quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ultimo livro de Zizek e Badiou, L'idee de comunism

A publicação de L’idée du comunism (Lignes, 2010), coletânea das conferências realizadas em Londres em 2009 e publicada recentemente na França reacendeu o debate sobre o mais genuíno pensamento de esquerda. Organizado por Slavoj Zizek e Alain Badiou, a obra é organizada em 16 capítulos entregues a fina flor da intelectualidade.Zizek é o famoso filosófo e crítico cultural esloveno, conhecido por sua leitura lacaniana da cultura popular. Na verdade, há um primeiro Zizek mais voltado para a psicanálise e o cinema, e um segundo Zizek, ainda praticamente desconhecido, voltado para uma prática da análise política propriamente dita - provavelmente reforçada por sua fracassada candidatura à Presidente da Eslovênia. Badiou também é um leitor de Lacan, mas a isto se acrescenta Nietzsche e toda a vivência do Maio de 68 francês que o transformaram num dos mais atuais analistas revolucionários, ou como prefere Badiou, apenas alguém que deseja mostrar o potencial de inovação e transformação de cada situação. Para Yannis Stavrakakis, em Una esquerda lacaniana(FCE,2010, já esgotado), o mérito de desde novo lacano-marxismo é questionar, em curto-circuito, os pressupostos de funcionamento do Capital.

L'idée de communism quer construir um ponto de partida para a esquerda no século XXI. Como se sabe, a década de noventa representou uma derrotas para a esquerda mundial. Políticas sociais dos estados de bem-estar social retrocederam, a integração das economias socialistas ao mundo capitalista e a regressão dos movimentos de emancipação do terceiro mundo parecem sinalizar que o tempo da emancipação política radical chegou ao fim. Mas não é bem isto que vêem os autores da coletânea. Para eles a ideia do capitalismo liberal como a nova ordem natural sofreu reveses com os ataques de 11 de setembro e a crise financeira de 2008 e, por esta razão, a necessidade de repensar os fundamentos da emancipação política nunca foram tão atuais.

A primeira conclusão dos autores é que a esquerda como proposta de partido estalinista está enterrada. E também a nova esquerda, como se apresenta hoje a dita democrática, apenas propõe a reforma do sistema de pensamento, o que não é suficiente se não se pensar em reformar a estrutura da democracia representativa. É preciso outra esquerda que busque no que resta do comunismo, no horizonte de projetos de emancipação radical, os conceitos para orientar suas pesquisas e a ferramenta para expor seus fracassos políticos – da própria esquerda- para construir novas perspectivas para a ação. Esta discussão abre, sem dúvida, um campo de possibilidades políticas, o que faz seus autores valorizarem ainda mais o comunismo como conceito filosófico.

Esta forma de colocar o tema do comunismo surgiu primeiro com Alain Badiou, em sua duas de suas últimas obras “L’hipothese comunist “(Lignes, 2009) e “De quoi Sarkozy est-il le nom” (Lignes, 2007) onde o autor, desejando enumerar alguns princípios básicos para ação política, defende a idéia de que não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social já que a economia de mercado produz uma democracia atrofiada onde persistem as desigualdades indesejáveis. Para Badiou e Zizek, aceitamos com muita naturalidade que o capitalismo é nosso destino final: precisamos nos revoltar com o disperdício irracional de recursos, com o valor econômico dado às guerras, etc, etc. Para os autores, e aí está uma questão polêmica da obra, se as experiências reais comunistas foram sangrentas, não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo, em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. A situação dos povos africanos e asiáticos é apenas um exemplo.

Quando o Seminário de que trata o livro foi realizado, em 2009, o Jornal The Guardian chamou a atenção para o fato de que se tratava de um evento mais “quente” que um jogo de futebol ou o show de uma cantora pop. A descrição tinha sua razão de ser. Realizada na Universidade de Birkbeck, em Londres, atraiu participantes de todos os continentes, Estados Unidos, da América Latina, África e Austrália, que foram ouvir os grandes pensadores de esquerda. Todos queriam respostas para seus problemas práticos, mas só ouviram dos organizadores que que tratava-se de “uma reunião de filósofos que ia lidar com o comunismo como um conceito filosófico, defendendo uma tese precisa e forte: a partir de Platão, o comunismo é a única ideia política digna de um filósofo."

Que à época houvessem tantos interessados em discutir a teoria do comunismo, é indicador da importância que o tema tem para a esquerda. Convite a pensar que mantém inquestionável o valor da obra. Terry Eagleton parte do Rei Lear, de Shakespeare, para mostrar o valor da utopia, comparando a todo o momento com os Grundrisse, de Marx; Michel Hardt faz a crítica das estratégias neoliberais de privatização de indústrias para retomar, mais adiante, o conceito de propriedade comum tão caro ao marxismo; Tony Negri retoma os pressupostos do materialismo histórico que dizem que a história é a história da luta de classes para descobrir o valor da ética de esquerda baseada no valor do comum; Jacques Rancière, retoma da hipótese comunista de Alain Badiou para reforçar o valor de emancipação humana contida no conceito de comunista, bem diferente da ressignificação que o levou a ser tratado como um “monstro” do passado; Gianni Vattimo, num texto curto, enumera nove teses entre as quais a idéia paradoxal que em realidade, capitalismo e comunismo padecem da mesma dissolução metafísica, aproximando-se pelos seus sucessivos fracassos semelhantes. Os demais autores, integrantes da coletânea, ainda contribuem com suas análises específicas: Susan Morss, Peter Hallward, Jean Luc-Nancy, Alessandro Russo e Alberto Toscano tratam desde as formas do comunismo até a filosofia e a revolução cultural sob o regime. Talvez a curiosidade seja a presença de Minqi Li e Wang Hui, que apresentam as visões do extremo oriente, em especial sobre os acontecimentos recentes na China – faz falta aqui um breve resumo do currículo dos autores, tão comum em coletâneas do gênero.

Não há dúvida que o debate propriamente dito encontra-se nos textos dos organizadores. Badiou reitera a critica a idéia de que o capitalismo seja o modelo de emancipação histórica para a humanidade inteira. Quer retomar o conceito do ponto de vista filosófico, afirmativo, como campo de construção de um projeto social. Na “Idéia do Comunismo “, que dá título à obra, afirma Badiou, estão presentes três elementos primitivos: o componente político, o histórico e o subjetivo. Após analisar cada um desses elementos, Badiou conclui pela necessidade de ressignificar a idéia de Comunismo, opinião que é compartilhada por Zizek, por sua vez, no texto que encerra a coletânea. Partindo uma história de Franz Kafka, sobre Joséphine, a cantora, faz da sua análise uma metáfora da trajetória comunista, por um lado, e por outro, recolhe das perspectivas de Hannah Arendt, Habermas e Horkheimer a necessidade de relocalizar, na cultura comunista, o significado das atitudes subjetivas mais intimas.

Para os autores, ainda é preciso da idéia do comunismo para se viver “não vejo qualquer outro", diz Badiou. E mais "Se temos de abandonar essa hipótese, então já não vale a pena fazer qualquer coisa no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa idéia, não há nada no histórico e político a tornar-se de qualquer interesse para um filósofo.” A razão, para Badiou, é que somente no comunismo podemos defender uma idéia de igualdade pura. Sempre haverá espaço para pensar na idéia de comunismo enquanto estivermos lutando contra a injustiça, e provavelmente, fazendo a crítica do Estado. O livro tem mérito. Mesmo sem oferecer uma agenda política imediata, ele é um elemento importante para todos os homens de ação. A idéia central é que não há emancipação política sem filosofia, e nesse sentido, o comunismo, ao estabelecer a igualdade como um padrão para políticas que possam vir a surgir, ajuda a diferenciar as más das boas políticas. Que os autores retornem a Marx e Hegel, o fazem na busca de um pensamento dialético para a construção de um novo projeto político. Para Zizek, não há mais dúvidas de que o Capital se tornou nossa vida real, e para ele vale a máxima de Lênin “Começar, desde o inicio, uma e outra vez”.

2 comentários:

Rafael A. F. Zanatta disse...

Não há emancipação política sem filosofia. Fantástico.

Texto muito bom. Posso linkar seu blog no meu?

Jorge Barcellos disse...

Por favor, fique a vontade para linkar.
Um abraço
Jorge Barcellos