segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Hélio de La Peña está errado!

A defesa de Hélio de La Penã da liberdade de usar o humor no período do horário eleitoral está errada e é um desserviço à democracia. Ao contestar a Lei 9504/87, o humorista esquece que, se “o humor é necessário para a vida” (“Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae) como prega São Tomás de Aquino, um “bem útil” ao homem e a sociedade, esquece que o mesmo filósofo também afirma que o humor pode ser um vício por excesso, ou seja, por falta de controle e mediocridade no seu uso. São Tomás queria dizer com isso que aqueles que exageram no brincar são inoportunos, estão fora do lugar, por quererem fazer rir constantemente em momentos sérios e por isso acreditava que a virtude estava no uso conveniente do humor para a construção da vida.

Ora, não é isso que fazem nossos humoristas, salvo raras exceções, quando se trata de política. O poder dos programas de humor está no espaço que ocupam nos veículos de comunicação e que lhes dá a oportunidade de colaborarem na construção (ou destruição) de uma determinada visão de política na sociedade - a regra geral é a tendência do humor brasileiro de reforçar o preconceito para com a política. “Política: fique longe disso” é a mensagem que seus programas carregam, nada mais perigoso para a democracia, que vive da participação popular. Qual a origem deste poder? Médium vem do latim e significa “aquele que está a meio”. A comunicação, situando-se a meio caminho entre as instituições políticas e a sociedade, tem papel fundamental para a formação da opinião pública. Se o humor atribui significados negativos à política – não estamos dizendo que não existem maus políticos, que les hay, eles hay – ele contribui para criar o entendimento compartilhado de que toda a política é algo vil e infame, um problema do ponto de vista da democracia, da defesa das instituições públicas e dos agentes públicos que buscam construir a boa política.


Este é um momento especial para a cidadania. A política necessita da comunicação sim, mas não da comunicação superficial, limitada a um humor escrachante, previsível e alienante, mas de uma comunicação definida culturalmente, baseada na troca de informações. O papel da comunicação deve ser o da manutenção dos vínculos da comunidade à idéia de cidadania e participação. O humor atua na contramão desse sentido, já que incentiva a não participação, a rejeição e a negação da política - ainda que ela tenha todos os problemas que conhecemos, sem ela diminuímos as chances de ter uma sociedade melhor. A sociedade, a “receptora” de toda esta informação, só pode concordar com os humoristas. É aí que reside o problema.

Os limites dado ao humor pela Lei visam reduzir a capacidade de alienação que existe nos veículos de comunicação. Aliás, vem do interior da própria televisão a crítica ao que se tornou o veículo. Aracy Balabanian resumiu a questão: “tudo ficou tecnicamente melhor, mas a televisão sofreu um empobrecimento(...)A TV se esvaziou” (Folha de São Paulo, 8/8/2010). Queiram ou não os autores de humor, os textos que são escritos para os programas de humor estão longe de ser o que se poderia chamar de “humor inteligente”, e ao contrário, passam mensagens subliminares que provocam alienação.

O debate político não se faz com piadas, mas com idéias e programas humorísticos não esclarecem a população, ao contrário, reproduzem preconceitos e a afastam do debate público. Passado o horário eleitoral, os humoristas poderão voltar a sua prática de sempre, falar mal dos políticos sem chegar a lugar algum, mas pelo menos, a democracia não terá sido vilipendiada. O público pode conhecer os programas humorísticos, mas a presença cada vez maior de um humor que apela aos sentimentos mais primitivos ainda é prova de que ele pouco tem a contribuir com a construção de cidadãos críticos. Há bons e maus humoristas, como há bons e maus políticos, mas o mau humor político é como a má política, é um desserviço à democracia e deve ser combatido. Não é hora de riso, mas de atitude séria: é o futuro da democracia que está em questão no momento do voto.

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