segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O caluniador, figura da barbárie

Publico o texto encaminhado pelo professor Rualdo Menegat, da UFRGS, por sua vez escrito por
Juarez Guimarães, na Carta Capital


De todas as eleições presidenciais realizadas após a redemocratização, esta é certamente aquela que a calúnia cumpre um papel mais central na definição do voto. Ela foi utilizada em um momento decisivo por Collor contra Lula, compareceu sempre todas as vezes nas quais Lula foi candidato mas agora ela mudou de intensidade e abrangência, tornou-se multiforme e onipresente. A calúnia foi ao centro da nossa vida democrática. A senhora ao lado no ônibus me diz que recebeu a informação que Dilma desafiou Jesus Cristo em um comício realizado na Praça da Estação, em Belo Horizonte. O motorista de táxi conta que um médico lhe assegurou que um outro médico, seu amigo, diagnosticou gonorréia em Dilma. Um e-mail recebido traz documento do TSE impugnando a candidatura de Dilma por ter “ficha suja”. Um aluno me diz ter recebido carta em casa da Regional 1 da CNBB, contendo mensagem para não votar em Dilma por ser contra a vida. Um comerciante na papelaria me diz que “não vota em bandida”. Após divulgar o resultado da primeira pesquisa Sensus/CNT para o segundo turno, o sociólogo Ricardo Guedes, afirmou que “nessa eleição, principalmente no final do primeiro turno, temos um fenômeno sociológico de natureza cultural de desconstrução de imagem. O processo de difamação, até certo ponto, pegou.” Quem conhece alguém que não recebeu uma calúnia contra Dilma ? Houve uma mudança nos meios: a internet permite o anonimato e a profusão da calúnia. A Igreja brasileira, sob a pressão de mais de duas décadas de Ratzinger, tornou-se mais conservadora na sua cúpula e mobiliza hoje uma mensagem de ultra-direita, como não se via desde 1964. A mídia empresarial brasileira, já se sabia, vinha trilhando o seu caminho de partidarização e difamação pública, no qual até o direito de resposta tornou-se um crime contra a liberdade de expressão. Mas tudo isso não havia encontrado ainda o seu ponto de fusão: agora, sim. O que está ocorrendo aos nossos olhos não pode ser banalizado. O caluniador é uma figura da barbárie, o sinistro que mobiliza o submundo dos preconceitos, dos ódios e dos fanatismos. A calúnia traz a violência para o centro da cena pública, pronunciando a morte pública de uma pessoa, sem direito à defesa. Perante a calúnia não há diálogo, direitos ou tribunais isentos. Na dúvida, contra o “réu”: a suspeição atirada sobre ele, visa torná-lo impotente pois já, de partida, a humanidade lhe foi negada. Mas quem é o caluniador, essa figura de mil caras e rosto nenhum? É preciso dizer alto e bom som, em público, o seu nome, antes que seja tarde: o nome do caluniador é hoje a candidatura José Serra! Friso a candidatura porque não quero exatamente negar a humanidade de quem calunia. É o que fez, com a coragem que lhe é própria, a companheira Dilma Roussef no primeiro debate do segundo turno, apontando o nome de uma caluniadora – a mulher de Serra – e chamando o próprio de o “homem das mil caras”. Dia a dia, de forma crescente e orquestrada, a calúnia foi indo ao centro de sua campanha, de sua mensagem, de sua fala, de sua identidade proclamada, de seus aliados midiáticos, de parceiros fanáticos (TFP) ou escabrosos (nazistas de Brasília), de sua estratégia eleitoral e de seu cálculo. “Homem do bem” contra a “candidata do mal”? Homem de uma “palavra só” contra a “mulher de duas caras”? Político “ficha limpa” contra a “candidata ficha suja”? Protetor dos fetos e dos ofendidos (como mostra a imagem na TV) contra aquela que “assassina criancinhas”, como disse publicamente sua mulher? Homem público contra a “mulher das sombras”? O que está se passando mesmo aqui e agora na jovem democracia brasileira? Que arco é este que vai da TFP a Caetano Veloso, quem , quase em uníssomo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chamou o presidente Lula de analfabeto e ignorante já no início deste ano? Afinal, que cruzada é esta e qual a sua força ? O que está ocorrendo aqui e agora é uma aliança dirigida por um liberal conservador com o fanático religioso e com o proto-fascista. Cada uma dessas figuras – que sustentam o lugar comum da calúnia – precisa ser entendida em sua própria identidade e voz. A democracia brasileira ainda é o lugar da razão, do sentimento e da dignidade do público: por isso, defender a candidatura Dilma Roussef é hoje assumir a causa que não pode ser perdida. Liberalismo conservador: o criador e sua criatura – Nunca como agora em que esconde ou quase não mostra a imagem de Fernando Henrique Cardoso, Serra foi tão criatura de seu mestre intelectual. É dele que vem o discurso e a narrativa que, ao mesmo tempo, dá a senha e liga toda a cruzada da direita brasileira. A noção de que o PT e seu governo ameaçam a liberdade dos brasileiros pois instrumentalizam o Estado, fazem reviver a “República sindical”, formam gangues de corrupção e ameaçam a liberdade de expressão não deixa de ser uma evocação da vertente lacerdista da velha UDN. Mas certamente não é uma doutrina local. A cartilha do liberal-conservador Fernando Henrique Cardoso é um autor chamado Isaiah Berlin, autor de um famoso ensaio “Dois conceitos de liberdade” e do livro “A traição da liberdade. Seis inimigos da liberdade humana”. Neste ensaio e neste livro, define-se a liberdade como “liberdade negativa”, isto é aquele espaço que não é regulado pelas leis ou pelo Estado contraposto à noção de “liberdade positiva”. Quanto menos Estado, mais liberdade; quanto mais Estado, menos liberdade. Ao confundir liberdade com autonomia, ao vincular liberdade aos ideais de justiça ou de interesse comum, republicanos, sociais-democratas, liberais cívicos e, é claro, socialistas, trairiam a própria idéia de liberdade. É por este conceito e seus desdobramentos que Fernando Henrique mobiliza o clamor midiático contra o PT e o governo Lula. É este conceito que estrutura também o discurso de Serra, que acusa o governo Lula de ser proto-totalitário. É evidente que o conceito não é passado de forma iluminista: a mídia brasileira tornou-se uma verdadeira artista na criação das mediações de opinião, imagem e notícia que se centralizam, em última instância, neste conceito. Daí ele dialoga com o senso comum. Seja dito em favor de Fernando Henrique Cardoso: é o lado mais sombrio de seu liberalismo que vem à tona agora, na cena agônica, quando o candidato que representa a sua herança ameaça perder pela última vez. Pois este liberalismo sempre foi de viés cosmopolita, atento em seu diálogo com os democratas norte-americanos e aos “filósofos da Terceira Via”, a certos direitos inscritos na pauta, como aqueles da liberdade sexual, do direito ao aborto legal, dos gays, dos negros, da vida cultural. Mas agora para fazer a ponte com o fanatismo religioso, ele resolveu descer aos infernos: nada sobrou de progressista na candidatura Serra, das ameaças à Bolívia à moral sexual de Ratzinger? O liberal conservador não é o fanático religioso nem o proto-fascista, aquele que julga que a melhor maneira de dissuadir o adversário é simplesmente eliminá-lo. Mas dialoga com eles na causa comum de derrotar os “proto-totalitários” de esquerda”. Como disse bem, Jean Fabien Spitz, autor de “ O conceito de liberdade”, os ensaios de Berlin trazem o sentido e a tonalidade da época da “guerra fria”. O fanático religioso: os frutos de Ratzinger – Se a social-democracia, o republicanismo e o socialismo são os inimigos de Berlin, a Modernidade em um sentido amplo é o inimigo central do ex-cardeal Ratzinger. O programa político- teológico que veio construindo a ferro e fogo nestas últimas três décadas é centrado na idéia que é preciso restaurar a dogmática da fé contra os efeitos dissolutivos da moral emancipadora, da racionalização científica e da secularização. Este discurso político, que se fecha no fundamentalismo religioso, como bem denunciou Leonardo Boff, é, na verdade, um discurso de poder, de recentramento do poder do Vaticano. Neste programa, não é apenas a esquerda enquanto topografia política que é o inimigo mas principalmente o processo de emancipação das mulheres. Entre a “Eva pecadora” e a “Maria mãe de Deus” não há outra identidade possível às mulheres. A dimensão fundamentalista desde discurso não reconhece o direito do pluralismo na política, nem mesmo na linha do “consenso sobreposto” proposto por John Rawls ( a possibilidade de convergências sobre direitos, partido de um pluralismo de fundamentos). Ou se concorda ou se é proscrito, ex-comungado ou desqualificado. É essa idéia força, que veio ganhando terreno na hierarquia do clero brasileiro a partir das perseguições à Teologia da Libertação, que agora irrompe na política brasileira, difamando Dilma Roussef. A calúnia é conveniente ao fundamentalista religioso: nesta visão de mundo, não há luz e sombra, não há e não pode haver semi-tons: quando Serra proclamou que o “direito ao aborto no Brasil seria uma carnificina”, ele estava dando a senha para a campanha difamatória da direita católica e evangélica. O proto-fascista e seus privilégios – Todo processo político e social de democratização e de inclusão tão amplo como o que está se vivendo no Brasil provoca reações de resistência e regressão política à sua volta. Mas este também não é um fenômeno apenas brasileiro: observa-se à volta de nós fenômenos e operações muito típicas daquelas que estão sendo promovidas pela direita republicana norte-americana contra Obama ou que percorrem quase todo o continente europeu em torno ao tema dos imigrantes. O proto-fascista brasileira não veste camisa preta nem usa suástica no braço ( embora, é claro, ninguém duvide, redes simbolicamente ostensivas estão em ação), nem precisa ser sociologicamente configurado como “lumpen proletariado” ou “pequeno burguesia vacilante”, para lembrar as figuras de uma linguagem simplificadora. O proto-fascista brasileiro é aquele que não quer receber em sua casa comum – a democracia brasileira – estes que não reconhecem mais o seu antigo lugar, os pobres e os negros. Há uma violência inaudita no ato do jornal liberal “O Estado de São Paulo” em punir com a demissão Maria Rita Kehl, por escrever um artigo em prol da dignidade dos pobres. Esta violência, que está muito distante do proclamado pluralismo mesmo restrito de alguns liberais, cheira a proto-fascismo, este ato que pretende abolir as razões públicas dos pobres simplesmente negando dignidade a eles. A força da liberdade que hoje mora no coração dos brasileiros, os braços abertos do Cristo Redentor e o que há de imaginação e magnífica pulsão de vida na cultura popular dos brasileiros são os verdadeiros antídotos contra as figuras do ódio do caluniador. Por detrás da sua máscara, o povo brasileiro há de reconhecer os centenários adversários de seus direitos. Diante do caluniador, somos todos hoje Dilma Roussef!

domingo, 24 de outubro de 2010

Colocando na Balança




Uma comparação enviada pelo Professor André Marenco da UFRGS é importante para a escolha de voto nas proximas eleições. Veja os indicadores levantados:




sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Luiz Antonio Araújo debate 11 de setembro

No dia 31 de outubro, Luiz Antonio Araújo, Coordenador do Caderno de Cultura de Zh e autor de BINLADENISTÂO, participará de um debate sobre o 11 de setembro.Vale a pena prestigiar o evento.


Cultura, guerra e terror

Passados nove anos do 11 de Setembro, os acontecimentos de Nova York e Washington e seus desdobramentos continuam desafiando o pensamento contemporâneo. “Vertigem” talvez seja uma expressão aproximada para descrever o efeito dos atentados de 2001 sobre as mentes de milhões de pessoas. Que tipo de acontecimento foi o 11 de Setembro? Inaugurou ou não um novo capítulo na História? E, se inaugurou, quais são os traços característicos desse novo capítulo? Existem Oriente e Ocidente e há possibilidade de entendimento entre eles? Essas serão algumas das questões abordadas no debate “Cultura, Guerra e Terror”, que se realizará às 16h de domingo, dia 31/10, como parte da programação da Feira do Livro de Porto Alegre.

Debatedores:
Alexandre Roche (diretor do Instituto Roche, doutor honoris causa pela UFRGS)
Sergio Tutikian (embaixador aposentado, ex-chefe do Departamento de Oriente Médio do Itamaraty)
Jurandir Malerba (escritor, historiador, professor do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS)
Apresentação e mediação: Luiz Antônio Araujo (jornalista, editor de Cultura de Zero Hora, autor de “Binladenistão – Um Repórter Brasileiro na Região mais Perigosa do Mundo”)

O QUE: debate “Cultura, Guerra e Terror”
QUANDO: domingo, dia 31/10, às 16h
ONDE: Sala dos Jacarandás do Memorial do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega)
INGRESSO: evento integrante da programação oficial da Feira do Livro de Porto Alegre. Entrada franca.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Dia do Professor na Câmara Municipal

Em homenagem ao Dia do Professor, nesta quinta-feira (14), às 14h, o ex-senador, escritor, jornalista, desembargador e professor universitário aposentado, e ex-secretário da Justiça e da Segurança do RS, José Paulo Bisol, ocupará a tribuna da Câmara de Vereadores da Capital (Av. Loureiro da Silva, 255), quando fará pronunciamento em homenagem aos educadores.A proposição é da vereadora Sofia Cavedon, vice-presidente da Comissão de Educação da Casa Legislativa. A homenagem será transmitida ao vivo pelo Canal 16 da NET.Aos professores, Outubros melhores, Primaveras mais fecundas...

Abaixo, mensagem de Sofia Cavedon a respeito:

Outubros são sempre simbólicos. Com a Primavera, as cores, os perfumes o tempo ameno, as crianças e os professores são festejados. Meses de esperança e de novos propósitos, de desejos de mudança. Pois nem a infância está protegida, nem os professores valorizados como queremos e precisamos!

Na era do conhecimento, da inovação, da velocidade, a educação segue no giz, no pó, na sala de lata, empobrecida nas condições físicas, nos salários, no currículo. Pede-se aos trabalhadores em educação que sejam homens e mulheres de boa vontade, aos pais compreensão quando se fecham bibliotecas para atender alunos sem aula, aos estudantes conformidade se não abre a sala de informática ou sequer existe... Trivializou-se tanto estas condições que o espanto e a indignação, quando expressos em mobilizações de trabalhadores ou de estudantes são, muitas vezes, repudiadas pela sociedade!A educação é exemplar da afirmação de Boaventura Souza Santos: tempos de mudanças vertiginosas e estagnação. Nunca tantas condições técnicas para superar desigualdade, miséria, violência, mas tão poucas condições políticas. O novo apartheid global que se estrutura, a retirada de direitos, a banalização da vida, o agravamento dos desequilíbrios ecológicos estão embaixo da capa da democracia sem condições democráticas, afirma ele. Embaixo do discurso da prioridade, a educação é miserabilizada. Quando o povo chega na escola, ela empobrece, superficializa, estagniza.Mas Outubros também são para o Brasil e para a Educação momentos de importantes escolhas! O povo brasileiro, apesar dos limites do sistema político, vai aprimorando sua avaliação buscando projetos, seriedade e compromissos.O Rio Grande escolheu um programa que afirma que uma educação democrática, de qualidade e para todos, é possível! É anúncio e compromisso com novos tempos para a Educação: de investimento e diálogo, de ampliação e qualidade.Estão de parabéns os professores e estudantes. As comemorações deste Outubros vão celebrar a esperança advinda das escolhas e vão anunciar Primaveras mais fecundas ainda!

Sofia Cavedon – Vereadora de Porto Alegre

sábado, 2 de outubro de 2010

A invenção da política


Este domingo é o dia da eleição. Todos aguardamos muito pela chegada deste dia. As escolas fizeram debates entre seus alunos. No trabalho, a política foi tema de discussões acalouradas. Em casa, a discussão sobre política mobilizou pais e filhos. Na imprensa, as eleições foram objeto de uma das mais importantes coberturas–investigativas de que se tem notícia: vimos a exaustão informações sobre atores políticos, sua história, suas idéias, seus méritos e suas contradições. Numa época em que se afirma o desinteresse com a política, como explicar tamanha vitalidade de interesse e participação dos cidadãos?

Para Francis Wolff, especialista em filosofia antiga, a diferença ente as sociedades primitivas e a nossa está no fato de as primeiras são comunidades que evitam a política, resistindo com suas forças a tudo aquilo que se assemelhe ao poder, consequência da busca da chamada Terra Sem Mal “como se o mal aqui embaixo fosse a política”. Ao contrário, das sociedades gregas até a nossa desenvolveu-se um sentimento de amor pela política, expressão de sociedades que organizam-se politicamente e vivem da política. Diz o historiador J.-P. Vernant: “É a emergência de um campo privilegiado em que o homem se percebe capaz de regrar por ele mesmo, através de uma atividade de reflexão, os problemas que lhe concernem, depois de debates e discussões com seus pares”.

Inventar o político é assim fazer com que não haja outro poder além daquele que a própria comunidade exerce sobre si mesma, inventando ao mesmo tempo os meios para que ela tome o poder para enfrentar o mundo. Por esta razão, para Aristóteles, a política é o gênero de vida mais elevado, o que define a vida humana propriamente dita. Nada é mais digno para um homem do que viver a política, identificar-se com a boa política, considerada como uma dimensão única. Parafraseando Walter Benjamin e Zygmund Baumann, podemos afirmar que a política, assim como a vida, é uma obra arte.

Num mundo aparentemente tão desencantado para com a política, ver o frenesi que toma conta da população as vésperas de mais uma eleição é um motivo de alegria. Você pode discordar deste ou daquele ator político,mas por um movimento misterioso, você é arrastado pela política. No dia de hoje a sociedade brasileira, através das eleições, tem a oportunidade de reinventar si própria. Pois ainda que exista a corrupção, os Tiriricas da vida e todos aqueles que fazem com que a política seja algo ruim, a possibilidade de reconstruir tudo isso está sempre em aberto. Os espaços de discussão sobre política que criamos na vida cotidiana mostram que ainda acreditamos que é possível construir coletivamente o nosso futuro.

Por esta razão, no dia de hoje, vote. E, como diriam os antigos, vote bem, cuidando para que seu voto não fuja ao seu destino.
Publicado em Zero Hora em 02/10/2010

Partenon Literário

É triste o destino das instituições culturais em nosso Estado: as grandes e oficiais, como o Memorial do Rio Grande do Sul, padecem da carência de recursos; as pequenas e particulares, sequer contam com sede para sua existência e sobrevivem pelo esforço e dedicação de seus integrantes. É o caso da Sociedade Partenon Literário. Criada em 1868, reuniu à época a nata da intelectualidade gaúcha; hoje sobrevive pela dedicação de meia dúzia de pesquisadores voluntários, entre eles Benedito Saldanha. Pior: não contam com nenhuma sala para seu acervo de preciosas obras de história do Rio Grande do Sul.

O Partenon Literário é vítima da falta de políticas públicas para as pequenas iniciativas culturais. Em todo o Estado, pequenos produtores culturais produzem a base da cultura gaúcha. E eles não tem apoio nenhum do Estado. Deveriam ter. Em Porto Alegre, você já ouviu falar do rico acervo das Olimpíadas Universitárias de 1963, ou do rico acervo das fotografias das origens do futebol de várzea, ou ainda, do próprio acervo do Partenon Literário? São exemplos de acervos significativos de nossa história que hoje sobrevivem nas mãos de particulares quando deveriam contar com apoio do Estado e serem de acesso público. Já vimos imagens até de catadores de lixo que reúnem verdadeiras bibliotecas públicas e nada fazemos! Isto precisa mudar.

As necessidades do Partenon Literário são pequenas: eles humildemente pedem uma sala apenas. Numa cidade do tamanho de Porto Alegre e com seu imenso parque cultural, imaginar que uma entidade cultural precise mendigar por um espaço é revoltante . Se não temos uma sala para oferecer a uma instituição centenária como o Partenon Literário é porque há muito tempo deixamos de ter políticas públicas de cultura. E não faltam serviços que possam ser dados em troca: hoje o Partenon Literário realiza um Sarau Literário com amplo sucesso de público, em espaços cedidos por instituições de boa vontade. Mas depender da boa vontade das instituções não é a melhor forma de produzir cultura. É preciso mais.

Daí o nosso apelo a Secretário de Cultura do Estado: que encontre, entre os órgãos de cultura do Estado – e são muitos – um espaço para alojar a Sociedade Partenon Literário. Algo bom, simples e modesto, como é o Partenon hoje. Pois uma política cultural – e a Secretária é criticada por não ter uma – exige ações que frutiquem, que sejam fecundas. É este o caso. Para a Secretária, que está prestes a abrir mão do cargo, esta seria uma última atitude que enobreceria sua gestão e que garantiria o futuro de uma institução que muito ainda tem a contribuir para a cultura do Estado.

A responsabilidade pelos acervos gaúcos

A iniciativa da recuperação do acervo do jornalista e vereador Alberto André (Zero Hora, 22/4) tem um significado importante na trajetória das lutas pela preservação dos acervos gaúchos: é um exemplo da responsabilidade que deve assumir o poder público com relação à memória gaúcha.

Fui responsável na Câmara Municipal de Porto Alegre pela formulação do seu projeto de salvamento. Em 2009, a família procurou a Câmara Municipal para ajudar a solucionar o problema em que havia se transformado a enormidade de livros e documentos acumulados em sua residência por Alberto André.

O levantamento preliminar mostrou que estávamos diante de uma biblioteca para amplo público. Alberto André possuía em seu acervo ricas e raras coleções de literatura dos anos 30 e 40; exemplares, às vezes de primeira edição, de obras consagradas de história, de ciências humanas e outras disciplinas e uma rica coleção de recortes de jornais (hemeroteca) onde se via a atenção que Alberto André dava aos temas da capital. Esse acervo não poderia ser perdido e nem objeto da disputa dos livreiros de plantão.

Desde o inicio do projeto, o conceito central do projeto era de que o acervo era patrimônio que aspirava a ser público. Mas havia ainda outro motivo para empenhar-se na sua preservação: o fato de que no mesmo período, a cidade viu ir para outro estado os preciosos acervos de Érico Veríssimo e Mário Quintana.

A estratégia que levou a preservar no Rio Grande do Sul este acervo atende pelo nome de parceria. Nenhuma das instituições envolvidas possuia condições de assumir sozinha o projeto, mas juntas, o salvamento era possível. Ao Legislativo e a Universidade Federal couberam o papel de assumir suas prerrogativas enquanto instituições públicas: a construção do Laboratório de Restauração deve ser entendida como elemento de uma política pública de preservação de acervos. Não é um Laboratório de primeiro mundo, é verdade, mas contém a estrutura básica para atividades do gênero: todo o mobiliário foi recuperado a partir de doações das instituições envolvidas e recursos de informática foram doados pela Câmara dos Deputados. É o exemplo de uma estratégia de salvamento a custo zero e que pode ser imitada!

O trabalho está apenas começando e é grande a responsabilidade da Universidade Federal. A participação da ARI foi essencial ao ceder espaço em sua sede e assumir o destino final do acervo, mas é como exemplo de uma política pública à serviço da preservação da memória que a experiência deve ser valorizada.

Museus e a Harmonia Social

"Não existe nada pior do que alguém querendo fazer o bem, principalmente o bem aos outros" Michel Maffesoli, A Parte do Diabo

Custódio é um dos grandes profissionais da memória do Rio Grande do Sul e tem todo o nosso respeito e admiração, mas não posso deixar de manifestar estranheza pela publicação de “Os museus e a harmonia social” (ZH, 18/05). A razão é simples: em sua base, o conceito de harmonia é puramente Funcionalista - o tema agrada aos ouvidos mas há tempos foi superado pelas Ciências Sociais. Ver como tema escolhido pelo Conselho Internacional de Museus só pode ser um equivoco, já que poucos resultados pode dar na prática. Senão vejamos.

Ligada ao sociólogo Talcott Parsons, na concepção Funcionalista a sociedade é um organismo estável. Desenvolvida entre a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, desde os anos 60 começou a ser alvo de críticas, principalmente por aqueles que viam que o Funcionalismo promovia medidas ineficazes de mudança social. Além disso, o Funcionalismo é criticado por descrever instituições sociais apenas por seus efeitos e, dessa forma, não explicar suas causas.

E cá entre nós, a China não parece ser a melhor conselheira em termos de memória. Sinônimo de gigantismo e força, explora milhões de trabalhadores em suas manufaturas que trabalham sem parar. O Partido Comunista Chinês faz duras restrições aos jornalistas estrangeiros, defende uma memória oficial e o acesso a Internet e trasmissões da CNN e BBC chegaram a ser interrompidas no país. Apoiou o Sudão, fornecedor de petróleo a Pequim e acusado de matar milhares de pessoas em Darfur. Defender políticas para a memória, em definitivo, não é com eles.

Melhor do que falar de harmonia, como sugere a Teoria do Consenso, seria falar em termos de Teoria do Conflito. Desde Marx de Ideologia Alemã, temos a idéia de que para chegarmos a sociedade ideal devemos enfrentar os conflitos e desmascarar as ideologias. Frente ao processo galopante de produção do esquecimento, caracteristicos de nossa época, o melhor seria falar como Andréas Huyssein em “direito à memória”. Além disso, defender a idéia de que no Brasil a impera a miscigenação racial é outra forma de repetir a idéia de “cadinho da cultura”, divulgado por Gilberto Freire: nada mais sem conflitos!

Os museus tem um compromisso com o entendimento da realidade sim, mas esta, não é repleta de flores. Em seu âmago encontra-se a lógica do capital, explicitada em detalhes por Robert Kurz e Slavoj Zizek, que em tempos de globalização, não cessa de se expandir. No Dia Internanacional dos Museus, o que as instituições de memória e seus profissionais devem fazer, se quiserem de fato contribuir para a construção de uma sociedade melhor, é denunciar através de seu trabalho os conflitos e contradições que estão diante de seus olhos, e não lutar por uma suposta “harmonia social”. Que os agentes de memória devam encarar seriamente a questão de sua responsabilidade na crítica social, é o mínimo que se espera neste inicio do século XXI.

Em defesa da cidadania

João Carlos Nedel é vereador em Porto Alegre e dos bons. Quando o PT administrava a Prefeitura, denunciava sem parar as deficiências dos serviços públicos. Sua página na internet (www.nedel.com.br) tem um diferencial: pedido de providências on line. Que sacada! Eis um vereador adiante de seu tempo. Isto é bom para a democracia, é bom para a cidade.

É por isto que causa espanto seu debate com a Verª Sofia Cavedon nas páginas do Jornal do Comércio (JC 1º e 6 /7 /2010). Sofia é contra a privatização do Cais do Porto, do Morro Santa Teresa e do Auditório Araújo Viana. Acredita que esta política só favorece a especulação e o enriquecimento privado, retirando direitos dos pobres e necessitados. Nedel defende a posição do governo porque acredita que, se nada for feito, não resolveremos os problemas da cidade. Diante do impasse, quem está com a razão?.

O que diferencia o argumento de Sofia do de Nedel é que, enquanto ela afirma que existem bens na cidade que só os cidadãos são capazes de decidir sobre o seu destino – a defesa da participação - ele afirma que os governantes são competentes para esta decisão – a defesa da representação. O debate aponta para a necessidade de rever os contornos da pluralização da representação política nos municípios, isto é, a importância de considerar também a diversificação do lócus, das funções e dos atores da representação política para além do legislativo e do executivo. E nisto, Sofia tem razão.

A legitimidade dos interesses dissonantes do governo tende cada vez mais a ocupar o espaço do debate público e cabe aos políticos assumirem seu papel de mediadores neste processo. Nenhuma legitimidade é "inerente" ao fato de ser governo, e mais do que se oporem, há inegável complementaridade entre democracia participativa e democracia representativa. Deu conflito? Plebiscito.

O desejo secreto do Ministério Público

Notícia de Zero Hora (13/7) anuncia um terremoto para os mais de 15 mil funcionários públicos de Porto Alegre. O promotor Eduardo Iriart está propondo a redução dos já depauperados salários dos funcionários públicos municipais. É dele a idéia de redução dos valores de cálculo das gratificações e regime dos servidores públicos. Em seu entendimento, há um erro no calculo salárial que precisa ser revisto e por esta razão os salários devem ser reduzidos. Culpa do efeito cascata. Sua ação inicial é contra o DMAE, DMLU, Demhab e FASC, justamente os órgãos onde os salários são mais depauperados. Iriart pode até estar certo tecnicamente em seu pleito, do alto de seu magnífico salário de promotor público. Mas o fato é que sua pequena justiça fará uma grande injustiça a centenas de funcionários públicos. Vale a pena corrigir um mal menor para produzir um mal maior?

O que está em andamento é o ensaio geral de um amplo processo de redução dos direitos dos servidores públicos. Se tiver sucesso em sua jogada, Iriart terá conseguido algo que nem os neoliberais em seus melhores sonhos ousaram imaginar: um galopante processo de proletarização da função pública. A quem interessa essa ação? Não à sociedade, que precisa dos servidores públicos e reconhece seus parcos salários. A verdade é que com a democratização, o MP assumiu uma função primordial na defesa dos mais necessitados. O problema é que, como o MP nasceu constitucionalmente com a ampla e vaga função de “ defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, passou a ser fiscal de tudo e de todos, sem exceção. Mais: essa tarefa constitucional terminou por alterar sua cultura de organização pública. Com o ego inflado pela cobertura jornalística, tendo ascensão meteórica no plano público, o MP não tardou a realizar por conta própria investigações, gerando conflitos entre os poderes, como foi no caso do assassinato do vice-prefeito Eliseu Santos.

O que pretende Iriart pode ser legal, mas certamente não é justo. Ele é o pivô do nascimento de uma crise no Estado que só pode ter um objetivo: produzir um único vitorioso, o próprio MP, que assim dá mais um passo na construção de seu projeto secreto, o de transformar-se no Quarto Poder, e assim, assumir a posição que realmente deseja e oculta, a de se transformar na única referência pública. Isso é profundamente religioso: o MP quer se tornar Deus.

Como na França

Fábio Wrasse (PDT), o presidente da Câmara de Triunfo, é igual a Carlos Napoleão Bonaparte. Quem é este? É, antes de tudo, o farsante que protagonizou um golpe de estado para continuar no poder na França em 1851. Eleito presidente do país em 1848, três anos depois impôs uma ditadura em 2 de dezembro de 1851. A data era também o aniversário de 47 anos da coroação de seu tio, o general e estadista Napoleão Bonaparte, como imperador da França. É essa repetição de Napoleões no poder que inspira Karl Marx em sua obra “O 18 do Brumário de Napoleão Bonaparte” a cunhar a máxima “A história acontece como tragédia e se repete como farsa”.

É nisso que Fábio Wrasse e Carlos Napoleão Bonaparte se assemelham. Os dois são exemplos de uma tragédia que retorna como farsa. Quando a RBS TV noticiou em 2006 que vereadores e servidores de câmaras municipais usavam diárias para fazer turismo, já era de se ficar de cabelo em pé. Quando em 2008, nova reportagem mostrou a viagem de um vereador e quatro assessores de Eldorado do Sul à Criciúma, para ganhar diárias, a sensação era de “déjà vu”. E agora, quando vemos Fábio Wrasse correndo das câmaras de tv como o diabo da cruz estamos diante da farsa, este ato burlesco e ridículo de maus políticos e que há muito deveria ter sido varrido da política.

O que a sociedade exige a mais de quatro anos é que os políticos sejam responsáveis com a máquina pública. A viagem de “férias” dos vereadores é mais do que um gesto de pura libertinagem infantil, é a negação do significado de república. Inventado pelos romanos, a palavra república vem do latim res (coisa) e pública (pública), ou seja, algo que diz respeito a todas as pessoas que vivem na sociedade, em latim, civitas. Quando dizemos que algo é republicado, é porque queremos dizer que pertence ao todo social, a todos os cidadãos. É o caso do dinheiro público.

Estas “arapucas” de fazer dinheiro, os cursinhos de vereadores, precisam ser combatidas. Exemplos da corrupção da boa idéia de formação, elas devem ser substituídas pela formação nas Escolas do Legislativo, que já existem em muitos parlamentos, e pelos cursos promovidos por entidades idôneas, como a Associação dos Servidores de Câmaras Municipais do Rio Grande do Sul (ASCAM) ou da Associação Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais (ABRASCAM), ou pelas Universidades públicas e privadas.

Qualificar servidores e políticos é uma necessidade. Os exemplos de farra de diárias são nefastos à democracia porque destroem a crença na política e o valor da qualificação dos políticos. Esses maus exemplos não devem fazer abandonar nossas esperanças nas instituições políticas e nem o valor da formação de seus agentes; devem-nos, isto sim, levar-nos a disciplinar, com maior rigor, as formas de seu exercício, para possibilitar aos bons políticos condições para seu trabalho e impedir os maus políticos de se locupletarem com a função pública.

A Infraero Mata

Gilles Lipovetsky, na obra Tela Total (Editora Sulina), diz que o espetáculo de nossa época é ver telas do cinema espalhadas pelo mundo. Da televisão ao telefone celular, do computador ao telefone e de restaurantes à aeroportos “mesmo confrontado com desafios de produção, o cinema continua sendo uma arte de um poderoso dinamismo, cuja criatividade não está de modo algum em declínio. O tudo-tela não é o túmulo do cinema: mais do que nunca este demonstra inventividade, diversidade, vitalidade”.

Menos em Porto Alegre, desde que uma decisão oficial da Infraero determinou o fechamento do Aeroguion. É mais um cinema que morre na capital. Localizado no Aeroporto Salgado Filho, foi o primeiro complexo de cinema a se localizar no interior de um aeroporto na América Latina, numa época em que o cinema já se tornou parte da paisagem dos grandes aeroportos internacionais. Possuía uma programação de qualidade e público cativo mantido pelos “atrasos” constantes de nossas companhias aéreas e pelo inúmeros fechamentos do aeroporto por mal tempo. O cinema no aeroporto significou, além de cultura, diminuição de sofrimento de centenas de passageiros.

Disponibilizar a área de um cinema para caixas bancários e órgãos que poderiam ficar no aeroporto velho é o típico exemplo de como é tratada a cultura em nosso país. Michel Foucault, numa conferência de 1979 nos Estados Unidos, explicava que a função da critica é vigiar os abusos de poder da racionalidade política. Vendo a atitude da Infraero, o que se observa é que na base do argumento está a idéia da sua desresponsabilização com a cultura cuja causa é o pouco conhecimento de seus gestores do alcance real de um governo. Numa palavra, o que falta a Infraero é visão sistêmica de sua função.

O fato é que o cinema cult é o único que dispomos para enfrentar o cinemão americano. Sem sua contribuição, obras do cinema independente jamais chegarão ao público. Com o fechamento do Aeroguion, perdem todos. Sempre coube a área governamental proteger os gêneros que compõem a cultura erudita, como o cinema e a Infraero tem sim uma responsabilidade: colaborar, na sua esfera de influência, para a consolidação da cultura, no caso, cinematográfica. Cabem aos gestores públicos pensar orgânica e integradamente a área cultural e entender a contribuição que podem e devem dar as necessidades mais agudas da área cultural com as políticas públicas, em que, até prova em contrário, a Infraero foi incapaz de fazer