segunda-feira, 23 de maio de 2011

Museus e Exposições




Foi Christian Goldsmith que no último dia 17 chamou a atenção no Correio do Povo para a importância das exposições nos museus, em especial, o fato de que nossos museus estão recebendo acervos mundiais. Confesso que sou conservador em termos de museologia. Desde que Andréas Huyssein apontou para o fato de que os museus estão cada vez mais se tornando parte da indústria cultural, museólogos e historiadores se defrontam com o problema de como construir suas exposições e para que fins. Na era das massas, fotografias originais do passado dão lugar a plloters adesivados imensos, objetos originais cedem espaço à réplicas. Por todo o lado vemos a substituição de modelos tradicionais de produção museólogica por modelos ditos “modernos”. Na adoção de novos recursos, entretanto, podemos perder o fundamental: a exposição deve estimular à reflexão, a tecnologia deve servir à educação. O que muitas vezes se vê, no entanto, é a adoção de recursos que visam a fascinação do público e a estimulação de seus sentidos em detrimento da relação com o saber. Vai-se aos museus para gozar e não para aprender.

Para o pequeno museu, isto é um drama. Como competir com exposições do porte de “Titanic”? Como competir com exposições internacionais? Atrair público para os museus entrou em sua fase concorrêncial: ganha quem fizer as exposições que impressionem mais os sentidos. Entramos na era do mega-evento, era do museu-espetáculo. Confesso meu mal estar com tudo isso. Pode-se fazer boas exposições com poucos recursos, focando no objeto e na didática, saída adotada pelos pequenos museus do interior, por exemplo. As exposições estão ficando cada vez mais perenes: como são mega-exposições, levam meses para serem construídas para depois desaparecer como por completo nos depósitos dos museus. No Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, desenvolvemos o projeto Exposições Itinerantes, que hoje conta com 81 exposições que vão para escolas e instituições, preservando a pesquisa e multiplicando seu alcance junto ao público. (
http://www2.camarapoa.rs.gov.br/default.php?reg=1508&p_secao=117).

O espaço museal está absorvendo rápido demais a idéia de que sua função é incrementar o turismo. Transformado em lugares de comércio, está se distanciando de sua função primordial: a educação. Nesta data, os museológos devem decidir a quem servem: se a um sistema que valoriza a performance, ficarão com a mega-exposição e todo o conjunto de signos que ela envolve. Mas se preferirem um sistema que valoriza a cidadania, voltar-se-ão para o trabalho educativo dos museus. Pois não há nada de pior nesta data de que ver as instituições que deveriam preservar a memória serem as primeiras a efetuar seu esquecimento.


Publicado no Jornal Correio do Povo em 23/05/2011

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Para onde foi o comunismo?



"A principal crítica que faço ao capitalismo liberal não é que ele seja prejudicial, mas que não pode durar para sempre. O comunismo precisa ser reinventado" Slavoj Zizek.

Em 2009, uma série de conferências realizadas em Londres
[1] constatou que três coisas levaram a hegemonia da idéia do capitalismo liberal: as derrotas da esquerda mundial na década de 90, o retrocesso das políticas do estados-de- bem-estar-social e a integração das economias socialistas ao mundo capitalista. Por outro lado, lembraram seus participantes, este contexto de hegemonia ideológica entre o 11 de Setembro e a crise financeira de 2008, sofreu um baque que trouxe de volta um tema caro aos pensadores de esquerda, a defesa da idéia de emancipação política. Entre os palestrantes do referido seminário destacou-se Slavoj Zizek, cujas obras tem analisado o cenário político mundial e suas contradições, na análise da política de países tão diversos como o Afeganistão, os Estados Unidos e à China. Expoente do que Yannis Stavrakakis denominou de “Esquerda Lacaniana”, Zizek rejeita o pensamento da antiga esquerda estalinista e da nova esquerda, apresentando em suas obras uma reorientação da Teoria Política e da análise crítica do mundo contemporâneo, numa perspectiva surpreendente que seria impossível imaginar dez anos atrás. Entre seus principais representantes, encontra-se também Cornelius Castoriadis e Alain Badiou.[2] .

Para Zizek existe um resto no comunismo que não pode ser desprezado. O pensamento de esquerda que defende a democracia liberal é limitado porque não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social. A esquerda atual aceita com muita naturalidade que o capitalismo seja nosso destino final – só nos resta corrigir alguns equívocos e revoltarmo-nos contra o desperdício irracional de recursos,etc, etc. Para Zizek as experiências reais comunistas foram sangrentas sim, mas não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo global atual em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. Se queremos mudar este estado de coisas, se queremos emancipação política, precisamos de filosofia, e nesse sentido, o comunismo ainda tem valor ao estabelecer a igualdade como um padrão para as políticas que possam vir a surgir.

Dunker
[3] enumera três características do pensamento de Zizek que o tornam referência nos estudos sobre o cenário internacional. Em primeiro lugar é o fato de que Zizek é um intelectual engajado, tomando posição e relendo os aspectos simbólicos ocultos nas mais diversas práticas políticas. Filho de comunistas linha-dura e após amargar anos de desemprego – Zizek foi reprovado para o concurso de professor de filosofia – redigiu os discursos da burocracia estalinista do Comitê Central da Liga Comunista da Eslovênia. Assim viu a formação do discurso nacionalista sérvio e a construção ideológica de Kosovo que percebeu como realização imaginária da identidade nacional iugoslava, uma mitologia histórica contemporânea. Percebeu assim os limites do marxismo de seus contemporâneos vivendo os enlances do socialismo e do capitalismo, seja pela imposição do socialismo iugoslavo ou pelo interesse do capital ocidental na emancipação da Eslovênia.

Em segundo lugar, como fundador da Escola Lacaniana da Eslovênia, uma frente ampla de resistência política que inclui diversos autores e suas reflexões sobre teatro, artes plásticas e música, teve oportunidade de ampliar o campo de análise dos fatos políticos. Foi nesse período dos anos 80 que Zizek foi à Paris e estudou Psicanálise – sua tese de doutorado é sobre Hegel e Lacan. Com isso, Zizek conseguiu fazer uma reflexão não apenas sobre a desintegração dos Estados socialistas do Leste Europeu como ao mesmo tempo discutir a fragmentação política do capitalismo pós-moderno. Obras como O sublime objeto da ideologia (1989) apresenta a tese de que a ideologia atual só funciona porque se articula a uma fantasia, cenário imaginário que oculta um antagonismo social. Se o marxismo falava da “liberdade” da venda da força de trabalho, para Zizek isto é uma fantasia, já que ao vender “livremente” sua força de trabalho, o que o trabalhador perde é justamente a sua liberdade. Sua critica não é a substituição de homens por coisas, mas ao próprio desconhecimento da relação estrutural de seus elementos “a fantasia ideológica não se opõe a realidade, mas estrutura a própria realidade social”
[4].

Em terceiro lugar, Zizek deseja o retorno aos fundamentos da política ou o exercício da política propriamente dita (proper politics). Ela se opõe a pós-política do pós-marxismo inglês e do multiculturalismo, pois entende que as discussões sobre identidade étnica, sexual ou nacional terminam por desconhecer a importância da noção de classe, e assim despolitizam o político. Ela se opõe a arquipolítica, aqui entendida como diluição da política na ascensão do ideal comunitário de destino (religião), porque esta sempre termina em terror. Ela se opõe a ultra-política, definida como certa forma de decisionismo à maneira de Carl Schmitt, que permite distinguir um “terror bom “ de um “terror mal”.
[5] Para Zizek, a política propriamente dita considera o antagonismo do Capital como ponto central, o tema da luta pela liberdade como objetivo e o estudo das formas de perturbar as fantasias ideológicas dominantes como estratégia política.

É a partir desta base teórica que Zizek propõe o retorno aos fundamentos do Comunismo, daquilo que ele chama de idéia comunista. Em Aprés la tragédie, la farce!
[6] Zizek demonstra que estamos vendo sem criticar a consolidação de uma nova etapa do Capitalismo onde a democracia e o livre mercado cessam seus laços e em seu lugar emerge a face autoritária do Capitalismo. É o caso do novo capitalismo chinês que surge das cinzas de seu comunismo. Herdeiro do autoritarismo dos antigos governos asiáticos totalitários, é inspirado no modelo de Cingapura após a queda do regime soviético. O capitalismo chinês representa um grande perigo para a idéia de comunismo não porque representa o seu abandono, mas porque significa uma versão autoritária que não exige grandes mudanças políticas, mas ao contrário, centralização com controle da liberdade de expressão, sem falar do uso indiscriminado da pena capital. O mesmo pais que teve com Mao a Revolução Cultural - e portanto foi a fundo na proposta comunista – foi o que reuniu mais condições para o capitalismo autoritário. Para Zizek a China diz simbolicamente ao mundo é que é possível apenas ganhar dinheiro sem dar importância a democracia e aos direitos humanos. E isso, para Zizek, é inconcebível.

No Capitalismo, as supostas liberdades de escolha se reduzem apenas aquilo que o sistema já escolheu “como a opção entre Pepsi ou Coca-Cola”. De fato, Zizek tem uma experiência pessoal muito significativa no campo do comunismo, já que ele viu, melhor do que ninguém, antigos partidários do comunismo desiludidos assumirem como os mais preparados a gestão da nova economia capitalista. Zizek recusa este realismo capitalista como resposta à utopia comunista ditado pelos adeptos do Fim da História (Fukuyama) e acreditou que devia estar em outro lugar a resposta. A confirmação veio com o final dos felizes anos 90, o 11 de setembro, com a emergência de muros entre Israel e Cisjordânia e na fronteira dos Estados Unidos com o México e se completa com a revolta das populações dos países islâmicos. O mercado e a ditadura não funcionam bem quando deixados por sua conta porque eles precisam de violência sobre o social para funcionar e se baseiam na existência de desigualdades sociais. Zizek defende o conceito de igualdade tal como pregado pelo comunismo como princípio para refundar a política. Ele não abandona a idéia de democracia, mas critica por exemplo as posições das democracias no caso do Tibete em seu conflito com a China, em 2008. Ali onde as democracias viam opressão, Zizek via um Tibete capitalizando-se subterraneamente: mais forte que o autoritarismo chinês era o fim das relações tradicionais na região promovidas pelo capitalismo.

Zizek não quer saber se a idéia do comunista é pertinente hoje. Ao contrário, pergunta: "Como a nossa situação atual aparece da perspectiva da idéia comunista?”. Ao recuperar a dialética do velho e do novo, ele nos mostra de que de nada adianta aprender novos termos para nossa época se não damos conta dos velhos termos - sociedade liquida (Bauman), sociedade pós-moderna (Lyotard), sociedade do risco (Beck) e sociedade da informação (Castells) – todas estas reflexões nos fazem perder tempo para fazer a questão central “o que era eterno no velho conceito de comunismo?”, única forma verdadeira de apreender o que há de novo no mundo.


Zizek afirma que na luta política é preciso defender um mínimo não negociável: para o revolucionário de hoje é não ceder para a sedução de um capitalismo de face humana. A pobreza e a miséria são dados estruturais do capitalismo. Zizek tem todas as respostas para os destinos da política atual? é claro que não!. Mas ele faz perguntas essenciais para a luta ideológica.
.




[1] A Conferência realizou-se em Londres, de 12 a 15 de maio de 2009, no Birbeck Institute, e os discursos das conferências foram publicados por Slavoj Zizek e Alain Badiou na obra “L’Idée du communisme pela Editora Lignes, em 2010. Entre os conferencistas estavam Terry Eagleton, Michel Hardt, Toni Negri, Gianni Vattimo, entre outros.
[2] Conforme Yannis Stavrakakis, La Izquierda lacaniana. Psicanálise, teoria, política. Buenos Aires, Fondo de Cultura Econômica, 2010. Professor da Escola de Ciências Politicas da Universidade Aristótles de Tessalônica, Stavrakakis é autor de Lacan e o Político (2008), Laclau. Aproximaciones críticas a su obra (2008) e o Populismo como espejo de la democracia (2009).
[3] Cristian Dunker “Zizek: um pensador e suas sombras”IN: DUNKER, Christian e PRADO, José Luiz Aidar. Zizek critico: a política e a psicanálise na era do multiculturalismo. São Paulo, Hacker, 2005.
[4] Idem, p. 53.
[5] O decisionismo é uma premissa dos estudos políticos de Carl Schmitt que afirma que toda lei necessita de uma decisão baseada na realidade. Essa definição é essencial para fundamentar o nascimento das Constituições dos Estados Nacionais, e com isso a natureza dos poderes instituintes do Estado. Conforme Ana Paula Arruda Moraes, A soberania como questão de decisão sobre o estado de exceção. Uma análise sobre a ótica de Carl Schmitt. IN: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6483
[6] Paris, Flammarion, 2010.






Publicado no Jornal da Universidade, abril 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Bin Laden is dead!

A morte de Bin Laden é a forma escolhida pela maior potência do planeta para a comemoração dos dez anos do ataque às torres gêmeas. Centenas de americanos comemoraram a vingança consumada na morte do homem mais perseguido do planeta. Este é o momento Jack Bauer americano, momento em que os Estados Unidos assumem a prerrogativa de serem o lado do bem do planeta e que ao mesmo tempo suspendem todas as garantias de direitos em nome de algo maior, a realização de sua verdade. Quando Jack Bauer, no seriado 24 horas, usou de tortura para seus fins, o pensador Slavoj Zizek imediatamente apontou que este era o imaginário dos EUA. A morte de Osama é o lado real, complexidade objetiva da politica dos EUA e que mostra como a política americana pode ser seu exato oposto.
Qual a mensagem secreta americana com tudo isto: que os Estados Unidos são o senhor da justiça do mundo. Matar Obama sem julgamento? os americanos dizem que sim, foi resistencia, etc, e tal. No fundo, no fundo, o terrorismo não tem nenhum sentido e não se pode medi-lo por suas conseqüências: nesse sentido, a morte de Osama não inaugura nada, não é o fim do terrorismo propriamente dito. Levará – e já há a preocupação americana com isso – a levar o terrorismo ao extremo, exacerbando o atual estado de coisas. Porque não foi Osama que inaugurou o terror, ele já existe em toda a parte, na violência institucional, física e mental de nosso mundo, apenas em doses homeopáticas. Substituir o julgamento por um tribunal por uma corte militar é apenas outra forma de terror. Diz Baudrillard” o terrorismo apenas cristaliza todos os ingredientes em suspenso”.
Talvez o que seja curioso que até o presente momento, a morte de Osama seja, para a maioria das pessoas, uma morte virtual. Nossa realidade é virtual, nossos sistema de informação também, o que mostra o quanto estamos além do principio de realidade. E a morte de Osama também: uma imagem de seu corpo morto lançada na Internet é desmentida; o anúncio da morte fala de um corpo lançado imediatamente ao mar, nos termos dos procedimentos mulçumanos. Quem afinal viu Osama morto? Que o maior feito antiterrorista americano não deixe vestígios mais parece ser é a lição que os americanos levaram do próprio Osama, a de ser capaz de fazer algo sem deixar marcas, o que é a definição de Crime Perfeito de Baudrillard.