segunda-feira, 5 de abril de 2010

A data de aniversário da Câmara


O Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Prof. Gervásio Rodrigues Neves, em entrevista ao Jornal do Comércio do dia de hoje, aponta que a data adotada para a fundação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre é equivocada. Seu argumento é que a Ata de 6 de setembro de 1773 corresponde a instalação da Câmara de Rio Grande em Porto Alegre, e que sempre defendeu como a tese de que a data correta é a de dezembro de 1810. Diz: “Quando se fala em 1773, é uma Câmara que funcionava em Porto Alegre, cujo espaço de atuação era todo o Rio Grande do Sul, administrava todo o estado. A outra é uma Câmara que é de Porto Alegre, administrando sua área de influência, definindo seu Código de conduta, que só começa em dezembro de 1810. Então, são 200 anos”.

A afirmação do professor Gervásio Rodrigues Neves reestabelece uma polêmica que este Legislativo entende superada. A razão é que existe uma tradição de estudos históricos que defende a data, fontes comprovadas e um contexto histórico que fundamenta a escolha do legislativo e que remonta aos anos 70. Um dos primeiros historiadores a darem-se conta da dificuldade de encontrar a data oficial do legislativo foi Francisco Riopardense de Macedo, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e autor da obra “Bicentenário da Câmara Municipal de Porto Alegre” (1773-1973). Riopardense de Macedo aponta a dificuldade de estabelecer uma datação devido ao fato de que “aqui tudo aconteceu diferente. Porto Alegre foi capital antes de ser vila, foi sede de município único muito antes de ser cidade”.

Segundo Riopardense, a determinação de José Marcelino de Figueiredo, de transferir a sede da Câmara Municipal, de Viamão para Porto Alegre, foi em função dos conflitos do Prata e se efetivou em 6 de setembro de 1773, como comprovam a Ata da Câmara desta data. Para Riopardense de Macedo, “é preciso nos colocamos naquela circunstância e dentro da mentalidade da época, [onde] é evidente que as Câmaras defendiam sua autonomia”. Para Riopardense de Macedo “é nesta data [6/9/1773], pois, que tem inicio de fato a capital do Rio Grande do Sul em Porto Alegre. A província continuava com o mesmo limite, dado por ocasião da instalação da primeira câmara na cidade do Rio Grande. Era, no entanto, capital sem ser vila, pois esta só poderia ser criada por Alvará Real, o que aconteceu em 11 de dezembro de 1810.” A data reivindicada pelo Professor Gervásio Neves havia sido rejeitada por Riopardense de Macedo, do mesmo instituto, em 1973. Nesse ano, Riopardense de Macedo já reforçava a idéia de que de fato, desde 1773 a Câmara funcionava representando o povo de Porto Alegre. Riopardense assinala: ”No inicio representava o povo todo do continente do Rio Grande de São Pedro. Promoveu como pôde, desde então, o bem comum em toda a área até 1809, quando surgem mais três Câmaras para cuidarem de áreas mais distantes.”

Os documentos relativos a transferência da Câmara de Viamão para Porto Alegre não se resumem a Ata de 6 de setembro de 1773, contudo. No Arquivo Histórico de Porto Alegre Moyses Velinho encontram-se além da referida Ata, a primeira em Porto Alegre e que é considerada a Ata de fundação do Legislativo, outros documentos que revelam as determinações ao redor de sua transferência. Em 25 de julho de 1773, José Custódio de Sá e Faria, governador do Continente de São Pedro, vê a necessidade da transferência da capital de Viamão para o Porto de Porto Alegre, dando ciência àquela Câmara em 25 de julho de 1773. Em 29 de agosto de 1773 foi realizada a última reunião em Viamão e em 6 de setembro, já é feita em Porto Alegre. O que Riopardense assinala é a rapidez com que foi conduzido o processo, revelando um interesse dos próprios vereadores em assentarem-se em Porto Alegre.

Por outro lado é importante observar nas Atas posteriores a 1773 e anteriores a 1810 constantes dos Anais do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, que o conteúdo de suas providências trata de inúmeras medidas diretamente ligadas a Porto Alegre, como a nomeação de almoxarife, arrematação de contrato de açougue, editais proibindo porcos soltos na cidade (sic!), pagamento pela criação de expostos, entre outras medidas para a capital. A Câmara é de Porto Alegre de fato, mas não de direito, o que é corroborado por Sérgio da Costa Franco, em seu Guia Histórico de Porto Alegre onde pode-se ler::”A história do parlamento municipal de Porto Alegre remonta ao dia 6 de setembro de 1773, data em que os membros da Câmara de Viamão pela primeira vez se reuniram na Vila de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre”. E completa:” As determinações superiores eram de que não só a Câmara passasse a funcionar em Porto Alegre, como também os respectivos oficiais viessem a residir na capital”, lembra Franco.

Finalmente, o estudo mais detalhado da história da Câmara Municipal “Os homens bons e a Câmara Municipal de Porto Alegre”, de Adriano Comissoli, Tese de Mestrado orientado por Maria Fernanda Bicalho no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, onde seu autor faz um estudo detalhado da história da Câmara do período. Comissoli lembra que o Riogrande do Sul setecentista apresentou algumas peculiaridades no que se refere ao desenvolvimento das Câmaras Municipais. Primeiro é, de fato, como lembra Gervásio Rodrigues Neves, tratava-se de uma única Câmara na capitânia, e que a mesma acabavam integrando o aparelho administrativo de toda região. O problema, e dái a distinção da posição de Gervásio, é que o próprio termo Capital da capitania era dado pelo fato de ser sede do governo, independente da localização ou condição formal da localidade em questão “era capital aquela povoação que abrigava a casa do governador, a provedoria da fazenda Real e a Câmara. A condição de capital independia do fato de uma localidade ser vila ou cidade por decreto real, donde se apura certo pragmatismo das autoridades portuguesas, mais preocupadas com a face prática da administração do que com as questões formais da mesma”(Comissoli, p. 169).

Por outro lado, salienta Comissoli, as duas transferências da Câmara tiveram motivos diferentes. A primeira mudança, de Rio Grande para Viamão, foi ato provocado pela invasão da primeira localidade por tropas espanholas, fugindo completamente ao controle de qualquer instância lusa de poder, devendo-se a necessidade única de garantir a administração. Já a segunda alteração, que mais nos interessa, de Viamão para Porto Alegre, teve como fundamento a necessidade de encontrar uma localização melhor para a administração da capitania e foi dirigida pelo governador José Marcelino com o respaldo do vice-rei Marques do Lavradio “Ação capitaneada pelo poder central, portanto. Neste sentido, a nova transferência objetivava uma melhor posição estratégica do aparato de governo: facilidade de transporte fluvial e melhor condição de defesa.(...)em Porto Alegre, os comerciantes ganham cada vez mais espaço junto a Câmara, fazendo desta o meio de expressão de seus interesses”.

Ao contrário do apontado pelo Prof. Gervásio Rodrigues, a posição posição até hoje adotada na Câmara diz respeito à história. Considera os documentos de transferência do legislativo (a Ata de 6 de setembro de 1773) mas a coloca em seu devido contexto histórico, o que significa reconhecer a importância de pensar-se a Câmara em Porto Alegre, no período em questão passa a ser Câmara de Porto Alegre. A transferência da Câmara não é uma alteração geográfica apenas, mas uma ação politica. Diz Comissoli: “nossa interpretação é de que três fatores mostraram-se fundamentais na decisão da transferência da Câmara: o panorama político do continente, a posição estratégica de Porto Alegre e sua condição portuária, mais propícia ao comercio do que a de Viamão”.(Comissoli, p.43). Finaliza: “O fato é que em termos de sua composição (vereadores) é praticamente a mesma a Câmara de antes de 1810 com a que vem a seguir”. Daí a razão de assumir-se Câmara de Porto Alegre.

A Câmara nasceu em 1773 de fato, mas não de direito. A data é uma referência na história da cidade. Não se trata de desconhecimento, como aponta Gervásio, mas ao contrário, como mostra Comissoli, é preciso pensar em termos da mentalidade da época e o significado que foi sua transferência, analisar sua composição, o papel pensado para a região no périodo para concluir-se que a Cidade e sua Câmara estava adiante de seu tempo. Que outros historiadores como Sérgio da Costa Franco, Riopardense de Macedo e Adriano Comissoli corroborem esta afirmação, é apenas um indicador que a disciplina de história, em que pese os documentos, também é influenciada pelas interpretações. A idéia de discutir o processo histórico de poder no Rio Grande do Sul, proposta por Gervásio deve ser preservada; sua idéia de alterar a data de fundação da Câmara, em que pese gerar um bom debate, em nada ajudará a esclarecer os rumos históricos que o Parlamento tomou neste período. A adoção da data de 1773 é uma referência que merece ser valorizada e não desprezada pela cidade, ao contrário, deve ser contextualizada – como já é – com os devidos problemas de periodização da história da capital apontadas por pesquisas recentes.

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