terça-feira, 27 de outubro de 2009

Maria Rita Kelh: as depressões ou como anda o desejo contemporâneo


Nesta segunda feira, estive na conferência de Maria Rita Kelh no Fronteiras do Pensamento. O tema era a questão da depressão como sintoma social. O Fronteiras do Pensamento é uma iniciativa de um grupo de intelectuais gaúchos com o patrocínio da Brasken e realiza no Rio Grande do Sul e na Bahia aquilo que Adauto Novaes vem desenvolvendo no âmbito do centro do país com sua empresa Artepensamento: a realização de grandes seminários -com personalidades internacionais - sobre grandes temas da atualidade. E bota grande nisso: uma boa dezena de palestrantes para ninguém botar defeito, como no ano passado. Neste ano, numa versão pocket, o Fronteiras não deixa a desejar, com palestrantes de alto quilate. Para quem não sabe, são inúmeras as dificuldades da produção de grandes eventos culturais, da concepção à organização. Conheço Michele, da organização, e você só a vê correndo de um lado para o outro para produzir o evento. É uma loucura. Está deixando, anonimamente, uma grande marca no Fronteiras.


Voltando ao seminário, para quem não sabe, pode-se contar nos dedos os grandes psicanalistas brasileiros. Nesse universo, há uma leva imensa de freudianos, como não poderia deixar de ser; há os lacanianos - aqueles famosos pelas consultas sem tempo de duração - e há aqueles, com os quais me identifico mais, que podem ser contados nos dedos, que abordam o social do ponto de vista da psicanálise: Joel Birman, Jurandir Freire Costa, Contardo Calligaris, Suely Rolnik e Maria Rita Keln. Neles, o que passa pelo inconsciente passa pela sociedade; os comportamentos humanos e psicologia individual tem um quê do desastre da humanidade; não se pode pensar sobre política sem mexer na questão dos desejos humanos. Para se construir uma psicanálise social, tudo vale (Feyrabend): literatura, música, análise de movimentos sociais, poesia. E teoria, muita teoria - sociologia, filosofia, marxismo, freudismo, lacanismo, bataillismo, deleuzismo, foucautismo e muito mais.


Maria Rita Kelh nasceu em Campinas, mas se considera paulistana, pois foi criada em São Paulo . No Bairro de Pinheiros estudou em colégios de freiras - sua mãe era religiosa - e fez Psicologia na USP entre 71 e 75, no período autoritário. Estava insatisfeita com o curso, e não sem razão, já que muitos professores haviam sido cassados e a faculdade era, por assim dizer, "fria". Queria atividade, procurou um jornal de bairro para trabalhar e escrever e nunca mais parou. Diz: "Eu queria trabalhar em alguma coisa que não fosse psicologia, que me parecia na época uma coisa muito xarope."


Transformada em jornalista free-lance, formou-se nos jornais alternativos numa época em que não precisava registro de jornalista para trabalhar. Foi assim durante três anos até 78, periodo formador de Kelh onde pode ampliar seu horizonte, mesmo não entrando para a luta armada. O jornal que trabalhava não era sequer um jornal de esquerda, mas num tempo onde o medo impera, aprender a ver o mundo melhor. O trabalho em jornais como o feminista Mulherio começou a fazer diferença em sua formação de psicóloga. Claro que havia um posicionamento" eu era levemente atraída pela esquerda.", diz. Transformou-se em editora de cultura na raça. Trabalhou para a Folha, para Veja, Isto É, mas começou a duvidar da sua profundidade de abordagem, daí procurou o Mestrado. Nele estudou a televisão "por causa da minha prática em jornalismo cultural, ninguém está percebendo o que a televisão está fazendo no Brasil”, diz.


O curioso em sua trajetória é que só depois do mestrado sobre televisão é que ela se deu conta que poderia voltar a seu campo de origem e ser psicanalista. Claro que também tinha como qualquer pessoa comum seus problemas de família, precisava manter seu filho pequeno morando numa comunidade, já que o pai morava em outra - daí o estilo meio hippie que se viu na palestra do Fronteiras. Kelh morou em várias comunidades, o que de certa forma, a ensinou a ser observadora e, com uma bolsa da FAPESP, pode se sustentar enquanto estudava e criava seu filho Luan. Depois do fim da bolsa, trabalhou um pouco na Rádio Mulher com entrevistas ao vivo. Logo depois abriu um consultório mesmo, como diz, "sem preparo algum", e ia fazendo terapia.


Começou em 1981 e nunca mais parou de psicanalizar. Sua tese “O papel da Rede Globo e das novelas da Globo em domesticar o Brasil durante a ditadura militar”, analisou novalas como Irmãos Coragem e Dancing Days, e nelas, a imagem do Brasil. Ainda que a autora repute que a tese era de natureza política, não é impossivel imaginar que a análise de personagens antecipasse as linhas para a psicanalista que se seguiu. Porque, já apontam os estudos de Suely Rolnik (outra psicanalista) e Felix Guattari, a mídia é a grande produtora de subjetividade.


Um dos temas interessantes de sua trajetória é a sua relação com o feminismo, pouco explorado pela autora em sua palestra do Fronteiras. Ela tem sua briga teórica dentro da psicanálise freudiana e lacaniana, pela imcompreensão que vê na questão da diferença dos sexos. Este foi o tema de sua tese de doutorado, já nos anos 90, a discussão sobre o modo como os psicanalistas escutam pacientes mulheres, porque, do modo como a psicanálise vê a sexualidade feminina, de forma especular à masculina, ela se transforma numa outra forma de castração (em termos simbólicos, a mulher é sem o pênis e blá , blá, blá ). Ela diz "se continuar escutando desse jeito, [a psicanálise ] não oferece outra saída para as mulheres senão a histéria. Suely Rolnik, em "Cartografia Sentimental da América - a produção do desejo na era da indústria cultural, tem o mesmo foco, a constituição do desejo feminino na era contemporanea.

Na critica de Kelh, que a mulher que se sente inferior e que inveje o homem, só pode ser produto de uma visão que pensa que a mulher está condenada a sua natureza, de acordo com uma certa escuta psicanalítica. Nada mais genial: é a psicanálise tradicional que acorrenta a mulher. Vem a tona sem querer, Jean Baudrillard, de "A sedução": a força da mulher não está no poder, está no simbólico. Há aqui, é claro, e por outra forma de abordagem - a filosofia - o mesmo entendimento emerge nos textos de Alain Finkielkraut e Pascal Bruckner - vale a pena ler a A nova desordem amorosa ou A sabedoria do Amor, para perceber o privilégio do feminino que Kelh fala. Estes autores falam justamente desta recusa que a mulher deveria ter na explicação sobre a sua sexualidade dada pelos psicanalitas de plantão com base em Freud. Mas isso é tema para outra postagem.


O tema da depressão - e isso ela não situou na palestra - surgiu na sua obra (bem, saí por um acesso de tosse, instantes antes do fim..) a partir de uma experiência de consultório nos anos 80, ainda quando ela era novata, onde duas ocorrências de suicidio a marcaram muito, a de um jornalista da revista Exame e de um viciado em cocaína. A rigor, não eram casos de depressão, mas isso gerou medo em Kelh de atender pacientes deprimidos. Um paciente se matou após uma crise de uma demisssão que o deixou muito desesperado e o outro paciente fez sessões, mas interrompeu e se suicidou "Era meu paciente de alguns anos, tinha interrompido, e nessa interrupção se suicidou. Então, eu fiquei muito culpada, como todo analista fica. ", destaca Kelh, que completa "Não dá para dizer que a culpa é toda sua e não dá para dizer também que você não tem nada a ver com isso" .Depois disto tudo, sua primeira reação foi encaminhar os deprimidos que chegavam ao seu consultório para outros terapeutas, mas depois ela amadureceu, começou a atender os deprimidos, e assim cresceu como pensadora e psicanalísta. Viu que os deprimidos eram sensíveis a análise, tinham maior permeabilidade ao inconsciente - o neurótico se defende sempre, etc, etc ”.


Foi aí que nasceu seu interesse por escrever sobre depressão. E teve o caso curioso em que ELA ficou deprimida. Como se sabe, Kelh também ficou conhecida por atender pacientes do MST. E ela numa das suas indas e vindas atropelou um cachorro "Essa cena, não vou dizer que foi traumática, mas exigiu reflexão, porque foi uma coisa muito rara"...eu tive essa enorme agonia de perceber que eu estava em uma velocidade irreversível e que eu ia matar um animal, um ser. E esse acontecimento teria desacontecido, eu não sofri nada, se eu não ficasse tão chocada com o que a velocidade faz com os acontecimentos da vida. " O que se segue, e que foi o mote da palestra no Fronteiras do Pensamento, nasceu de uma constatação deste dia e que originou seu ultimo livro. Resumo da história: a velocidade do mundo atual está nos matando, setencia Kehl. Vejamos como.


A idéia de velocidade do mundo não é exclusiva de Kehl, mas é muito interessante quando aplicada a depressão. O primeiro pensador a falar com propriedade da velocidade do mundo foi Paul Virilio em "Velocidade e Política". Ele fundou uma ciência, a "dromologia", ciência da velocidade. (ver postagem sobre Virilio). É interessante ver como ela interpretou este tema da velocidade, do ponto de vista da constituição do sujeitoe para quem viu a palestra, tudo está relacionado. A citação é de um de seus escritos, é longa, mas vale a pena:


"Não só pelo cachorro, o atropelamento é mais uma metáfora, porque atravessou a outra pista mancando e não morreu. Eu comecei a me dar conta de quantos acontecimentos na minha vida, nessa velocidade, não aconteceram, viraram desacontecimentos. Quando cheguei na escola, fui olhar o parachoque, e tinha uma sujeirinha, talvez o pêlo dele. E tinha um ligeiro amassadinho. Aí entra a associação. Eu estava lendo Walter Benjamin, por causa de um grupo de estudos, estava lendo o texto dele sobre experiência. Ele faz uma articulação entre a perda da experiência e a velocidade da vida moderna. E eu falei “a depressão está aqui”, porque Walter Benjamin chama isso de melancolia, não é também que eu inventei isso, então são duas coisas diferentes que se juntaram. A depressão como o começo de uma experiência no consultório que me interessou muito, e a depressão como um sintoma social, quer dizer, algo que se alastra, sintoma social no sentido de um tipo de sofrimento mental que além de dizer respeito ao sujeito, a cada um por si que está sofrendo, cada um com suas razões, revela alguma coisa que não vai bem. Não se poderia dizer que é o sintoma social do homem contemporâneo, porque drogadição também é um sintoma, violência também é um sintoma. Mas certamente depressão é um dos importantes sintomas. Porque, digamos, ele faz água no barco. Tem um barco, que é a sociedade de consumo, que as pessoas supostamente navegam, às vezes achando que a vida vai ter sentido porque você pode ter dinheiro e comprar não sei o quê. Todo mundo fala: “Que sociedade de consumo? Brasil? Menos de 1/3 pode consumir o básico”. E eu insisto que essa sociedade é de consumo, nos termos mesmo dos autores como Baudrillard, aliado à idéia de sociedade do espetáculo, de Guy Débord, porque o que dá sentido à vida é o consumo. A questão não é a sociedade de consumo porque todo mundo está consumindo furiosamente, pouca gente está consumindo furiosamente, mas as pessoas medem o que elas são pelo que elas podem consumir, medem o sentido da sua vida pelo que elas podem consumir. Estão convencidas de que o valor delas e das outras se define pelo que elas podem consumir. Por isso sociedade de consumo, pela crença, não necessariamente pelos atos. Então voltando ao por que a depressão que é sintoma social. Porque a sociedade, em termos dos discursos dominantes nos quais a gente acredita, deveria ser uma sociedade menos antidepressiva. Dos anos 60 para cá nós somos mais livres, nós podemos fazer mais sexo, nós podemos desfrutar do corpo e da saúde de uma maneira privilegiada. Tem mais opções de lazer e de festas, encontrar sua tribo para não ficar necessariamente submetido a um padrão só de comportamento. E tem um avanço enorme no desenvolvimento de antidepressivos, então essa sociedade não deveria ser mais deprimida, a não ser os casos patológicos raros de porque um dia o pai estuprou a irmã na frente dele, essas coisa mais horrorosas. Não deveria ter mais depressivos. E os dados da Organização Mundial da Saúde são de que a depressão cresce a nível epidêmico nos países industrializados e que em 2020, se eu não me engano, será a segunda maior causa de comorbidade, não de morte diretamente, mas de comorbidade do mundo ocidental. Então, é o sintoma social, está mostrando que esse negócio não funciona. "


O que a palestra de Kehl no Fronteiras fez foi destacar um dos pontos centrais de seu livro e justamente esse, o das relações entre a velocidade do uso do tempo a experiência da construção do sujeito. É uma constatação sua bombástica, a de que ainda que os antidepressivos sejam muito importantes, eles não curam, no máximo ajudam a ter energia para algumas coisas, como por exemplo se tratar. A sua idéia paradoxal é que a depressão faz parte da sociedade contemporânea, não é privilégio de quem não trabalha, mas de quem trabalha também. Diz "Às vezes eu brinco e falo assim: “quem vai salvar o capitalismo da crise é a indústria farmacêutica, porque quanto mais crise mais remédios eles vão vender”. Kehl nos mostra que é uma grande sacada dos laboratórios o modo como o marketing divulga doenças, ela constata que há panfletos falando de 20 sintomas da depressão que qualquer um tem, como falta de sono, excesso, desânimo, irritabilidade - mas ela pergunta: quem náo é irritado com o estresse no trânsito que temos?


Mas há mais de suas idéias que a palestra ilustrou. No caso das depressões, elas veem em primeiro lugar porque nossa moral social é da alegria , a da obrigação do gozo, da farra. Essa idéia de obrigação do gozo - você tem de fazer coisas, se divertir, correr, aproveitar o tempo, diz a você que você é OBRIGADO a aproveitar o tempo. Elas fazem parte das coisas que revelam que não é o individuo, mas é na verdade o social que vai mal. Queremos tudo, queremos fazer tudo e o que o sistema fala, segundo Kehl é "oba, vamos devolver isso na forma de mercadoria”. É a questão da psicanálise atravessando o social, presente na obra de Guattari, Finkielkraut, Bruckner, Zizek e tantos outros desconhecidos no Brasil a que já nos referimos.


É aí neste ponto que se encontra o pensamento de Kelh: se você é obrigado a estar bem, não estar bem é depressão. E como disse Kelh na palestra, se o filho é mal educado, toma remédio, se é hiper ativo, toma remédio, se está em crise, toma remédio, se está em crise porque é adolescente, toma remédio. É a mesma lógica, dá-se conta Kelh, a mesma lógica do capitalismo financeiro: você precisa jogar certo, se comportar certo para ficar rico a vida inteira, acumule, não tenha turbulências (financeiras ou psicológicas) - elas são perdas de tempo, e perda de tempo é perda de dinheiro, daí, mais e mais remédios.


Para Kelh, a relação com a depressão é que o sujeito que submerge a este sistema, submergindo aos remédios, acaba sem força interior. Daí a excelente metáfora das crianças, que para Kelh, por não terem a obrigação de fazer, terminam por criar. O depressivo é este sujeito que rejeita tudo, tem todo o tempo do mundo mas não sabe o que fazer, não consegue transformar seu ócio em criação. Está perdido. Por isso Kelh precisa retornar - o que para muitos pareceu enfadonho, a idéia do bebezinho e suas dificuldades para saciar sua fome como condições de criação da crise interior "psiquismo é isso, trabalho para se enfrentar as dificuldades" e a vida também é isso, enfrentar conflitos, suportar crises, suportar momentos de desprazer, porque não podemos ter só momentos de prazer. Ser ansioso é resistir a enfrentar conflitos, é como se disse - tome o remédio e volte ao trabalho.


Kelh retornou ao estado de depressão Ela diz em um de seus textos " Hoje uma pessoa deprimida, além dela sentir todo o sofrimento da depressão, a sensação de vazio, de que a vida não vale a pena, de que ele mesmo, ou ela mesma, não vale nada, de que o tempo não passa, que os dias estão estagnados e insuportavelmente lentos, enfim, falta de vontade de viver basicamente, tudo isso que já é sofrimento suficiente para um depressivo, hoje recebe um acréscimo da culpa de se estar deprimido". E continua "Porque sentir-se culpado por não querer ir sempre a festas como adolescentes que não tem que trabalhar e vivem uma festa permanente?. "


E ela encontra deprimidos por todo o lugar. Mas encontrou experiências de subjetividade que podiam se contrapor a depressão, como com o seu envolvimento com o MST.Numa situação curiosa, um movimento militante atendido por uma teorica não militante, sua idéia era que havia neuróticos militando e que isso atrapalha a militância, a ideia de misturar problemas sociais com problemas pessoais não é bom, ou "se o cara fica menos louco daí milita melhor”. Sua proposta foi aceita na hora pelo movimento. Mas, se a depressão tem a ver com o social, a alienação neurótica também tem a ver com alienação política. No MST no entanto, ela descobriu que o sujeito não está atrelado ao esquema -papai me ama ou não me ama ao contrário, há outros valores: ali, o valor do sujeito está dado por sua militância, é essa ideia de poder fazer algo como coletivo que a impressiona. E, é claro, também é fonte de angustias. No movimento, a grande formação de subjetividade coletiva é dada pela questão da igualdade, como lhe disse um militante a respeito de seu "pequeno trabalho". Ele falou: “não existe peixe pequeno”. E disse Kehl: “Não, eu quero dizer que o que eu faço aqui é secundário”. “Não existe tarefa secundária”, disse o militante." Ele foi interprentando a psicanalista! “Companheira, ou somos iguais ou não somos iguais. Se somos iguais, você pode trabalhar lá nas privadas que o seu trabalho é tão importante quanto de um dirigente”.


Poderia-se afirmar que Kehl vive hoje, em relação ao seu trabalho de campo, experiências similares as que Rolnik & Guattari viveram nos anos 80, descobrindo a subjetividade em criação nos movimentos sociais. Há duas diferenças, contudo. A primeira, é que enquanto Rolnik & Guattari viram o movimento das rádios livres expressão de liberdade subjetiva, ela vê no MST; enquanto Rolnik & Guattari centraram-se nas formas de produção social do desejo, ela encontrou um novo objeto de trabalho, a depressão, que parece estar-se tornando o modelo de construção de uma subjetividade dependente do capital. E nisso, ela ainda tem muito a dizer.


PS: as citações da autora foram pesquisadas em seu site http://www.mariaritakelh.com.br/ Vale a pena visitar. A página de fronteiras, que contém uma entrevista é http://www.fronteirasdopensamento.com.br/
PS 2: Beatriz informa sobre o tema que a Lei nº 10.615 de 14/01/2009 de autoria do ver. Oliboni instituiu o Dia Municipal de Prevenção e Combate à depressão a ser realizado no dia 10/09, integrando o calendário Oficial de Eventos de Porto Alegre.

domingo, 25 de outubro de 2009

As monstruosidades do Capital


Foi o meu grande amigo Voltaire Schilling que lançou o debate sobre os monumentos artisticos que existem na cidade e que segundo ele, são abominações deixadas como doação por artistas que não querem arcar com o translados de suas obras (A capital das monstruosidades, Zero Hora, 25 de outubro). Ele pede a Sergius Gonzada que levante recursos e promova uma "ação entre amigos" para despachar tais coisas para qualquer outro lugar. Respeitosamente, devemos ver um pouco com mais profundidade do que realmente se trata.
Eu me lembro de uma discussão parecida, alguns anos atrás, sobre o destino dos prédios do Deprec, situados ao lado da Usina do Gasômetro. Autoridades, arquitetos e artistas estão geraram a epoca um debate e autoridades manifestaram-se pela demolição, com o argumento de que "como não havia acesso da população antes da transferência da área do Estado para o Município, esses galpões não fazem parte da memória afetiva da Capital".


Tais questionamentos me vem de novo a mente quando vejo o ilustre professor criticar as esculturas e monumentos que em sua opinião não tem caráter estético algum. Não me coloco no pedestal para julgar tais obras, asntes o que me chama a atenção é a questão de como chegamos a isso. Por que o governo municipal, tão solícito quanto as questões culturais, com um quadro de técnicos sérios, honestos e competentes, aceitou tais monumentos? E tirar obras de arte de caráter duvidoso durante a realização da Bienal de Arte não me parece ser algo racional. A explicação que encontro é a seguinte: tais obras existem e foram aceitas pelo governo e estão construindo seu valor histórico e patrimonial . Mas, no fundo, no fundo, não são esses monumentos que me chamam a atenção, já que acredito que sua unica função seja exatamente esta, provocar a discussão. Preocupa-me, ao contrário, outra monstruosidade, que o Prof. Voltaire não se referiu e que para mim é importante: a padronização e reforma dos equipamentos urbanos da cidade, baseado na criação de um "novo mobiliário urbano".


O leitor há de concordar comigo de que se caminharmos pelo centro da cidade, encontraremos uma série de equipamentos novos que tem o aparente objetivo de tornar a cidade "mais moderna", "mais funcional", "mais adequada ao século XXI". Caminhemos nas proximidades do Mercado: o novo abrigo de ônibus, um pouco mais adiante, na Rua Uruguai, as coberturas dos terminais de ônibus e finalmente, a cobertura metálica do Mercado Público - aliás, quem se recorda daquela sensação de "estar perdido", que só antigo o mercado produzia?


Não sou contra aos ajustes funcionais que toda uma metrópole deve ter para melhor funcionar. Apenas questiono se não aceitamos muito rapidamente o fato de que deixamos os governos maquiarem a cidade com a ajuda de um design clean do mobiliário urbano enquanto que as obras de arte que rompem de alguma forma essa imagem são criticadas imediatamente por todos. Essa é uma tendência que começou a se definir na paisagem das cidades européias na década de 80 e 90. Originária de Barcelona, chegou ao Brasil através da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que de imediato colocou designers, arquitetos e urbanistas para discutir os rumos do desenho da capital, provocando grande debate entre os cariocas.


Para alguns estudiosos, esse desenvolvimento em larga escala de novos equipamentos urbanos, a adoção de uma retórica oficial sobre novos espaços públicos, o aumento pelo interesse pela estética e planejamento urbano, a aquisição de obras de arte para cidade são fenômenos que transformam-na em suporte para a ideologia. Manuel Castells em "A sociedade de informação", aponta que as cidades são agora marcadas pelos fluxos, palavra chave para as redes de computadores que também servem como metáfora para compreendermos o que se passa no desenho das cidades.
Externamente, vemos que as cidades passam a se relacionar numa mesma rede planetária que ameaça a soberania dos estados nacionais. Internamente, os fluxos da cidade sofrem modificações, como as que vemos em face o surgimento dos shoppings-centers. Seguindo o raciocínio, Porto Alegre sob a condução da Administração está adentrando no estágio pós-shopping, a nova etapa de organização dos fluxos da cidade, caracterizada pelo incremento de um novo mobiliário urbano que tem como objetivo fazer Porto Alegre semelhante a cidades tão distintas quanto Paris, Madri, Barcelona e Rio de Janeiro. Distintas em história. E voi-lá, para os técnicos, Viva!, adentramos na Modernidade!
Nada mais falso, por que a cidade está cansada desta ideologia de Modernidade que está aí para substituir a antiga dialética subdesenvolvido-desenvolvido; a arte está cansada desta dialética do sentido, de colocar obras em algum lugar para significar alguma coisa - ela não quer significar coisa alguma, ela só quer proliferar ao infinito. Tais ações só fazem o papel de um espelho convexo e deformador cujo efeito paradoxal é o de neutralizar o caráter político da arte e da participação dos cidadãos nesse processo - até que ponto a escolha de nomes para equipamentos "pré-definidos" é "participação popular"? até que ponto é democrática uma administração defende o patrimônio histórico, se a primeira oportunidade, deseja substituir o pretenso "obsoleto" e "velho" pelo "moderno" e "novo"?


A pergunta sobre que significado simbólico possuem os atuais projetos de reformas urbanas e arquitetônicas, os sentidos possíveis para a arte, o tipo de ideologia urbana que encarnam e como é vista a evolução biológica, social ou tecnológica da cidade que os portoalegrenses experienciam deve acompanhar do inicio ao fim as decisões dos políticos. Estas são as verdadeiras questões que nosso ilustre professor poderia lançar ao debate, ao invès de criticar obras que - e convenhamos, ele tem razão em algumas - ocupam um pequeno espaço do debate.


Sou contra toda destruição do patrimônio cultural e não aceito que seus "simulacros" (Baudrillard), como o atual Mercado do Bom Fim, reconstruído a imagem e semelhança de um original, sejam tomados como o "real". É preciso estar atento ao fio tênue que separa o design do mobiliário urbano como instrumento para o bem da cidade, de outra coisa que só promove a afirmação do poder. Um exemplo dá o sentido da discussão que proponho. Rosalyn Deutsche, no livro Evictions, afirma que em Nova Iorque, a reprodução de luminárias e quiosques do século 19 no Union Square Park e o mobiliário urbano tradicional em Battery Park City ajudaram a "criar uma imagem de estabilidade e continuidade na vida urbana". Sua intenção é mostrar que é possível revitalizar o centro urbano de forma coerente de formas que não passam, exclusivamente, pela substituição do "velho" pelo "novo". E o papel do Estado é justamente, o de buscar a conciliação entre o capitalismo global e a tradição.


O governo deve estar atento: deve cuidar para que nossa cidade não se transforme em um living room atolhado de móveis supérfluos e geradores de poluição visual cuja principal consequência é a destruição da memória. Deve ser severo quando se trata da destruição de antigos equipamentos e sua substituição por novos, somente o fazendo quando plenamente justificados e absolutamente necessários. Deve ser criterioso quando se trata de julgar obras de arte espalhadas pela cidade, sem deixar-se levar pelo subjetivismo. Precisa resistir a tentação de ceder ao grande poder publicitário e a força da iniciativa privada, que tende a cada vez mais a ocupar os espaços públicos em detrimento da memória da população - ainda que o marketing cultural esteja em alta. Agindo assim, toda intervenção urbana terá como resultado, dar subsídios aos habitantes para que possam conviver com seu passado para, compreendendo seu presente, exigir seus direitos de cidadão.
A questão não é se Porto Alegre se transformou na capital das monstruosidades pelas obras "feias" que carrega, mas se o Capital não está fazendo mostruosidades com o cenário urbano de forma geral.

Para uma ética política voltada para o futuro



Voltaire, um dos expoentes do Iluminismo, dizia que existe apenas uma moralidade, da mesma maneira que existe apenas uma geometria. Tempos depois, Paul Valery dizia que no mundo dominado pela especulação, nossa concepção de valores morais tende a aproximar-se do modelo de valor dos mercados de ações.


As palavras de Paul Valery servem para definir com exatidão o que está na base da crise de valores que vivemos hoje: ela envolve envolve estruturas morais tradicionais e valores laicos, como a verdade e a mentira na política. Ele está cada vez mais marcado pela lógica dos valores de mercado aplicada a vida políticam, o que leva os políticos a levar em conta cada vez mais os indicadores temporários que favorecem a frivolidade do que os verdadeiros valores políticos que devem nortear suas ações.

Vejamos mais uma vez o exemplo de Yeda Crusius. A governadora foi apanhada nesta estranha contradição de ser uma brilhante economista cuja atuação acadêmica a levou a conquistar um espaço político importante e ser uma política com um mandato marcado pelo efeito do efêmero e do frívolo: saber quando construir uma casa ou saber escolher um vice-governador deveriam ser questões menores para quem queria ser uma governadora e não foram. As contradições não demoraram a emergir: quando foi acuada pelos professores Yeda Crusius afirmou que estava em sua residência - deveria ter se lembrado disso quando encontraram faturas de bens adquiridos para sua casa particular. Foi neste instante que a governadora perdeu a razão de defender sua privacidade.


O fato é que ao invés de criar valores com sua ação política, Yeda Crusius os destrói por meio dela. Pior, destrói o sentimento da população em encontrar a verdade em seus governantes. Para a população, fica o fato de que se a casa da governadora pode ser financiada com recursos públicos, ela pode ser lugar de manifestações públicas. Melhor seria se o atual governo baixasse de uma vez para todas: casa do governador é o Palácio Piratini e ponto. Yeda Crusius não vê, mas encarna o divórcio entre a política e a intelectual porque é incapaz de com sua ação criar valores políticos, e com isso, nega a força propulsora que poderia dar ao seu partido. Isto é muito bom para a esquerda, pois torna seu trabalho de oposição muito mais fácil.


É possível Yeda Crusius recuperar-se deste erro político? Em muito países do mundo, o arrependimento de políticos chaves flagrados em momentos de fraqueza significou uma nova chance. Foi o que ela tentou fazer com seu discurso, após o encerramento da CPI da Assembléia. Mas é preciso considerar o efeito de sua ação no cimento social que une a sociedade e seus representantes. Se os gaúchos entenderem que a ação de Yeda Crusius é produto de um individualismo exacerbado, argilosamente preparado desde o momento de sua candidatura ao Governo do Estado, seu partido perderá duas vezes: perderá uma política com uma história respeitável e seu tempo político de governo. Se a sociedade reconhecer nas desculpas singelas de Yeda, uma decisão genuína e de valor, novos tipos de solidariedade de centro-direita poderão nascer ao redor de seu nome, mas na minha modesta opinião, isto é muito mais dificil. Por esta razão, resta à esquerda iniciar a construção de uma candidatura ao governo de Estado vacinada na fonte, olhando com atenção os erros de sua adversária, sem qualquer traço semelhante que possa fazer se arrepender.


O erro de Yeda Crusius foi não pensar as consequências sobre o futuro dos valores políticos que seu gesto simples de comprar uma casa provocaria na política local. Pois o político deve fazer reflexões éticas de seus atos, não apenas para o presente, mas em direção ao futuro. Deve pensar os valores e as consequências de suas ações no tempo. Ao desconsiderar uma ética voltada para o futuro, Yeda Crusius construiu com suas próprias mãos seu destino político. Nele agora três novos conceitos são associados: irrresponsabilidade política, revelada por atos que mostram sua indiferença frente a decisão soberana dos cidadãos que a elegeram governadora; imprevidência política, por que a imagem do bom político corre o risco de desaparecer com o vento devido as suas más ações; negação da herança política, por que por mais extensa e com contribuições de valor que tenha feito ao Estado em sua gestão, a imagem que fica para os eleitores é a de um governo não atendeu as expectativas da população. Que os candidatos a governador pensem na ética do futuro, é a lição que Yeda Crusius deixa a seus adversários.

Atualizar o pensamento de esquerda



Em maio de 1998, foi realizado em Paris um encontro internacional em comemoração aos 150 anos da publicação do Manifesto Comunista de Marx e Engels. O encontro reuniu tudo o que a direita mais odeia: leninistas, stalinistas, trotskistas, conselhistas, autonomistas, luxemburguistas, maoístas, gramscianos e guevaristas, todos fazendo referências a K. Marx. Dez anos depois, no Brasil, em 2008, a esquerda brasileira voltava a discussão do mesmo manifesto, com os mesmos atores políticos do encontro francês. O que diferencia um e outro grupo, no entanto?

A reunião foi relatada por Daniel Aarão Reis Filho, em artigo do Jornal da Tarde. Lá fora, reconhecia-se que a esquerda está mudando, e o congresso foi uma troca ponderada de reflexões como nunca se viu: estavam presentes 1.500 pessoas, provenientes de mais de 60 países, que dividiram -se em 37 mesas-redondas envolvendo 280 participantes. Foram apresentados 349 textos e participaram 60 brasileiros com a apresentação de 31 papers. O evento foi organizado pela Espaços Marx e bancada por mais de duzentos intelectuais. Algo bem diferente do que se viu aqui: seminários esparços em instituições politicas, papers na internet, seminários sindicais e de partidos buscaram levantar o mesmo tema, de uma forma mais restrita.Renovar, pero no mucho, camaradas. Pelo menos uma diferença fundamental: a capacidade concedida aqui e lá para aceitar a necessidade de atualizar os objetivos do manifesto. Mais lá e menos aqui.


Porque atualizar os objetivos do movimento de esquerda é uma necessidade. E a direita sabe muito bem usar do esgotamento dos ideais de esquerda. Há na televisão, uma propaganda de um partido de direita, que diz que o "jovem não quer ser de esquerda, não quer usar camisa de Che Guevara". Porque? Por que essa direita sabe que o jovem não lê os clássicos, muito menos o Manifesto Comunista lhe serve de orientação. O que é um problema, pois ali está justamente as grandes questões políticas que gostariamos de ver os jovens refletirem:o que resta para propor alternativas políticas e em que direção? Como fazer a mudança social? Com quem se deve aliar? Revolução é possivel ou é o sonho do século passado?


Enquanto que lá fora, existem intelectuais que querem revisar o que Marx disse a luz de outras linhas de pensamento, aqui ainda há muito, de uma esquerda que não querem revisar o que Marx disse ou escreveu, nem atualizam as experiências socialistas. Não querem o revisionismo. Essa tendência é bastante forte no Brasil. É o discurso que não abandona a idéia do proletariado como classe revolucionária, a idéia de partido como vanguarda, a defesa da violência( presente hoje no MST), a idéia da revolução anticapitalista. E por causa desta fixação da esquerda, perde-se cada vez mais o alcance dos jovens.

Por isso, o encontro de 1998 tem mais a ensinar a esquerda do que a discussão no Brasil dez anos depois. Marx precisa ser revisado, urgentemente. As questões são as novas alternativas capitalistas no século XX. Pergunta-se por novos atores, novas formas de luta, principalmente sem o uso da violência. O que queremos deixar claro é nossa idéia de comprometimento da luta social e política com a democracia e os valores democráticos, e nesse aspecto é preciso que a esquerda precisa cortar na própria carne: é a rejeição da herança leninista.

É claro que há aqueles, finalmente, que desejam uma revisão limitada - e não radical - do pensamento marxista. Consideram insuperável seu diagnóstico do sistema capitalista atual - com o que concordamos, alienação, mais valia e tudo o mais. O problema é sua visão de futuro, que incapaz de atualizar para criticar o presente - o significado da expansão da alienação pelo capital, a conquista da subjetividade e as novas formas de micropoder, temas recorrente em Kurz e Zizek - perdem a oportunidade para pensar novamente a idéia de futuro.E futuro, para os jovens, precisa chegar mais rápido.


Sinal dos tempos: o comunismo fragmentou-se mas o pensamento de Marx continua a explicar o capitalismo. Há na esquerda desde a defesa do pluralismo ao radicalismo mais tacanho, o que ainda é uma grande ameaça. É a imagem patética de esquerda que vemos no horário eleitoral. Ela tem que mudar. Não há nada errado em lutar por um ideal socialista, mas a experiência de terror manda respeitar as diferenças regionais e aponta que o caminho é aquele em que buscamos a utopia mais próxima da realidade possível. Construir um novo discurso de esquerda possível é fundamental para trazer para o movimento político os jovens, cada vez mais afastados da política. Porque , sem jovens, como será o futuro da esquerda?

Paul Virilio: o olhar da filosofia sobre a técnica


Há um pensador de grande importância, e também pouco conhecido, Paul Virilio que vale apena lembrar por suas histórias. Veja esta. Ela é real. June Houston, uma americana de 25 anos com medo de fantasmas, encheu sua casa de câmeras, disponibilizando as imagens permanentemente na Internet. Ela só pede ao internauta que, cada vez localizar uma forma estranha, um ectoplasma, mande urgentemente uma mensagem para ela. Huston, sem saber, construiu assim a primeira casa literalmente exposta ao mundo. Para Paul Virilio, exemplos como este mostram que a vigilância, a supeexposição, a tecnologia e a Internet são nossa obsessão atual. Estes temas são explorados pelo autor em Cybermonde, la politique du pire, entrevista que surgiu a partir do debate de um trecho de Virilio colocado na Internet, que segundo Phillipe Petit - que conduz a entrevista - chamou muito a atenção pois coloca a questão paradoxal: afinal, nos anos 2000, sumiu de novo a fronteira entre o público e o privado?

Paul Virilio, arquiteto e urbanista, é um dos mais originais analistas do mundo técnico contemporâneo, desde que descobriu a associação que existe entre a produção, a velocidade e a guerra. Nascido em Paris em 1932, de pai italiano, refugiado comunista, e mãe inglesa, Virilio estudou durante anos a fotografia e o espaço, escrevendo esparçamente sobre as cidades e arquitetura. Contemporânea. Trabalhou com Claude Parent e engajou-se fortemente no movimento de 68, começando a escrever sobre tecnologia em 1972, quando dirigiu a L’École Speciale d’Arquitecture. Dessa época, foram publicados no Brasil Espaço Crítico (Ed. 34, 1993), onde Virilio analisa o universo high-tec e as transformações tecnológicas contemporâneas; A máquina de visão (José Olimpio, 1994), que mostra o processo que transformam a consciência e sua substituição por dispositivos tecnológicos e Velocidade e Política e A arte do motor (Estação Liberdade, 1997) que revelam o mundo da velocidade, necessária para a tomada de poder e o seu vínculo a uma história ligada a invenção de motores (entre eles o informático).

Cybermonde é organizado em quatro partes principais. A primeira, intitulada “Da revolução dos transportes a revolução das transmissões”, Virilio analisa o curto período que vai da revolução industrial no século XIX a era informática. Para ele, a questão fundamental é da relação entre velocidade e poder político - Virilio contesta a idéia de que as tecnologias do tempo real podem contribuir para o aprimoramento da democracia. Na segunda parte, “ A parte do mundo ou como recuperar o próprio corpo”, Virilio se interroga sobre a cidade, os dispositivos que recriam nosso mundo habitado e nosso próprio corpo, exatamente no limite entre o espaço público e o privado. A terceira parte, intitulada “Quaisquer boas razões para entrar na resistência”, Virilio se debruça sobre o que chama de acidente geral, o milagre da inversão e reversibilidade dos objetos. ”No início da invenção da aviação, Santos Dumont é o que correspondia a um dândi do ar, ou seja, para ele a conquista do ar era uma festa. Santos Dumont era um poeta. Ele volta a Paris, durante a guerra de 14, e assiste ao primeiro combate aéreo em que os pilotos atiram uns nos outros com carabinas, o que o deixa estarrecido. Ele vê que sua invenção maravilhosa leva à guerra aérea, ele volta ao Brasil e se suicida.“A última parte, intitulada “Da guerra provável a paisagem reconquistada”, Virilio explora o campo da guerra em tempo real no espaço dos satélites. Sua pergunta, “o que houve com a guerra?”, nos coloca a questão de que se o desastre real não está diante de nós, é o tempo de reconquistar o planeta e de inventar uma nova paisagem.

Virilio é o novo ecologista surgido das entranhas da técnica, que se surpreende com o projeto da nanotecnologia, a da elaboração de artefatos em escala atômica e que acelera a nossa entrada na era da simbiose com máquinas. Ao questionar a perda de limites entre máquina e homem, a terceira revolução industrial - a de implantes no corpo - Virilio nos mostra que o sonho de Jonny Minnemonic esconde um mal que não é apenas algo das telas do cinema: em realidade, tudo caminha para a construção de um corpo literalmente tecnológico, uma via para a circulação de informações mecanicamente inseridas: no futuro, os corpos serão híbridos. E os casos extremos - esses acidentes que já estão acontecendo ao nosso redor, a que se refere Virilio - nos chamam a atenção para essa diferença, esse espaço entre a invenção e seu contrário. “Estou trabalhando há anos sobre o tema do museu de acidentes, considerando que o século XX, desde o "Titanic", é o século dos acidentes. Não dos acidentes naturais, é claro, mas dos artificiais. A invenção de um objeto técnico como o navio é a invenção do naufrágio. Mas este acidente corresponde a condições e época dadas, o que indica tratar-se de um acidente local. Com a teletecnologia, a informática, a telemática, inventa-se um objeto global, e não mais local, que tem a potência do acidente total, ou seja, de um acidente espontâneo e global.”

Virilio nos ensina a reconhecer o inimigo. É preciso compreender a negatividade desta revolução tecnológica contemporânea, pois a positividade está clara. “acho que até agora não há nenhuma crítica verdadeira da Internet, isso está começando. Ao surgir do enfrentamento de blocos Leste e Oeste, a Internet suscitou a criação de uma informação global capaz de resistir à guerra nuclear - a ancestral da Internet se chamava Arpanet, um objeto militar do Pentágono destinado a resistir aos efeitos eletromagnéticos de destruição de comunicação durante uma guerra atômica. Não tivemos a guerra atômica, mas temos tecnologias de captura de informação de um lado e de outro para evitar qualquer surpresa e foi dada esta tecnologia à sociedade civil através da Internet.” Diz Virilio.

Outro livro de Virilio, “O museu dos acidentes" onde ele quer mostrar como o século XX cumpriu a idéia de progresso, na paz e na guerra. “O século XX, dizia Albert Camus, é um século implacável. Para mim é um século monstruoso. Acho que é o século dos acidentes em todos os domínios. É claro que conseguimos muitas coisas, mas também fizemos coisas terríveis e faremos pior. Vamos acordar! Não dou razão aos ecologistas, que acham que devemos abandonar tudo e voltar a pescar. Sejamos razoáveis: o progresso científico é uma catástrofe. O que não quer dizer que devemos abandoná-lo.”


Jean Baudrillard: o profeta do fim do mundo



Um autor que considero excepcional, além de Slavoj Zizek e Paul Virilio é Jean Baudrillard. Sua obra mais importante pouco lida ou conhecida é “A Troca Simbólica e a Morte(Edições Loyola), uma reviravolta na teoria marxista da história que serve de base para a constituição de sua teoria estruturalista e semiótica do signo, mais antropológica, uma critica aos signos e sinais de utilidade e comodidade com os quais estamos familiarizados. Sua inspiração é oriunda de sua trajetória singular.


Nascido em Reims, França, em 1929, aprendeu alemão na infância, o que auxiliou na tradução de Brecht e Peter Weiss. Em 1966 defendeu sua tese de doutorado em Sociologia na Universidade de Nanterre, sede do movimento de Maio de 68, ano em que aparecem suas primeiras publicações. Esteve várias vezes no Brasil e atualmente ministra seminários na Europa e nos Estados Unidos. Inspirando-se em autores como Nietszche, Horderlin, Sartre e Barthes, muito distante portanto de toda a filosofia tradicional, Baudrillard possui uma obra é de difícil classificação, situando-se entre a Sociologia, Hermenêutica e Filosofia. Buscando uma sociologia-crítica, uma teoria do sistema dos objetos e de seu sentido para além do utilitário, uma teoria do consumo como padrão moral de nossas sociedades, diversas de suas idéias provocaram celeuma entre os Cientistas Sociais.


Em A Sombra das Maiorias Silenciosas, Baudrillard nos revelou que a massas não obedecem ao político, antes o absorvem no sentido de que não se deixam representar por nenhum sistema. Em Da Sedução , defende que não há produção - o que liga o mundo é a sedução, um mundo onde os referentes estão volativizados, mundo encantado que funciona como o pano negro da verdade. Inventor do conceito de hiperrealismo, definindo-o como o sistema de máxima referência, exatidão e verdade, que sempre nos oferece mais cor, mais fidelidade, mais relevo, privando-nos de dar algo em troca.


Em as Estratégias Fatais, mostra que são os objetos é que são astutos, geniais e cínicos, mais do que o sujeito, colocando neles o gozo e a fascinação. Mostrando os efeitos de uma sociedade que atingiu o êxtase, a saturação, a multiplicação enlouquecida dos signos nessas obras Baudrillard revela numa fase menos teórica, mais intensa e fragmentada que incluem inclusive autobiografia como por exemplo em Cool Memories.

Em A troca simbólica sua noção de produção - diferente de Marx - aparece com mais vigor na tese de que hoje se produz mais signos do que mercadorias e o que é pior, não sabemos para quem e o que produzimos. Na consideração do capitalismo como construtor de um estilo de vida e de morte, Baudrilard sugere que as necessidades se sustentam pela força da aparência, turvam nossa distinção entre o que é verdadeiro e falso, artificial e real, e fundamentalmente, faze-nos esquecer da morte que nos espreita. Pensamento aparentemente fantasmagórico, não se trata das diferenças entre o real e suas cópias, tema a que estamos tão acostumados a ver em sua obra: lhe é anterior, trata-se de resgatar uma idéia de Mauss de um acordo simbólico entre homens e o universo simbólico que nos cerc e que sempre existiu na cultura.



Tudo o que se seguiu em suas obras posteriores - o mundo como algo inconcluso, o fim imaginario dos anos 90 como ilusão, o desaparecimento do conceito de progressão linear, o desejo de evitar o apocalipse virtual - tese presente em “Tela Total” - devem muito a esta tese fundamental que só pode ser o de um mundo do consumo insignificante que ousa roubar a própria morte.

Defendendo que as sociedades atuais perderam o simbólico como forma de troca social, e nela, a seu motriz paradoxal, a morte, Baudrillard nos diz que fomos roubados de nossa morte simbólica, fomos vítimas da perda total da morte como aquilo que une homens e mundo, só restando a morte natural que cumpre o papel pornográfico, censurado, que cumpria o sexo em outras épocas. Tornar-se o profeta de um presente perfeição realizado e a beira do colapso ”A forma nunca deve ser entendida como experiência real de um sujeito ou de um corpo, mas como uma forma - eventualmente a de uma relação social - na qual se perde a determinação do sujeito e do valor(...) O sistema pode se ramificar, se desramificar - todas as energias liberadas voltam a ele um dia: foi ele que produziu o próprio conceito de energia e de intensidade. Por que o sistema é o mestre: ele pode, como Deus, vincular e desvincular as energias; o que ele não pode fazer (e que é aquilo que ele também não pode escar) é ser reversível”



Superando a lei do valor de Marx, a Lei do Pai e do Significante da Psicanálise, buscando sua inspiração os anagramas de Saussure, a troca/dádiva de Mauss, Baudrillard chega a uma conclusão paradoxal: “Há apenas um evento teórico que é para nós da mesma ordem de grandeza desses: a proposição da pulsão de morte por Freud”. Utilizando o método de ”violência teórica”,diz nos que ”hoje todo o sistema oscila na indeterminação, toda a realidade é absorvida pela hiper-realidade do código e da simulação. É um princípio de simulação que nos rege doravante em lugar do antigo principio de realidade. As finalidades desaparecem; são os modelos que nos geram. Já não há ideologia; há apenas simulacros.”



Analisando exemplos como os da operacionaldiade cibernética, o código genético, a ordem aleatória das mutações, o princípio de incerteza, Baudrillard nos mostra que tudo o que esta a nossa volta e que sucede a ciência com a qual estavamos costumados a trabalhar, deteminista, objetivista, dialética.” Não combatemos o aleatório a golpes de finalidades, não combatemos a dispersão programada e molecular a golpes de tomadas de consciência e de superações dialéticas, não combatemos o código a golpes de economia política nem de revolução. (...) É preciso levar as coisas ao limite, onde, naturalmente, elas se invertem e se desfazem”e isto é a própria Patafisica “uma ciência das soluções imaginárias, isto é, uma ficção cientifica do retorno do sistema contra si mesmo, no limite extremo da simulação, de uma simulação reversivel numa hiperlogica da destruição e da morte”.

Para Baudrillard, pouco a pouco, os mortos deixaram de existir. Eles são rejeitados, jogados para fora da circulação simbólica do grupo. Não são seres integrais, parceiros dignos da troca e fazemos que se deem conta disso ao proscreve-los para cada vez mais longe dos grupo dos vivos, da intimidade domestica ao cemitério, primero grupo ainda no coração do lugarejo ou da cidade, depois primeiro gueto e prefiguração de todos os guetos futuro” Todos os demais excluídos encontraram um lugar de abrigo da cidade moderna, asilos, hospícios, etc, só a função morte não. “Não se sabe mais o que fazer com relação a isso. Por que hoje não é normal estar morto, e isso é novo”. Estar morto é uma anomalia inconcebível, seu lugar é inecontrável nada de lugar ou tempo, mas eis o paradoxo radical: é que as cidades modernas inteiras assumem essa forma: são cidades mortas e cidades damorte.


Para Baudrillard, o fato de que os conjuntos que habitamos parecerem-se com cemitérios, e o fato de que muitos cemitérios constituem os poucos espacos verddes da cidade, diz muito sobre a inversão dos valores na necrópole moderna. Com a morte, acontece que ela demarca, separa os vivos e os mortos, essa equivalência universal da condição humana, só passa a exisitr a partir dos surgimento de uma discriminação social dos mortos. “A morte, nossa morte, nasce mesmo no século XVI. Ela perdeu a foice e o relógio, perdeu os Cavaleiros do Apocalipse e os jogos grotescos e macabros da Idade Média. Tudo isso ainda era folclore, festa, por cujo intermédio a morte ainda era trocada, claro que não com a eficácia simbólica dos primitivos, mas ao menos como fantasma coletivo no frontão das catedrais e ou nos jogos partilhados do inferno.”


O que Baudrillard encontra na história é o fato de que com a desintegração das comunidades tradicionais, a morte deixa de ser partilhada. Nasce nossa obsessão com a morte, a vontade de abolir a morte por meio da acumulação, motor fundamental da racionalidade econômica, uma fantasia do adiamento da morte. “Toda a nossa cultura não passa de um imenso esforço por dissociar a vida da morte, conjurar a ambivalência da morte em beneficio exclusivo da reprodução da vida ...abolir a morte é o nosso fantasma. Nenhuma cultura conhece essa oposição distintiva entre vida e morte e talvez por isso o pensamento de Bataille seja tão essencial ao pensamento de Baudrillard: ele como Mauss, viu a morte como excedente do paroxismo das trocas, da superabundância e do excesso. O que o aproxima a Bataille é o fato de que a idéia de morte não é de modo algum falha da vida, que éla é desejada pela vida e aboli-la não passa de um fantasma delirante da morte (excesso, ambivalência, dádiva, sacrifício, gasto, paroxismo) “A morte não é resolução nem involução: ela é reversão e desafio simbólico”.


Ainda que em certa altura, para Baudrillard, o próprio Bataille se equivoque, o que ele quer destacar é que se morte e sexualidade são biologicamente ligadas como destino orgânico dos seres complexos, isso não tem nada a ver com a relação simbólica entre a morte e o sexo. “Ela é jogo, desafio e enlevo, e é jogada ao frustrar o jogo da outra”. Para Baudrillard, o fato de que em outras culturas, a morte começa antes da morte e que a dura dure depois da vida, aponta para a indistinção possivel entre vida e morte. “Nossa idéia moderna da morte regida por um sistema de representações totalmente diferente: o da máquina e do funcionamento”.A ordem simbólica não conhece essa digitalidade abstata. Nem a vida nem a morte podem mais ser atribuidas a um fim qualquer: logo, já não há pontualidade nem definição possível da morte”.


Trata-se de uma ilusão do sujeito, por um paradoxo histórico: no mesmo momento que que é concebida como natural, profana e irreversível na epoca das Letras e da razão, entrou em contradição com os valores individuais da sociedade burguesa, progresso ilimitado da ciência, domínio da natureza em todos os sentidos.” A morte natural é a morte colocada sob jurisdição da ciência, e que tem a vocação de ser exterminada pela ciência”. Esse é o progresso do social, que anexa tudo a si mesmo, inclusive a morte. “Cada pessoa é despossuida da morte, não lhe sendo jamais possível morrer como bem entender. Ela nunca mais terá liberdade exceto para viver o máximo possível. Isso significa, entre outras coisas, a interdição de consumir a vida sem considerar limites”.


Dessas reflexões, as consequências: a velhice torna-se o novo peso morto das sociedades - o velho deixa de ser o pivô simbólico dos grupos para passarem a representar a morte social antecipada; valorização da morte em família - única que tinha sentido pleno para a coletividade tradicional - torna-se insignificante perto da morte violenta, acidental, aleatória, que não tinha sentido para as comunidades antigas: ”ela é a única assunto de crônica, fascinar, tocar a imaginação. “Exploração abjeta da morte pela mídia? Não, a mídia se contenta em jogar como fato de que os únicos eventos que significam imediatamente para todos, sem calculo nem, desvio, são os que envolvem, de um ou de outro modo, a morte” Baudrillard nos recorda que não existe morte natural para os primitivos, toda a morte é social, publica, coletiva, sendo sempre o efeito de uma vontade adversa que deve ser absorvida pelo grupo”.”Quanto a nossa morte, é um qualquer que partiu. Já não há o que trocar. Ele já e um resíduo antes de morrer”.

A leitura de Baudrillard é uma necessidade urgente. Sua contribuição ao pensamento social contemporâneo supera Foucault, na busca de uma história da exclusão - das crianças, dos loucos, das raças inferiores - pois nos revelou há uma que precede e que lhes serve de modelo de racionalidade: a dos mortos e da morte ”uma evolução irreversível assinala a passagem das sociedades selvagens a modernas”; retoma autores fundamentais como Bataille, Mauss e Nietzsche como apoio para reverter o marxismo numa teoria mais contemporânea; talvez o primeiro autor, depois de Alain Finkielkrault, de A nova desordem amorosa, a dissercar com exatidão o universo feminino, pensador original dos fenômenos extremos, atos terroristas e todos os fatos agudos de nossa política contemporânea, Baudrillard, ainda que impregnado de niilismo, e sem oferecer saídas satisfatórias, disseca o mundo com a precisão de um cirurgião, e exige por isso, nossa atenção.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Jardins da Política



Foi Ruben Alves que chamou a atenção para a relação da política com a jardinagem. Ele não queria ofender os políticos ou a politica, ao contrário, queria mostrar uma relação inequivoca entre os termos. Aliás, para Rubem Alves, a política é a vocação mais nobre porque vocação vem do latim "vocare", que quer dizer "chamado". Por isso vocação por definição é um chamado interior repleto de amor, amor por um fazer. Se você tem uma vocação você a faz por amor. Psicologia autruista quase impossivel nos dias de hoje: fariamos o mesmo mesmo se não ganhassemos nada.Vocação. E se você é um político por vocação, você é o melhor ator social que uma comunidade pode almejar a ter.


A origem de política, todos sabem é grega, das cidades ou polis, então espaços seguros, ordenados e mansos, bem diferentes de nossas cidades inseguras, desordenadas e violentas. A mudança não significa que mudamos o objetivo de viver nas cidades, qual seja, a de que é um lugar onde os homems podem buscar a felicidade. Diz Alves, com sabedoria "O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos os moradores da cidade."


A jardinagem entra para Alves como uma metáfora, um espelho que serve para ver que política alcançamos. É que além dos gregos, ele lembra a importância de se pensar nos hebreus, nômades no deserto e que na mesma época não sonhavam com cidades, mas sonhavam com jardins. "Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu "o que é política?", ele nos responderia, " a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas".




Queremos cidades ou queremos jardins? A metáfora é bonita porque serve para imaginar que o bom politico é o apaixonado por jardins para todos, é capaz de abrir mão de seu pequeno jardim - seus cargos, seus benefícios, seus lucros - que de nada valem se ao seu redor está um deserto - a saúde, a educaçao, a violência.




Alves tira disso uma lição para os políticos: é preciso transformar desertos em jardins. A importância da politica está no fato de que os políticos tem poder. Obvio, não? Mas o que isto significa? Significa a capacidade de fazer algo duradouro, ou como todos gostariamos, de "transformar sonhos em realidade". Há ainda muitos políticos por vocação, lembra Alves, e sua existencia é o único motivo real de que devemos ainda, por mais um tempo, ter esperança na politica e na sua função possível de transformar os desertos da realidade em jardins para se viver.




Daí a importãncia do parlamento em dar seu exemplo. Os políticos, os vereadores, darem mostras do que fazem pela população. Recuperar o aspecto de vocação da politica significa recuperar o sentido da felicidade no fazer político e não no lucro que deriva dela. Construir jardins, diria Alves. Além disso, daí a importância de uma educação política para que as novas gerações se aproximem da política mais por seus ideais do que por seus benefícios - formar novos construtores de jardins.




Mas a metáfora dos jardins ensina mais uma coisa a política e a sociedade: não podemos viver a política como quem vive o imediato. A sensação de que o mundo é vivido no presente e que cada vez mais uma cultura da urgência se estabelece - é para agora!, faça agora!corra agora!, - tão criticada por Paul Virilio em seu "Guerra Pura - a militarizaçaõ do cotidiano" serve para nos alertar que os verdadeiros jardins - as verdadeiras obras - não são feitas em minutos: é preciso ter paciência para plantar árvores. Nada é na hora, muito menos na política. Arvores levam anos para crescer, diz Alves e essa paciência deveria ser uma caracteristica do cidadão, e não o é! É preciso esclarece-lo. O mesmo serve para os políticos que vivem do imediatismo de seu mandato - eventos por eventos - é preciso construir uma trajetória. Aì está a diferença.




A política é um campo importante para a sociedade, o problema é que a estamos destruindo. É possivel que em muitas escolas, crianças que sintam o chamado da política e não tenham coragem de atende-lo, por vergonha de serem confundidos com os maus políticos. Se a politica não se reproduzir, quem governará o futuro?




Daí a importância da boa sedução. "Seduccere" significa desvio. Escutar a vocação é dificil, ainda mais para adolescentes e no contexto de esvaziamento da politica difundido pela mídia. Mas se a política, como diz Alves, é um dos melhores destinos, pois é onde os "destinos do jardim" são decididos, seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim. È a instituição politica que deve fazer este trabalho de "sedução", deviar o olhar do cidadão da má política para mostrar que a boa política é possivel - ou nos termos de Kant, da Crítica da Razão Pura, devemos agir como se tal fosse possivel.

A verdade é que estamos substituindo a possibilidade dos jardins da politica pela reconstrução da selva. Selva das cidades, é onde estamos começando a viver. Lugar de indiferença, insensibilidade, sofrimento e morte, e nisto que vem se transformando nossas cidades e nova vida pública. Violência. Veja o Rio. Mas nossa selva ainda pode ser transformada num jardim, se pensarmos como podemos ter novos bons jardineiros e tivermos paciência para plantar arvores. E, claro, como sempre defendo, não esquecermos do cuidado com as crianças.