sábado, 12 de novembro de 2011

Por trás da polêmica do IDEB






A ideia de Gustavo Ioschpe de tornar obrigatório afixar no portão de entrada das escolas os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, tornou-se perigosa porque foi encampada por três projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados. O próprio MEC alertou no início da tramitação que tais projetos eram constrangedores para as escolas, e é consenso entre os órgãos de classe, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que há inúmeros problemas nas escolas brasileiras que independem do esforço dos professores e que afetam o processo de ensino – como as condições das instalações, a falta de energia elétrica e água em escolas rurais, etc. A conclusão é que a proposta do economista cobra dos profissionais de ensino o que deve ser responsabilidade do Estado, estabelece uma competição desnecessária entre as instituições educacionais, aumenta o estresse profissional de professores e reduz a autoestima de alunos. Se a proposta vencer, será praticada uma violência simbólica contra a escola: ela será jogada, de uma vez por todas, ao sabor da ideologia pura de mercado, ao ser submetida ao princípio da competição, cujo efeito é reduzir a autonomia escolar, substituir a defesa do desenvolvimento integral do aluno pela busca de indicadores baseados em dados quantitativos – e não qualitativos – e na gestão de recursos financeiros.




O que está por trás dessa discussão? O pressuposto de Ioschpe é que teorias e métodos econômicos podem ser aplicados à educação. É o que faz em sua obra “A ignorância custa um mundo” (ed. Francis, 2004), na qual defende a analogia entre produtividade física do capital e educação. Defende, entre outras ideias, que “basta imaginar que a escola é uma instituição especializada na produção de treinamento” (p.33) e que “os princípios da economia também se aplicam ao 'mercado' da educação” (p.152). Mais grave, o autor propõe uma reforma do ensino brasileiro baseada, entre outras coisas, no “fim da gratuidade do ensino público universitário” (p.231, grifo meu) e no ”fim do desconto no IR para gastos com educação” (p.243). Para mim, a “economia da educação” de Ioschpe é o mais puro pensamento de direita, na qual a economia, a defesa de índices, o mercado e o liberalismo são o remédio pronto para a solução de todos os males da educação. É nela que se fundamenta a defesa da afixação do IDEB nas fachadas das escolas. Em “Rumo ao Abismo” (Bertrand Brasil, 2011), Edgar Morin mostra o quanto esse paradigma é equivocado quando se trata da educação. Para Morin, "a ciência econômica, ao mesmo tempo em que é a ciência social matematicamente mais avançada, é a ciência social humanamente mais retrógrada”, pois “se abstraiu das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas, ecológicas, inseparáveis das atividades econômicas” (Morin, p.48). A afixação do índice do IDEB na fachada das escolas é o simulacro perverso e deformador desse universo econômico. O indicador aliena porque compartimentaliza, separa e isola aquilo que os educadores veem de forma interdependente: as condições de produção do trabalho escolar. Sua falsa racionalidade baseia-se num mecanismo ideológico elementar: a tentação do sentido. Diante dos terríveis problemas educacionais que vivemos hoje, a valorização de indicadores surge como portador de sentido, mas esconde por trás uma perversa lógica econômica baseada na defesa da competição. A ilusão vendida por Ioschpe é que, se indicadores servem para economistas, devem servir para os profissionais do ensino. Nada mais perverso, porque o que ele não diz é que a economia capitalista não é um mundo equilibrado, ao contrário, é um mundo repleto de catástrofes no qual os problemas da educação são justamente um de seus produtos.




Sua posição não poderia ser diferente: está inscrita em seu DNA. Filho de conhecido empresário, é acionista da Ioschpe-Maxiom, companhia fundada em 1918 que se expandiu do ramo madeireiro para o setor financeiro e industrial, chegando a lucros de 58,597 milhões no terceiro trimestre de 2010. Quer dizer, faz parte do habitus (Pierre Bourdieu) dele a incorporação em seu modo de agir, sentir e pensar do modo de ser de sua classe social, a classe dominante. Procurei em vão na internet informações sobre sua experiência como professor de escola pública e não encontrei nada – repito nada! - que o qualifique como tal. A pergunta que não quer calar é: como pode alguém que não teve a experiência de sala de aula dizer que é melhor para os professores que o IDEB seja afixado na fachada de sua escola? Mais: como pode sugerir que instrumentos da economia sejam orientadores para a educação? A minha resposta é: não pode. É necessária a experiência de professor para sugerir caminhos para a educação, e a "economia da educação" nada mais é do que ópio para as massas, e a defesa de indicadores, mitificação ideológica . É como se dissesse: “educador, não te metas com a verdade dos índices porque eles são a nossa verdadeira natureza”. No universo de Ioschpe não existem nem pessoas nem contradições, apenas fórmulas matemáticas: “[...] minhas pesquisas e conclusões são respaldadas por números e estatísticas” (A Ignorância... p.14). Diz o filósofo Slavoj Zizek: “O difícil é encontrar poesia e espiritualidade nessa dimensão”.






Ora, além de ser moralmente errado aplicarem-se conceitos de investimento e capital às pessoas, há o risco de indicadores como o IDEB serem utilizados de forma inadequada nas decisões de políticas educacionais. Se os governos levarem em consideração somente os valores apontados no índice, as contribuições e as análises culturais da educação não serão consideradas. Isso é terrível. A educação tem um papel econômico, é claro, mas não a ponto de perdemos as referências às questões sociais de base que tratam, justamente, da crítica às condições de reprodução da escola no interior do capitalismo. Ioschpe defende a ideia de afixar o índice do IDEB na fachada das escolas como seu gesto de amor para defender a educação, mas seu verdadeiro amor é o Capital e seu pensamento, ideologia a serviço da servidão.




Publicado no Jornal da Universidade (UFRGS
), outubro de 2011

8 comentários:

Lula Venera disse...

Esse Ioschpe é um merda.

Amigos da Rua Gonçalo disse...

Um comentário resumido (sujeito a chuvas e trovoadas):
tem gente que não se convence que pessoas não são produtos industriais e/ou comerciais!

(Cesar)

Afonso Guerra-Baião disse...

Essa é a concepção bancária da educação, como a denominava criticamente o saudoso Paulo Freire.

Ana de Medeiros Arnt disse...

Parabéns pelo texto!

É impossível ler qualquer coisa do Gustavo Ioschpe sem se irritar profundamente!

Pato disse...

As escolas públicas são mantidas com dinheiro da sociedade. Nada mais correto exigir que sejam eficientes.

Constrangedor não é fixar as notas das escolas nos muros, mas ver aqueles que mais deveriam defender a eficiência da escola pública querendo proibir qualquer espécie de medida de desempenho.

Dar as costas para critérios de performance é dizer que toda escola é igual, que todo professor é igual e que, por fim, pra ser educador, basta querer. E dizer que, dentro da sala de aula, o mestre faz o que bem lhe assiste, como se fosse ele dotado de condão divino pelo simples fato de ter escolhido ser professor, sem ter que prestar satisfação à sociedade.

Acabar com o ensino superior gratuito representaria aumentar, sem qualquer despesa adicional, o investimento na educação básica robustamente. Existem vários artigos que demonstram que o ensino superior gratuito, enquanto política pública, é um desastre no sentido de foco de incidência: privilegia quem mais tem em detrimento dos mais pobres.

Por fim, não é pertinente debater ensino superior junto com ensino básico. Não só diferem em propósito junto à sociedade, como diferem na razão pela qual são procurados pelo cidadão.

Ane (Anelise Barra Ferreira) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ane (Anelise Barra Ferreira) disse...

O que são critérios de performance, como são medidos? Quem mede? Quem determina os critérios? Medimos os professores por número de cursos e formações feitas e desvalorizamos o professor que fica em sala de aula. A pontuação máxima deveria ser dada conforme o número de horas que passamos coordenando uma sala de aula. Os textos que escrevemos com cada aluno que está sob nossa responsabilidade são mais valiosos que os pontuados. Quem disse que é mais importante "ser bom aluno" para a gurizada que vive no meio de guerra de traficantes, que precisa sair de sua casa sem nada. Não estou falando de cenas de tv, mas cenas que presenciei este ano na minha escola. A escola para eles foi o lugar de poder contar o que acontecia, de receber apoio, que aprendizagens teve? Quem as poderá medir? E o meu aluno que precisa de óculos e a um ano esperamos a marcação da consulta, e,... Suas notas, sem dúvida baixariam os índices. Estas situações merecem faixas, mas o que temos que discutir e o lugar onde colocá-las. Sem dúvida não é nas escolas.

Anônimo disse...

Esse tal de Ioschpe tem mais é que cuidar das posses de sua família e dar graças por não estar vivendo em um País de fundamentalistas,pois com uma intenção destas há muito já estaria com as "70 virgens"...no inferno.

jbf