quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ervino Besson, um homem simples


A morte prematura de Ervino Besson provoca tristeza no legislativo de Porto Alegre. Vereador dedicado à cidade, quando não se reelegeu, manifestações de pesar vieram de todos os campos partidários. A razão é que Besson era valorizado pela sua simplicidade. Nunca renegou que sempre foi um padeiro, um homem simples que chegou à Câmara Municipal. Esta simplicidade não impediu que legasse projetos de valor, como o Banco Municipal de Remédios, para reaproveitar medicamentos ou as medidas que desenvolveu contra o desperdício de alimentos. Para Besson, a grandeza da política estava em como fazemos as pequenas coisas.

Talvez por isso valorizasse imensamente a educação. Defendia a responsabilidade do legislativo para com a educação política dos jovens. Participou de várias Sessões Plenárias do Estudante e vibrava com isso talvez porque, de alguma maneira, via seu olhar refletido no olhar daquelas crianças que visitavam o parlamento. Lembrava com entusiasmo a herança de Leonel Brizola na educação e sua experiência nas brizoletas, casas de madeira simples onde sua geração aprendeu as primeiras letras. Ensinava aos jovens a importância de participar da vida pública sempre com muita simplicidade.

Maso que significa ser um homem simples? Significa preferir o aperto de mão à internet, a conversa olho no olho ao chat, o sorriso às redes sociais. Num tempo em que a política transformou-se em indústria, ele era um artesão. Num tempo em que as megacampanhas ganham eleições, preferia a conversa miúda com o eleitor. Num tempo onde prevalece a midialização da política, preferia a atuação direta na comunidade. Num tempo em que o trabalho intelectual é supervalorizado, ele se definia como um trabalhador manual. Que sua memória seja a de que podemos encontrar a profundidade do mundo nas coisas
simples.

Publicado no Jornal do Comércio em 21/07/2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O fim da infância

Está circulando na internet (http://primeirainfancia.org.br/2010/05/carta-da-rnpi-para-os-parlamentares/) a carta elaborada pela Rede Nacional Primeira Infância, formada por 74 organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de organizações multilaterais e outras redes de organizações, dirigida aos deputados e senadores da República solicitando o reexame do dispositivo constante do PL 6.755/2010 (original PLS 414/2008) que estabelece em seu artigo 6º o dever dos pais ou responsáveis de efetuar a matrícula dos menores a partir dos cinco anos no Ensino Fundamental. A idade é reiterada no artigo 32 do mesmo projeto, que diz que o Ensino Fundamental, com duração de nove anos, inicia-se aos cinco anos de idade.

Tais entidades questionam o projeto de lei porque entendem que ele implica o fim do direito de ser criança. Para tais entidades, trata-se de um verdadeiro roubo da infância, na medida em que a criança tem o direito de viver segundo suas características físicas, biológicas e psicológicas. Este direito é roubado porque “começar a primeira série do Ensino Fundamental aos cinco anos e um dia equivale a perder a infância, a criança impedida de ser criança, é proibida de brincar”.

A Rede Nacional da Primeira Infância tem razão em sua luta. Os educadores há muito tempo defendem a expansão da educação pré-escolar e não a inclusão das crianças de cinco anos na educação fundamental. É consenso dos educadores que a educação pré-escolar é a que atende de forma mais adequada a uma pedagogia da primeira infância, pois é a que mais consegue preservar “o direito de brincar” da criança. Para eles, a inclusão de crianças de cinco anos na primeira série só fará mal a elas, pois, do jeito que está o sistema, a insere de forma inadequada no Ensino Fundamental. Além disso, a sociedade e a família não ganham nada diminuindo o período da infância e suprimindo um ano de educação pré-escolar, já que só há consequências perversas com tal dispositivo: amplia-se a produção de estresse infantil devido aos problemas de inadequação aos longos horários, ou os causados pelo uso das cadeiras escolares e até mesmo pelo aumento da reprovação. Já baixamos o limite de acesso à educação de sete para seis anos, e agora, querem cinco. Onde isso vai parar?

A luta é motivo para reflexão. Ver educadores em um movimento político sempre é motivo de contentamento. Mais ainda quando liderados por Vidal Didonet, um dos maiores especialistas em educação infantil e cuja luta mostra que os professores não estão dispostos a abandonar a defesa da educação. Mostra que os professores são capazes de se mobilizar e rapidamente tentar reverter o impacto de más políticas públicas. Que o campo destas políticas seja ainda um lugar de lutas sociais, é um alento. Num mundo em que cada vez mais se afirma o desencanto dos educadores com a política, observar como eles são capazes de se mobilizar em defesa do respeito às características da infância, em defesa da educação de qualidade e valorizando as instituições democráticas mostra que os movimentos sociais ainda têm uma grande contribuição a dar quando se adentra no século 21.

Publicado em Zero Hora, 02/7/2010