sexta-feira, 30 de abril de 2010

Reflexões sobre o Dia do Trabalho

Preocupam-me duas questões para discussão pela passagem de mais um Dia do Trabalho. A primeira é relacionada ao fato de que nesta data, na América Latina, cerca de 7 milhões de jovens entre 15 e 24 anos não terão nada a comemorar, pelo simples fato de não estarem empregados. E no Brasil, onde parte significativa destes jovens é a mais instruída, inclusive freqüentando curso superior, estão condenados a passar os dias sem nenhum ofício, encarnando o desperdício de talento. Para Jean Maninat, Diretor Regional da OIT para a América Latina “ a taxa de desemprego dos jovens aumentou mais do que a dos adultos, enquanto diminuiu a sua participação nos mercados de trabalho”.

A segunda é relacionada ao fato de que a partir dos anos 80 pesquisadores como Roberto Castel apontam para uma onda de intensificação do trabalho. É a constatação de que o trabalhador está dispendiando mais energias para realizar seu trabalho. Tem-se exigido mais no trabalho, um empenho maior, seja físico ou intelectual. A manipulação do grau de intensidade do trabalho tem como objetivo elevar a produção, a aumentando resultados, mas é de fato um problema moral, o da superexploração da mão-de-obra. Sadi Dal Rosso, em “Mais Trabalho” (Boitempo, 2008) enumerou a base desta superexploração: aumento do ritmo e da velocidade de trabalho; acúmulo de atividades a serem executadas por um mesmo trabalhador; aumento das horas de trabalho e exigência de polivalência, flexibilidade e versatilidade como qualificações para o trabalho.

As duas questões são parcialmente ligadas. A intensificação do trabalho pode ser vista particularmente no Serviço Público. Com menos funcionários do que precisa e com recursos reduzidos em decorrência de sucessivas Reformas Administrativas, os trabalhadores do Serviço Público tem sido exigidos cada vez mais naquilo que se convencionou chamar de trabalho imaterial (André Gorz): maior necessidade de elaboração intelectual, de raciocínio rápido, de especialização (sem investimento do Estado), que exigem mais conhecimento e mais dedicação, mas também transformam-se em fonte de desgaste. Por outro lado, a impossibilidade cada vez maior de realização de concursos públicos, motivada pela necessidade de contenção de custos, faz com que uma geração de jovens em condições de prestar exames seja afastada de um dos mercados de trabalho potenciais, o Estado.

O trabalho é, antes de tudo, uma questão política da maior importância para nossa sociedade. Aos chefes de governo cabe a responsabilidade de evitar a superexploração de seus funcionários - que impede a qualidade dos serviços públicos - mediante abertura de concurso público, o que beneficiará também os jovens. Às lideranças políticas cabe a responsabilidade de construir políticas públicas para a ampliação das oportunidades de trabalho porque é mais difícil garantir a estabilidade de uma sociedade e a governabilidade democrática sem emprego.

Os Políticos e o Dia do Trabalho



O que vou dizer vai provocar a ira de muitos brasileiros, e principalmente de um, David Coimbra, colunista do Jornal Zero Hora de Porto Alegre, que há muito tempo tem criticado os políticos e a política: os políticos merecem comemorar o Dia do Trabalho. Mais, as instituições políticas brasileiras deveriam comemorar o Dia do Trabalho. Pronto. Disse. Vamos a um exemplo. Em Porto Alegre, no dia 28 de abril, a jornalista Carla Kunze da Assessoria de Imprensa da Câmara Municipal postou no site do Legislativo (
www.camarapoa.rs.gov.br) uma noticia às 4h26 da manhã. A matéria era referente a terceira edição do projeto Câmara Itinerante, realizado na Vila Restinga, região sul da capital, e que encerrou por volta das 11 da noite do dia anterior. Kunze terminou a matéria em casa e pode-se dizer, que aquela altura da madrugada, ela ainda estava trabalhando para benefício da população com aquilo que sabe fazer, bom jornalismo. Da mesma forma os vereadores estavam trabalhando para a sociedade após um dia de atendimento em gabinete na parte da manhã, presença na sessão legislativa na parte da tarde, completando um terceiro turno de trabalho a noite. O que faz com que o trabalho de vereadores e funcionários, além de suas obrigações, sejam esquecidos nas comemorações do Dia do Trabalho?

Primeiro, o preconceito quanto ao trabalho político. A verdade é que o Dia do Trabalho consagrou-se mais como data de luta de várias categorias sociais e menos como a data de homenagem a uma atividade ou profissão. Segundo, homenageamos os trabalhadores e esquecemos das atividades laborais propriamente ditas e as instituições. Mas se é dia DO trabalho, e se há bons políticos QUE trabalham muito no legislativo, porque a data não pode ser comemorada por eles pelo trabalho que realizam em beneficio da sociedade? Pois é disso que se trata, de valorizar neste dia, também o verdadeiro trabalho político. A boa política. A idéia do político profissional é assustadora, a idéia que da perpetuidade do trabalho político por um agente não se coaduna com a idéia democrática de alternância do poder. Por outro lado, a necessidade de profissionalizar os políticos significa que devemos exigir deles o aprofundamento dos temas de políticas públicas que caracterizam seu trabalho parlamentar. É neste, e somente neste único sentido que é positiva a idéia de políticos profissionais, no sentido de especialistas nos campos que buscam defender. Os políticos comemoram o Dia do Trabalho porque são professores, economistas, mas tem vergonha de comemorar por seu trabalho. Se a data é para reflexão, deve servir para incentivar aos políticos a importância do trabalho legislativo.

A prova de que o trabalho dos políticos tem aumentado está no recente estudo da Equipe de Qualidade da Câmara Municipal de Porto Alegre. Intitulado “Gestão CMPA 2009-2010” ele mostra que os vereadores de Porto Alegre trabalham muito pela cidade. No período o número de leis complementares aprovadas aumentou de 25 para 75; os decretos de 385 para 567; a realização de Tribunas Populares passou de 30 para 59; foram disponibilizadas para escolas de 75 para 81 exposições itinerantes; a Radio Câmara passou de 6481 para 11546 ouvintes. Por outro lado, os números também mostram o trabalho de economia do legislativo: os valores empenhados em relação aos orçados baixaram de 93,77 para 93,52%; a participação no custo publico, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, baixou de 2,22 para 2,18%; os gastos com folha de pagamento diminuíram de 63,97 para 59,92% (o valor de referência é 70) entre outros indicadores.

A data merece ser comemorada por todos os trabalhadores. E por instituições públicas também, que tem no seu dia-a-dia de trabalho uma única preocupação: ajudar a construir uma sociedade mais democrática e com mais políticas públicas sociais para toda a população. E David, Feliz Dia do Trabalho!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A responsabilidade do Estado pelos acervos gaúchos

A iniciativa da recuperação do acervo do jornalista e vereador Alberto André (Zero Hora, 22/4) tem um significado importante na trajetória das lutas pela preservação dos acervos gaúchos: é um exemplo da responsabilidade que deve assumir o poder público com relação à memória gaúcha.

Fui responsável na Câmara Municipal de Porto Alegre pela formulação do seu projeto de salvamento. Em 2009, a família procurou a Câmara Municipal para ajudar a solucionar o problema em que havia se transformado a enormidade de livros e documentos acumulados em sua residência por Alberto André.

O levantamento preliminar mostrou que estávamos diante de uma biblioteca para amplo público. Alberto André possuía em seu acervo ricas e raras coleções de literatura dos anos 30 e 40; exemplares, às vezes de primeira edição, de obras consagradas de história, de ciências humanas e outras disciplinas e uma rica coleção de recortes de jornais (hemeroteca) onde se via a atenção que Alberto André dava aos temas da capital. Esse acervo não poderia ser perdido e nem objeto da disputa dos livreiros de plantão.

Desde o inicio do projeto, o conceito central do projeto era de que o acervo era patrimônio que aspirava a ser público. Mas havia ainda outro motivo para empenhar-se na sua preservação: o fato de que no mesmo período, a cidade viu ir para outro estado os preciosos acervos de Érico Veríssimo e Mário Quintana.

A estratégia que levou a preservar no Rio Grande do Sul este acervo atende pelo nome de parceria. Nenhuma das instituições envolvidas possuia condições de assumir sozinha o projeto, mas juntas, o salvamento era possível. Ao Legislativo e a Universidade Federal couberam o papel de assumir suas prerrogativas enquanto instituições públicas: a construção do Laboratório de Restauração deve ser entendida como elemento de uma política pública de preservação de acervos. Não é um Laboratório de primeiro mundo, é verdade, mas contém a estrutura básica para atividades do gênero: todo o mobiliário foi recuperado a partir de doações das instituições envolvidas e recursos de informática foram doados pela Câmara dos Deputados. É o exemplo de uma estratégia de salvamento a custo zero e que pode ser imitada!

O trabalho está apenas começando e é grande a responsabilidade da Universidade Federal. A participação da ARI foi essencial ao ceder espaço em sua sede e assumir o destino final do acervo, mas é como exemplo de uma política pública à serviço da preservação da memória que a experiência deve ser valorizada.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Nos shoppings não se pode sentar

Foi estupefato que fiz uma inesquecível descoberta: nos shoppings não se pode sentar. A situação foi mais ou menos a seguinte: no dia 15/04, quinta-feira, as 20 horas, depois de duas horas esperando para tomar a vacina da gripe na Imune, loja deste Shopping, bastou sentar num canto da ala para descansar para descobrir a ira dos seguranças que dizem que não se pode sentar. No chão, para dizer a verdade.

Não adianta falar da anomalia que é esperar, na rede privada, duas horas de pé por uma vacina que o governo deveria fornecer – fornece a de má qualidade, que dá reação, porque é misturada com ferro - ativantes – informou-me gentilmente a médica do lugar. Em realidade, segundo ela, a vacina que chegou a rede privada é bem diferente e melhor do que a da rede pública, melhor porque tem somente antígenos e de quebra, inclui a vacina das gripes de inverno. Quer dizer, depender da rede pública significa mais vacinas e com mais reações. Disto resulta a obrigação de ir ao shopping se vacinar.

Daí a naturalidade com que encarei, nesta ultima quinta-feira, uma imensa fila para vacinar. Afinal, o governo fez questão de condenar pessoas de minha faixa etária - quarenta anos – a ficarem excluídas da vacina, o que significa, para hipocondríacos como eu, uma sentença de morte. Mas ficar numa fila cansa e ai, você quer sentar. Dezenas de pessoas, mães de família, pais, após um dia exaustivo de trabalho estavam se submetendo a este martírio. Todos reclamavam do atendimento, menos eu. Era sua forma de garantirem o mínimo risco para seus filhos e para si mesmos. Para aqueles que como eu já era excluídos das políticas públicas de vacinação, estava em vantagem. Então para que reclamar?.

Mas causou-me surpresa descobrir num momento de fraqueza que não se pude sentar no chão dos shoppings. Pior, justo você, que não está incomodando ninguem no shopping quando todos estão prestes a iniciar um conflito de proporções inimagináveis. Mas havia algo contra a própria natureza dos shoppings naquele gesto. Como se sabe, revisando a literatura, os shoppings nasceram com uma arquitetura cujo objetivo central é imitar as praças públicas – daí a expressão, praça de alimentação. Amplos ambientes, com a presença da luz natural, que simulam a experiência de uma praça. Nada mais contra a natureza da essência de um shopping, portanto, tal proibição, pois se nas praças reais sentamos no chão, nas artificiais também deveríamos poder fazer o mesmo. Não no Iguatemi. Universidades privadas como a Unisinos sabem da importância do seu cliente em se sentir a vontade e disponibilizam, em seus espaços, ambientes informais onde-se fica-se sob tapetes, com almofadas, numa ambiencia que lembra o lar.

No Iguatemi, não. Não existe pela segurança uma avaliação real das situações, existe a necessidade do cumprimento de uma ordem burocrática e dogmática que pode valer numa situação cotidiana mas nunca numa situação extraordinária como aquela, já que a fila era imensa, o tempo de espera passava de duas horas, e não havia lugares para sentar. Imaginei uma série de atividades que o segurança dos shoppings poderia ser encarregar de fazer: evitar a entrada de meliantes no interior do shopping, evitar assaltos ou coisas do gênero. Ou ainda melhor, comunicar a administração dos problemas vividos pelo gerente da Imune: evitar as discussões e ameças, evitar os enfrentamentos, acalmar os ânimos, pedindo calma a todos, ajundando a organizar a fila. Mas tirar alguém que havia se encostado no chão para descansar, por favor, nunca me passou pela cabeça. Nunca me passou pela cabeça que, frente a clientes irritados no final de um dia e sob imenso stress, fosse função da segurança assumir o papel de estopim de conflitos justamente com aquele que não estava incomodando ninguém.

Para quem viu o shopping ser construido e o frequenta desde sua inauguração foi um imenso desencanto. Sim, foi isso que aquele segurança que atendeu a ocorrência do homem sentado no chão do shoppig as 20 horas do dia 15 de abril fez, fez a gentileza de acabar com a imagem que construi daquele shopping. Como diz o marketing, imagem é tudo. Submeteu seu cliente a uma situação duplamente humilhante: não bastasse ser submetido a uma fila que traz para um ambiente asséptico, as características de nossos piores serviços públicos, ficou a imagem de um segurança que sob a desculpa de que não poderia me deixar quieto no meu canto, preferiu ampliar o conflito trazendo uma cadeira própria para deficientes físicos. O gesto, visto como ofensivo pelas pessoas que assistiram a cena - afinal haviam dezenas de mães que estavam com seus filhos, idosos , que é claro estavam de pé e mereciam muito mais do que eu aquela atençao, ficaram estupefatas e terão guardado na memória a cena que presenciaram. O segurança do shopping perdeu a oportunidade de colaborar com uma situação dificil que estava ocorrendo numa ala do shopping, preferindo acentuar o conflito, provocando ainda mais a ira dos demais presentes.

Quando a administração do shopping encontrar meios de orientar melhor seus funcionarios, evitará que formadores de opinião coloquem textos como este que escrevo agora em seus blogs. Quando a administraçaõ do shopping perceber que clinicas são clientes especiais e preferenciais, que merecem estar num shopping, mas que shoppings devem acompanhar a prestação de serviços que fazem, auxiliando, se houver necessidade, pois senão terão uma bomba de efeito retardado, então o shopping estará administrando melhor seus serviços. Você vai a um shopping para consumir, e não ser humilhado. Foi o que aconteceu. Do jeito que vai, o Iguatemi está cada vez mais distante de ter o "estilo de seus clientes."

domingo, 11 de abril de 2010

A casa de Lutzenberger

A notícia do aluguel da casa de Lutzenberguer é o símbolo do fracasso de nossas políticas culturais. Ela vai ser alugada para custear sua recuperação e manutenção. Se a casa de Kafka, de Andersen e tantos outros viraram lugar de cultura, porque não a casa de Lutzenberger? Se fosse na Europa, o Estado já teria a adquirido, realizado sua reforma e já estaria sendo um Centro de Cultura voltado para a problemática ambiental.

Tive a oportunidade de conhecer parte da casa por contatos com a Fundação Gaia, esplendidamente instalada no pátio interior da Casa. Não é uma casa qualquer: instalada no centro do bairro Bom Fim, possui uma arquitetura magnífica que dá a cara da Europa a um pedacinho da capital. As referências a casa, relatadas na conhecida biografia de Lutzenberger, lembram de um tempo em que aquela região era parte da imensa várzea da redenção. A verdade é que a casa é um ícone para cidade e não deveria ser objeto de aluguel a particulares: deveria ser de acesso a comunidade em ações culturais.

Claro, deve ser respeitada a vontade dos legítimos herdeiros, é verdade. Mas existe uma memória dos movimentos sociais ali inscrita, especialmente do movimento ecologista da capital que foi forte e atuante nos anos 70 e 80. A residência deve ser o destino natural dos acervos de outros ecologistas, como Carneiro, seu grande companheiro de lutas, cuja coleção aguarda atenção das autoridades. A verdade é que Lutzenberger merecia mais de nossas políticas públicas. Pela revolução que fez no campo ambiental, as novas gerações devem ter contato com sua memória.

O destino natural da residência é o destino público e não o privado. A questão de que se ainda há tempo para as autoridades mudarem o seu destino deve ser respondida pela família. As oportunidades e parcerias para efetivar uma política para sua abertura pública cabem as autoridades que tem a obrigação de responder a questão: por que se omitiram tanto?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Aniversário da Câmara

Publicado no Jornal do Comércio, 6/4/2010

A polêmica da data de aniversário da Câmara Municipal apontada na edição de 5/4/2010 do Jornal do Comércio é um típico exemplo das diferentes interpretações que têm os historiadores. Para Gervário Neves, a data de 6/9/1773 é errada; deveria ser 11/12/1810. Para o leitor parece uma querela dos historiadores. E de fato é. O que Gervásio não diz é que a data foi defendida por membros do seu próprio Instituto Histórico. Riopardense de Macedo, ex-membro, defendia a data e dizia que “é preciso nos colocarmos naquela circunstância e dentro da mentalidade da época, [onde] é evidente que as Câmaras defendiam sua autonomia”. E ainda “é nesta data (6/9/1773), pois, que tem início, de fato, a capital do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. A província continuava com o mesmo limite, dado por ocasião da instalação da primeira Câmara na cidade do Rio Grande. Era, no entanto, Capital sem ser vila, pois esta só poderia ser criada por alvará real, o que aconteceu em 11 de dezembro de 1810”. A citação é extraída da obra Bicentenário da Câmara Municipal de Porto Alegre (1773-1973), publicação da Câmara de Vereadores. O fato é corroborado por Sérgio da Costa Franco, outro integrante do Instituto Histórico e Geográfico, que em Guia Histórico de Porto Alegre escreve: “A história do parlamento municipal de Porto Alegre remonta ao dia 6 de setembro de 1773, data em que os membros da Câmara de Viamão pela primeira vez se reuniram na Vila de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre”. Finalmente Adriano Comissoli, em sua obra Os homens bons e a Câmara Municipal de Porto Alegre, afirma que o próprio termo Capital da capitania era dado pelo fato de ser sede do governo, independentemente da localização ou condição formal da localidade em questão “era capital aquela povoação que abrigava a casa do governador, a provedoria da Fazenda Real e a Câmara. A condição de Capital independia do fato de uma localidade ser vila ou cidade por decreto real, de onde se apura certo pragmatismo das autoridades portuguesas, mais preocupadas com a face prática da administração do que com as questões formais da mesma”. Divergimos da posição de Gervásio. A posição até hoje adotada na Câmara diz respeito à história sim. Considera os documentos de época, os coloca em seu contexto - e mais - respeita a posição de historiadores do Instituto Histórico e Geográfico, que Gervário
parece esquecer. Nada mais.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ataque de Gervásio Neves à efeméride legislativa


Neste artigo, publicado dia 5/4 no Jornal do Comércio, o Prof. Gervásio Neves critica uma efeméride do Legislativo. Confira nossa argumentação nas postagens abaixo.

Qual o lugar dos Institutos Históricos na construção da memória nacional?


A recente polêmica iniciada pelo Prof. Gervásio Rodrigues Neves, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul em entrevista ao Jornal do Comércio do último dia 5 de abril, ao tratar de um tema já consolidado na historiografia, serve para trazer um debate mais de fundo, e que agora tem a oportunidade de ser colocado: qual o papel dos Institutos Históricos na produção do saber histórico contemporâneo? Neves questiona a data de fundação da Câmara Municipal de Porto Alegre (6/9/1773) que, historiadores do próprio IHGRGS já na década de 70, como o Prof. Francisco Riopardense de Macedo, definiram como a data de referência. A polêmica coloca duas questões. A primeira: frente ao advento da pós-graduação e da multiplicação de instituições museais, ainda faz sentido o projeto dos Institutos Históricos e Geográficos no Brasil? A segunda, mais provocadora: e se a preocupação pela data de fundação do legislativo da capital não for uma pergunta acadêmica, mas ao contrário, o ato falho de uma instituição em busca de sua verdade - tal como na análise freudiana, o ato falho significa a emergência de um inconsciente revelador – o que de fato significa sua polêmica?

Se não vejamos. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como se sabe, é uma das mais antigas instituções dedicadas ao tratamento e cuidado com a memória no Brasil. Fundado em 1838 com o objetivo de ser uma entidade que refletisse “a nação brasileira”, sua criação dá-se nos quadros do período pós-independência do Brasil. Composta por integrantes da então Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional – hoje, por sucessoras, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro –, teve como secretários o cônego Januário da Cunha Barbosa e marechal Raimundo José da Cunha Matos, que a fundaram em 21 de outubro daquele ano. Desde então, passados mais de 160 anos, tal instituição incentivou a criação de similares nos estados, que terminaram por reunir um volumoso e significativo acervo bibliográfico, hemerográfico, arquivistico e museológico a disposição do público. Sua ligação com a monarquia é visceral: D. Pedro II, que recebeu do IHGB o título de protetor, incentivou as primeiras pesquisas e fez doações valiosas para o instituto.

Tais instituções foram necessárias neste período porque havia a carência dos meios para iniciar-se um processo de educação nacional. Mesmo com a vinda da família real para o Brasil, e a instalação da Imprensa Régia por D. João VI, havia a carência de instrumentos para garantir a educação nacional. Além disso, logo após a Independência do Brasil, frente a onda separatista que se inicia, tais instituições cumprem o papel de forjar a ideologia que mantinha intacta a idéia de unidade territorial e fortalecia o processo de centralização político-administrativa do Estado monárquico.

Os Institutos Históricos e Geográficos foram então pensados como uma Academia, do tipo preferido pelo Iluminismo europeu do período com a finalidade de coligir e guardar documentos, bem como escrever a história nacional como forma de manter a unidade ideológica do país. Não é a toa que um dos seus primeiros projetos é a escolha de um projeto de escrita da Historia Nacional “Como se deve escrever a Historia do Brasil”, vencida pelo naturalista alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius, que consolida o tema da miscigenação das três raças formadoras do povo brasileiro que se torna recorrente no pensamento social e na produção historiográfica nacional. É o grande projeto da construção da memória nacional. Diz José Honório Rodrigues em A evolução da pesquisa pública histórica brasileira:

“O Instituto nomeava membros honorários estrangeiros, que prometiam procurar nos arquivos e bibliotecas europeus documentos relativos ao Brasil. É o caso de Teodoro Monticelli, que de Nápoles se oferecia a pesquisar para o Instituto. Era o caso, também, de Caetano Lopes de Moura, que, pensionista de D. Pedro II, examina as bibliotecas de Paris e depois foi à Bélgica e à Holanda, enviando para o Instituto Histórico os resultados de suas pesquisas.”


Tal concepção tinha como conseqüência a criação de um passado homogêneo e a consolidação de mitos de fundação, através da ordenação dos fatos históricos, constituição dos heróis nacionais, fornecendo as gerações futuras os exemplos de patriotismo e devoção a pátria que tinham como fim transmitir ensinamentos a população em geral, homogeneizando o pensamento no interior da nação. Ora, o que se estava fazendo na prática era congregar em torno de um referencial comum grupos sociais historicamente diferentes. Os Institutos Históricos nasceram para construir a História do Brasil, disciplina capaz de legitimar o estado monárquico em seu processo de centralização política e com membros compostos pela aristocracia rural e intelectuais românticos com uma grande preocupação: os momentos fundadores da nação.

Esta instituição teve questionado seu projeto no século XX devido a dois fatores principais. O primeiro é a ascensão da pós-graduação no Brasil, a partir dos anos 70, foi responsável pela criação de inúmeros centros de pesquisa em História em universidades públicas e privadas e pela formação de um extenso contingente de profissionais de história. Contando com recursos de fomentadoras de projetos (CAPES, CNPQ), tais instituições deram um impulso à pesquisa histórica que terminou por relegar a um segundo plano na sociedade o lugar dos Institutos Históricos. Além disso, enquanto que os Institutos Históricos amargavam em seus quadros membros ainda pertencentes as antigas gerações de pesquisadores - muitos jornalistas, autodidatas, e as vezes funcionários públicos - as universidades ganhavam pesquisadores titulados inclusive no exterior e com uma série de publicações.

O segundo foi a multiplicação, a partir dos anos 90, de centros de memória nas mais diferentes instituições públicas e privadas. Foi o golpe de misericórdia sobre os Institutos Históricos e Geográficos, que deixaram de ser a referência em produção de memória, passando a disputar espaço no mercado museal com centros de memória das mais diversas instituições, públicas e privadas, muitas vezes com mais recursos, enquanto os Institutos Históricos sobreviviam da limitada contribuição oficial ou de suas rendas. A perda de espaço foi sentida como um desestímulo da sociedade para com seus integrantes, que em que pese o mérito evidente de suas pesquisas, insistiam em manter investigações na linha dos seus estudos tradicionais dos anos 30 e 40, enquanto seus congêneres universitários situavam-se no campo pós-moderno.

Talvez, e talvez somente neste ponto, possamos compreender o significado do esforço do atual dirigente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul em atacar uma efeméride do legislativo local: no fundo, no fundo, mais do que um “conflito de interpretações”, seu esforço é revelador da subjetividade de uma instituição que vê a paranóica busca do mito de fundação, em tudo e em todos, como seu único refúgio, o lugar em que se sente bem. Se for assim, é hora do IHGRGS repensar sua identidade. Quem avisa, amigo é.

A data de aniversário da Câmara


O Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Prof. Gervásio Rodrigues Neves, em entrevista ao Jornal do Comércio do dia de hoje, aponta que a data adotada para a fundação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre é equivocada. Seu argumento é que a Ata de 6 de setembro de 1773 corresponde a instalação da Câmara de Rio Grande em Porto Alegre, e que sempre defendeu como a tese de que a data correta é a de dezembro de 1810. Diz: “Quando se fala em 1773, é uma Câmara que funcionava em Porto Alegre, cujo espaço de atuação era todo o Rio Grande do Sul, administrava todo o estado. A outra é uma Câmara que é de Porto Alegre, administrando sua área de influência, definindo seu Código de conduta, que só começa em dezembro de 1810. Então, são 200 anos”.

A afirmação do professor Gervásio Rodrigues Neves reestabelece uma polêmica que este Legislativo entende superada. A razão é que existe uma tradição de estudos históricos que defende a data, fontes comprovadas e um contexto histórico que fundamenta a escolha do legislativo e que remonta aos anos 70. Um dos primeiros historiadores a darem-se conta da dificuldade de encontrar a data oficial do legislativo foi Francisco Riopardense de Macedo, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e autor da obra “Bicentenário da Câmara Municipal de Porto Alegre” (1773-1973). Riopardense de Macedo aponta a dificuldade de estabelecer uma datação devido ao fato de que “aqui tudo aconteceu diferente. Porto Alegre foi capital antes de ser vila, foi sede de município único muito antes de ser cidade”.

Segundo Riopardense, a determinação de José Marcelino de Figueiredo, de transferir a sede da Câmara Municipal, de Viamão para Porto Alegre, foi em função dos conflitos do Prata e se efetivou em 6 de setembro de 1773, como comprovam a Ata da Câmara desta data. Para Riopardense de Macedo, “é preciso nos colocamos naquela circunstância e dentro da mentalidade da época, [onde] é evidente que as Câmaras defendiam sua autonomia”. Para Riopardense de Macedo “é nesta data [6/9/1773], pois, que tem inicio de fato a capital do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. A província continuava com o mesmo limite, dado por ocasião da instalação da primeira câmara na cidade do Rio Grande. Era, no entanto, capital sem ser vila, pois esta só poderia ser criada por Alvará Real, o que aconteceu em 11 de dezembro de 1810.” A data reivindicada pelo Professor Gervásio Neves havia sido rejeitada por Riopardense de Macedo, do mesmo instituto, em 1973. Nesse ano, Riopardense de Macedo já reforçava a idéia de que de fato, desde 1773 a Câmara funcionava representando o povo de Porto Alegre. Riopardense assinala: ”No inicio representava o povo todo do continente do Rio Grande de São Pedro. Promoveu como pôde, desde então, o bem comum em toda a área até 1809, quando surgem mais três Câmaras para cuidarem de áreas mais distantes.”

Os documentos relativos a transferência da Câmara de Viamão para Porto Alegre não se resumem a Ata de 6 de setembro de 1773, contudo. No Arquivo Histórico de Porto Alegre Moyses Velinho encontram-se além da referida Ata, a primeira em Porto Alegre e que é considerada a Ata de fundação do Legislativo, outros documentos que revelam as determinações ao redor de sua transferência. Em 25 de julho de 1773, José Custódio de Sá e Faria, governador do Continente de São Pedro, vê a necessidade da transferência da capital de Viamão para o Porto de Porto Alegre, dando ciência àquela Câmara em 25 de julho de 1773. Em 29 de agosto de 1773 foi realizada a última reunião em Viamão e em 6 de setembro, já é feita em Porto Alegre. O que Riopardense assinala é a rapidez com que foi conduzido o processo, revelando um interesse dos próprios vereadores em assentarem-se em Porto Alegre.

Por outro lado é importante observar nas Atas posteriores a 1773 e anteriores a 1810 constantes dos Anais do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, que o conteúdo de suas providências trata de inúmeras medidas diretamente ligadas a Porto Alegre, como a nomeação de almoxarife, arrematação de contrato de açougue, editais proibindo porcos soltos na cidade (sic!), pagamento pela criação de expostos, entre outras medidas para a capital. A Câmara é de Porto Alegre de fato, mas não de direito, o que é corroborado por Sérgio da Costa Franco, em seu Guia Histórico de Porto Alegre onde pode-se ler::”A história do parlamento municipal de Porto Alegre remonta ao dia 6 de setembro de 1773, data em que os membros da Câmara de Viamão pela primeira vez se reuniram na Vila de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre”. E completa:” As determinações superiores eram de que não só a Câmara passasse a funcionar em Porto Alegre, como também os respectivos oficiais viessem a residir na capital”, lembra Franco.

Finalmente, o estudo mais detalhado da história da Câmara Municipal “Os homens bons e a Câmara Municipal de Porto Alegre”, de Adriano Comissoli, Tese de Mestrado orientado por Maria Fernanda Bicalho no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, onde seu autor faz um estudo detalhado da história da Câmara do período. Comissoli lembra que o Riogrande do Sul setecentista apresentou algumas peculiaridades no que se refere ao desenvolvimento das Câmaras Municipais. Primeiro é, de fato, como lembra Gervásio Rodrigues Neves, tratava-se de uma única Câmara na capitânia, e que a mesma acabavam integrando o aparelho administrativo de toda região. O problema, e dái a distinção da posição de Gervásio, é que o próprio termo Capital da capitania era dado pelo fato de ser sede do governo, independente da localização ou condição formal da localidade em questão “era capital aquela povoação que abrigava a casa do governador, a provedoria da fazenda Real e a Câmara. A condição de capital independia do fato de uma localidade ser vila ou cidade por decreto real, donde se apura certo pragmatismo das autoridades portuguesas, mais preocupadas com a face prática da administração do que com as questões formais da mesma”(Comissoli, p. 169).

Por outro lado, salienta Comissoli, as duas transferências da Câmara tiveram motivos diferentes. A primeira mudança, de Rio Grande para Viamão, foi ato provocado pela invasão da primeira localidade por tropas espanholas, fugindo completamente ao controle de qualquer instância lusa de poder, devendo-se a necessidade única de garantir a administração. Já a segunda alteração, que mais nos interessa, de Viamão para Porto Alegre, teve como fundamento a necessidade de encontrar uma localização melhor para a administração da capitania e foi dirigida pelo governador José Marcelino com o respaldo do vice-rei Marques do Lavradio “Ação capitaneada pelo poder central, portanto. Neste sentido, a nova transferência objetivava uma melhor posição estratégica do aparato de governo: facilidade de transporte fluvial e melhor condição de defesa.(...)em Porto Alegre, os comerciantes ganham cada vez mais espaço junto a Câmara, fazendo desta o meio de expressão de seus interesses”.

Ao contrário do apontado pelo Prof. Gervásio Rodrigues, a posição posição até hoje adotada na Câmara diz respeito à história. Considera os documentos de transferência do legislativo (a Ata de 6 de setembro de 1773) mas a coloca em seu devido contexto histórico, o que significa reconhecer a importância de pensar-se a Câmara em Porto Alegre, no período em questão passa a ser Câmara de Porto Alegre. A transferência da Câmara não é uma alteração geográfica apenas, mas uma ação politica. Diz Comissoli: “nossa interpretação é de que três fatores mostraram-se fundamentais na decisão da transferência da Câmara: o panorama político do continente, a posição estratégica de Porto Alegre e sua condição portuária, mais propícia ao comercio do que a de Viamão”.(Comissoli, p.43). Finaliza: “O fato é que em termos de sua composição (vereadores) é praticamente a mesma a Câmara de antes de 1810 com a que vem a seguir”. Daí a razão de assumir-se Câmara de Porto Alegre.

A Câmara nasceu em 1773 de fato, mas não de direito. A data é uma referência na história da cidade. Não se trata de desconhecimento, como aponta Gervásio, mas ao contrário, como mostra Comissoli, é preciso pensar em termos da mentalidade da época e o significado que foi sua transferência, analisar sua composição, o papel pensado para a região no périodo para concluir-se que a Cidade e sua Câmara estava adiante de seu tempo. Que outros historiadores como Sérgio da Costa Franco, Riopardense de Macedo e Adriano Comissoli corroborem esta afirmação, é apenas um indicador que a disciplina de história, em que pese os documentos, também é influenciada pelas interpretações. A idéia de discutir o processo histórico de poder no Rio Grande do Sul, proposta por Gervásio deve ser preservada; sua idéia de alterar a data de fundação da Câmara, em que pese gerar um bom debate, em nada ajudará a esclarecer os rumos históricos que o Parlamento tomou neste período. A adoção da data de 1773 é uma referência que merece ser valorizada e não desprezada pela cidade, ao contrário, deve ser contextualizada – como já é – com os devidos problemas de periodização da história da capital apontadas por pesquisas recentes.