões econômicas, sociais, mas também de identidades regionais são apontadas, desde Griffith até Spielberg, analisando aos olhos dos homens de todos os países e culturas os arquétipos das narrativas eternas: “o amor e o ódio, a vida e a morte, a felicidade e a infelicidade, a paz e a guerra, o bem e o mal, o riso e as lágrimas, o belo e o feio, a juventude e a velhice, o parazer e o sofrimento”.
Lipovetsky e Serroy fazem sociologia da história do cinema. Eles se perguntam qual é a grande função social hoje do cinema. E descobrem que ainda é o elo de ligação que provoca entre os homens, “motivo de reuniões entre amigos, discussões sobre um filme que se viu, no dia seguinte, com um colega de trabalho[]que fazem do cimema uma espécie de objeto comum, compartilhado, de lugar cultural onde as pessoas vão comungar num mesmo espíroto de adesão e de convicção.
A força do cinema, segundo os autores, reside no fato de que é a arte com mais força para contar uma história. Ela é a de maior performance, afirmam seus autores. Que ela seja considerada mais eficaz que a literatura ou a música, é a opinião dos autores. O que abre uma rica discussão sobre arte e imaginação. Reunindo imagem, narração, música, fundindo assim as diversas artes, é uma lingugaem que combina várias artes, verdadeira “arte de sedução imediata dirigida a todos”. Mas algo mudou nos destinos do cinema, segundo os autores. Mais do que possibilitar ver a realidade através da arte, os autores reivindicam que o cinema ao oferecer uma visão de mundo, convidam a ação, ou aquilo que os autores chamam de cinevisão. Ou, como diz Oscar Wilde, a vida imita mçuito mais a arte do que a arte imita a natureza”.
Lipovetsky e Serroy reivindicam assim uma função transcultural e civilizacional a ´setima arte. Não se trata de tradicional “isso é cinema!”, mas ao contrário “isso é realidade!”Por isto estrelas, divas, alimantam comportamentos reais, modos de ser, faz evoluir os costumes, engendra atitudes.É a cinematização do mundo. A descrição da especularização do mundo entretanto também é o elogio de certa escalada de superficialização das imagens, é verdade, ou ainda, imersão num mundo das imagens. Cine-life. “Este´é o mérito do cinema: quando a vida busca se assemelhar ao cinema, desenvolvem-se ambições estéticas e a afirma cão crescente das singularidades”. Mas como bem lembram os autores, a vida não é nenhum filme catástrofe, mas também não é nenhum happy-end.


A TELA GLOBAL MÍDIAS CULTURAIS E CINEMA NA ERA HIPERMODERNA
GILLES LIPOVETSKY E JEAN SERROY
EDITORA SULINA

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