sábado, 21 de abril de 2012

O que fizeram com nossa língua?


No episodio da série As brasileiras, transmitido pela Rede Globo na última quinta-feira, “A fofoqueira de Porto Alegre”, o que mais me chamou a atenção no episódio foi o sotaque gaúcho.  Rita, interpretada por Xuxa, de tanto ouvir fofoca sobre o próprio marido, termina por correr atrás da sua origem com um grupo de suas amigas. Tudo muito engraçado se não fosse o insuportável sotaque das protagonistas. Ai meus ouvidos!

Não é a primeira vez que a Globo, em nome de uma suposta licença poética, faz barbaridades em termos de representação da vida gaúcha. A novela “A vida da gente” começava com a mocinha colocando um biquíni entre as roupas para ir a serra  mergulhar num lago em pleno frio inverno. Agora, às vésperas do aniversário da cidade, o portoalegrense precisa ver uma estória passada na capital com atores interpretando nosso sotaque de uma forma irreal. É demais.

Essa é a forma reiterada de massificação de nossa cultura. A conquista da hegemonia na televisão tem um preço: a homogeneização da cultura, a padronização dos signos na televisão, que não poupa ninguém. E dá-lhe um sotaque estereotipado em horário nobre a nível nacional, forma ridícula de retratar a fala do povo gaúcho que transmite a falsa idéia de que todos carregam no falar, com suas expressões repetidas a exaustão “guria”, “báh” e por aí a fora. A versão da língua gaúcha proposta pela Globo é semelhante ao café descafeinado de que fala Slavoj Zizek: a língua vendida não quer ofender ninguém e pede até que nem nos identifiquemos com ela. Na lógica de signos televisivos tudo é permitido desde que esqueçamos um pouco a realidade. A tal “vida como ela é“ é uma obra de ficção e só serve para que possamos desfrutar de todas as belas imagens de Porto Alegre, desde que desprovidas de toda a substância que a língua oferece.

Não nos enganemos: o que vale para o sotaque gaúcho vale para toda TV. Cada vez mais, a TV se distância da realidade por esse mais-realidade, o exagero em todas as suas formas que toma conta de seus produtos. Língua, mas também violência, fatos do jornalismo, personagens de novela, tudo quer-se apresentar como a realidade quando é uma forma de reconstrução marcada pela “cavalgada aos extremos” (Baudrillard). Essa caracteristica da produção de mercadorias do capitalismo em que vivemos tem uma conseqüência: hoje, tudo o que nos cerca termina  conter em si o remédio para os males que causa. Você pode beber todo o café que quiser, já que ele é descafeinado, expressão de nosso panorama ideológico atual. E você pode ouvir o sotaque gaúcho grotesco produzido pela televisão porque neste sistema você pode desfrutar de todas as coisas, desde desprovida de sua essência. Alguém ouve aqui em Porto Alegre, às vésperas de seus 240 anos, alguém falar do mesmo jeito que a Xuxa fala? De jeito nenhum!  

Ao representar a linguagem gaúcha com exagero e excesso, a Globo trata de forma grotesca a nossa cultura.É isso. Menos Daniel Filho, menos...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ciclistas do mundo, uni-vos!

Nos Estados Unidos, uma propaganda ironizava estudantes que iam para a faculdade de bicicleta, mostrando um ciclista sendo ultrapassado por uma bela moça em um carro. Muito criticado, o anúncio, que terminou retirado, encerrava-se com a frase “Deixe de pedalar… comece a dirigir”. O contrário bem que poderia ser o tema do 1º Fórum Mundial da Bicicleta, a ser realizado em Porto Alegre nos próximos dias. “Deixe de dirigir...comece a pedalar” é a utopia que só pode surgir na sociedade onde o automóvel cobra alto preço por sua existência .Mas para que o seminário dê frutos e não se transforme em apenas mais um evento da capital, seus partipantes terão de responder a duas questões essenciais.

A primeira é como recuperar a necessidade da velocidade democrática. Quando foi inventado, o automóvel proporcionou a experiência inédita de andar mais rápido que diligências, carruagens, trens e bicicletas. Antes, a velocidade era democrática: todos andavam na mesma velocidade, diz André Gorz. O carro estabeleceu uma velocidade de deslocamento para a elite e outra para o povo. Mais: ele gerou uma nova forma de alienação, já que enquanto o ciclista é capaz de consertar seu veículo, o motorista torna-se dependente de especialistas que cobram caro por seus serviços. Num mundo onde todos querem ir a qualquer lugar  mais rápido, como colocar a necessidade de ir devagar?

A segunda questão é como transformar o ciclismo em questão política. No passado, no tempo em que a distância entre o mundo onde se vive e o mundo onde se trabalha era menor, a bicicleta era um bem comum e a maioria dos trabalhadores a possuia para trabalhar. Fazia parte, portanto dos procedimentos relativos à vida nas cidades – da  pólis, daí política – o uso da bicicleta. Paradoxalmente, o que despolitizou o ciclismo foi o seu afastamento das camadas populares, transformado em esporte de elite e a progressiva transformação do automóvel, de bem de elite para bem popular. Hoje, quase tudo mundo tem carro mas muitos não tem bicicleta.Tornamos as cidades inabitáveis ao deixarmos de ser proprietários de bicicletas para nos tornarmos consumidores de automóveis.

Mas politizar o ciclismo não é apenas pensá-lo somente no campo das políticas de mobilidade, atual estágio da discussão. É preciso ir mais além,  pensar o bicicletar como um novo humanismo -  “Pedalo, logo existo” - como diz Marc Augé. Não optamos pela bicicleta porque gasta menos energia ou polui menos, argumento produtivista que esquece o mais importante: optamos pela  bicicleta porque ela possibilita ao cidadão experienciar a cidade como espaço de aventura, lugar de descobertas, possibilitando as pessoas se encontrarem ao invés de ficarem reclusas em suas casas com medo da violência. A bicicleta transforma a vida social,  aprende-se a “pedalar junto“, e isto ajuda os cidadãos a tomar consciência de si mesmos e dos lugares que habitam.

Quem diria! O velho sonho comunista encontrou uma forma secreta para retornar, agora sem sangue e sem revolução: a partir de um mundo onde simples bicicletas são de todos, onde podemos pegá-las onde quer que estejamos para deixá-las logo adiante para outra pessoa, reinventamos a idéia de bem comum tão cara a esquerda. Não é o que as experiências ciclísticas de Barcelona e Paris já mostram? A Revolução Ciclista ainda não se consumou. É preciso fazê-la o quanto antes. Ciclistas do mundo, uni-vos!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Contra a privatização da educação



Conheci Fernando Luís Schüler na década de 90 como Diretor do Centro Cultural Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. À época, integrante da gestão do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura, que chegaria a completar dezesseis anos, Schüler, transitava com grande desenvoltura entre teóricos da direita à esquerda, mas era reconhecido por ser um militante do PT. Por esta razão, seu artigo nesta Folha (Um apartheid silencioso, 2/2/2012) muito me surpreendeu. Naquela época, Schuler realizou grandes seminários internacionais que foram responsáveis por aprofundar o pensamento contemporaneo em nossa capital: reuniu o melhor da direita (François Furet) com o melhor da esquerda (Hobsbawn, Agnes Heller). E trouxe ainda, pensadores do espectro do pós-modernismo cujas contribuições ainda estão para serem incorporadas em Ciências Sociais, como Jean Baudrillard e Michel Maffesoli. Graças aos eventos promovidos por Schüller, aqueles foram anos de um pluralidade de idéias muito grande, de grande experimentação teórica e de certa forma, os autores marxistas que trouxe terminaram por fortalecer a base de idéias de esquerda na capital, entre muitos professores do sistema educacional, possibilitando a rede de ensino da capital tornar-se referência em todo o Estado.
Schuller é um dos intelectuais mais brilhantes de sua geração, mas após duas décadas, o que realmente mudou em suas idéias? Não se trata, do direito óbvio da mudar de partido e posição, o que se vê por sua trajetória . O ex-secretario de Justiça do Governo Yeda Crusius(PSDB) compartilha o que se pode chamar do pensamento privatista em educação, liderado por Gustavo Ioschpe e que tem como base a ampliação da esfera do mercado no interior das práticas e serviços públicos. Essa posição, rejeitada pelos educadores, está baseado em quatro equívocos, que de tanto serem repetidos, correm o risco de serem tomados como verdades. Inventivo, criativo e de iniciativa, Schuller ocupa cada vez mais espaços na mídia. 

O problema é o pensamento de Schuler reforça um discurso cada vez mais privatizante e apoiador da lógica do Capital, com o qual não concordamos. Adotamos aqui os argumentos de educadores de esquerda que apontam pontos que merecem ser discutidos. Vejamos quais são.   
O primeiro deles é que os problemas da educação são problemas de gestão e as escolas, repartições públicas. Esse argumento esquece que a gestão da escola é feita por profissionais que defendem uma educação pública de qualidade há décadas. As escolas podem nascer como repartições públicas, mas o fato é que no processo de ensino e luta por uma educação melhor transformam-se noutra coisa, em espaços de aprendizagem. O professor não é um burocrata qualquer: o que o diferencia é sua visão de futuro. A idéia de que pode-se mesurar seu rendimento pelos instrumentos da ciência econômica, como apregoam Ioschpe e seus discípulos, abstrai todas as condições sociais e históricas envolvidas no processo educativo. As escolas estão do jeito que estão não por causa dos professores, mas pela fragilidade de nossas políticas públicas. Urge aperfeiçoa-las enquanto políticas públicas.
O segundo deles é que a visão antimeritocrática dos professores contribui para a crise da escola. Propor que a escola assuma em sua organização a meritocracia é propor que a escola funcione a maneira do Capital, onde os prêmios por mérito recompensam índices de aprovação - outra forma de criar uma escola voltada para a submissão bem distante do ideal dos professores, defendem uma escola capaz de forjar alunos críticos baseada em ideais de liberdade. Nada mais distante do universo de ensino de que avaliar a educação somente por números. No ato de aprovar um aluno, condições internas do processo de ensino que dependem do trabalho do professor - qualidade de ensino - confundem-se com as condições externas do mesmo processo e que as vezes determinam as condiçoes de trabalho - não ter recursos é um deles. É preciso pensar -e  isto fazem os educadores dia a pós dia - uma avaliação sim, mas qualitativa e com os critérios da qualidade, algo bem distante dos números e estatisticas de aprovação e reprovação podem dizer.
O terceiro deles é sugerir que o problema da educação brasileira está no fato de ela ser estatal. A única coisa justifica a idéia de passar a gestão da educação pública para a iniciativa privada é a necessidade de resolver os problemas da iniciativa privada - aumento do capital - e que esquece os problemas que as escolas privadas também tem, como controle e perda da liberdade de criação. É a velha proposta de comprar vagas junto ao empresariado ao invéz de investir na rede pública, estratégia rejeitada pelos educadores mas defendida com força pelos empresários da educação. Para a iniciativa privada, escola é fonte de renda, e nada mais.
O último deles é que, neste sistema, os alunos poderiam então “escolher onde estudar. O empresariado atpode visualizar este sistema para as cidades, que possuem uma infraestrutura desenvolvida, mas que empresário irá preocupar-se com a educação dos rincões de miséria e pobreza de nosso pais? Os empresários da educação farão prédios e contratarão professores para lá? Ora, por favor Schuler, o Estado possui uma estrutura deficiente, é verdade, mas é ele que garante o cumprimento do “direito à educação”, de forma universal e para todos os brasileiros. Aperfeiçoa-lo, corrigir seus problemas é o que se pede, não substitui-lo pelo privado, o que é rejeitado pelos educadores. Não é o suposto apartheid educacional que é silencioso, é a ideologia privatista em educação que movimenta-se e agrega defensores sem produzir som algum.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O pianista e o comandate






Depoimento de sobrevivente do acidente do navio italiano citado por Zero Hora diz que, em meio à tragédia, o pianista continuava a tocar. A imagem tem sentido não pela comparação equivocada que se possa fazer com outra tragédia, a do Titanic, prestes a completar seu centenário, mas com outra imagem, a do capitão do navio, agora responsabilizado pelas autoridades. Se Marx está certo e uma tragédia só se repete como farsa, do que se trata o naufrágio do navio Costa Concordia e o que ele tem a nos ensinar?


A tragédia do navio naufragado está mais para as Twin Towers do que para o Titanic. O que surpreende não é o fato óbvio de que se trata de mais um navio a naufragar, mas de um objeto que se pensa indestrutível vir abaixo, exatamente como as Torres Gêmeas. Lá, um ato aparentemente irracional do terror – que de irracional não tem nada – destrói um prodígio arquitetônico, símbolo de uma nação. Aqui, um ato aparentemente irracional de seu comandante destrói um prodígio náutico, símbolo da vida de consumo de nossa época. O que está em questão nunca foram os navios ou prédios – sim, claro, nos padecemos por sua vítimas etc., etc., – mas o que é derrubado, o que afunda realmente são as nossas certezas frente à técnica. Estou na praia escrevendo estas linhas: como é possível que barcos que vejo no horizonte, primitivos e toscos, possam manter-se de pé enquanto o imenso e indestrutível bólido aquático, com todo o seu sistema de proteção, afunda nas imagens?


É na relação do comandante e do pianista que encontra-se a resposta. Sim, é sempre no homem, no que crê e no que baseia sua existência, que está a resposta. No mundo do individualismo obsessivo, do cada um por si na escalada capitalista, pode-se agora encontrar um capitão de navio disposto a deixá-lo antes da hora: fim da ideia de cumprimento do dever. Por isso é tocante a imagem do pianista – seja o relatado pelos viajantes do Titanic, o representado no filme de James Cameron e agora atualizado na fugaz imagem de um instante visto por um sobrevivente e que nos diz mais do ser humano do que anos de filosofia: trata-se, mais uma vez, da questão da ética do dever, que retorna para nos lembrar do que somos e do que devemos fazer.


Devemos fazer aquilo para o que nos preparamos a vida inteira, numa palavra, fazer o certo. Assim como a mensagem inscrita no monumento Osório, o caminho do dever é árduo mas é o único que nos diz que somos seres livres, capazes de fazer escolhas não por nossos instintos mas pela certeza de realizar o que é belo, justo e perfeito. A farsa da tragédia é sugerir que, só porque são espetaculares, nossos inventos são indestrutíveis e que, corrigindo suas falhas, nunca mais ocorrerão. Ao contrário, quanto mais espetaculares inventos criamos, mais frágeis nos tornamos. Frente a esta tragédia, é preciso lembrar que só fortalecendo o homem – seu caráter, sua consciência – e não seus inventos, que se fará a diferença.


Publicado em Zero Hora 14/01/2012
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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A politecnia como poção mágica

Gosto muito do José Clóvis. Sua história está inscrita na DS: como na história de Asterix, que habita o último reduto não ocupado pelos romanos na Gália, José Clovis habita o último reduto petista não entregue ao jogo da política tradicional. Para resisitr aos romanos, na estória de Goscinny e Uderzo, os aldeões contavam com uma poção mágica preparada pelo druida Panoramix. Só Obelix não precisa da poção, já que caiu no caldeirão dela quando era criança. A poção mágica de José Clóvis se chama politecnia. A proposta de Ensino Médio Politécnico é, na realidade, o sonho de todo militante de esquerda: ela é o outro nome da educação socialista, educação crítica do sistema capitalista inspirada nos estudos de Marx, Engels e Lênin incorporados ao pensamento educacional brasileiro de esquerda através do GT Trabalho e Educação da ANPEd e o termo dominante do pensamento dos educadores de esquerda durante a década de 90.



Precisamos de uma educação de esquerda? É claro que sim, urgentemente.  A proposta de José Clóvis é boa, mas ainda tem a avançar neste sentido. Primeiro, a SEC precisa  mostrar capacidade de organização dos debates; segundo, precisa manter a posição de abertura porque é uma construção coletiva e terceiro, precisa enfrentar a contradição de base do projeto: como efetivar uma proposta educacional socialista no interior do capitalismo? Socialista, a grosso modo,  porque a proposta quer “desenvolver consciências criticas capazes de compreender a nova realidade” ao mesmo  tempo que quer “atender as demandas do mundo do trabalho para a educação” e, e.... o que mais mesmo? E aí que mostra sua fragilidade. Ela coloca a educação “no espaço de lutas sociais pela emancipação do ser humano “(p.18), mas como fazer isso no interior do capitalismo, justamente o regime onde a educação é vista como um “custo morto” (Kurz)  e onde quanto maior a oferta de mão de obra-qualificada, maior a desvalorização da força de trabalho?



A questão é fornecer ao aluno os instrumentos que  o permitam construir coletivamente um projeto de mudança social – e é isso, justamente, o que não está em questão, já que a proposta prevê no Anexo 3 que a implantação de novos cursos atenderá os critérios dos Arranjos Produtivos Locais (APL), numa palavra, as empresas das regiões. Quer dizer, a proposta de politecnia é um avanço frente ao taylorismo, mas é um avanço relativo, já que subentende que o monopólio do poder sobre as condições de trabalho permanece com o Capital. Para ser uma proposta radical, desejo que bate oculto no coração da DS, seu foco deve voltar-se  não para o imediatismo do mercado de trabalho, mas para o desenvolvimento das potencialidades libertárias pelo trabalho contra a exploração do capital.



Isso não significa negar a possibilidade da educação socialista ou da proposta apresentada, ao contrário. Acontece com a proposta da SEC algo semelhante à publicidade: uma parte da proposta atinge o alvo, mas não se sabe qual é. A politecnia pode ser uma boa poção mágica, mas ela só funcionará se for como a poção de Asterix, radical na sua forma e capaz de transformar os alunos em seres indestrutíveis frente às forças do Capital. Aliás, melhor seria se os alunos caíssem de inteiro no caldeirão de suas idéias. Mas isto é outra historia.

Publicado em Zero Hora em 30/11/2011.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Por que defendo Raul Pont




A disputa interna entre as correntes do PT para a indicação do seu candidato a Prefeitura esquece o que deveria ser o centro do debate: quem reúne as condições para fazer um bom governo. Para mim, Raul Pont deveria ser o candidato natural, mas não é. A candidatura de Adão Villaverde tem um olhar voltado para as classes médias e os grupos que lhe dão suporte estão de olho nas questões conjunturais do cálculo do voto. Esquecem que Raul Pont possui uma experiência muito maior no interior do Poder Executivo, primeiro como vice-Prefeito, e depois como Prefeito, do que Adão Villaverde e sua indicação só acontece porque o PT mudou de estratégia para a conquista do poder - menos ideologia, mais centrismo – resultando em governos mais marcados pelo continuísmo do que pela ideologia.

A definição do candidato petista não deveria ser assim, ao contrário, deveria estar baseada naqueles candidatos que mais realizações efetivas fizeram enquanto prefeitos e que mais encarnam a ideologia do partido. Quer dizer, o PT ao invés de basear seu cálculo do voto na análise de conjuntura, deveria investir no velho e bom voto retrospectivo e ideológico, levando em conta o julgamento do melhor candidato em função de seu desempenho na administração. Não é o que está ocorrendo quando vemos as tendências do PT preocupadas no alinhamento do candidato com o poder estadual e federal e as correntes, alinhando-se a um e outro em função de seu proprio interesse. Perde a cidade a oportunidade de ver um debate de idéias e anuncia-se um debate “morno” do tipo “fica o que está bom, muda o que não está” que caracterizou a campanha de 2004.

As tendências do PT esquecem que Porto Alegre, junto com São Paulo, Belo Horizonte e Florianópolis, é uma capital na qual o eleitor conhece distinções substantivas entre direita e esquerda. A capital foi administrada pelo PT por dezesseis anos, inclusive por Raul Pont, e isto não pode ser deixado de lado na escolha do candidato a prefeito pelo partido. A avaliação retrospectiva foi um fator decisivo em várias cidades, como Fortaleza, onde o eleitor levou mais em conta o passado dos candidatos na administração. Diz Antonio Lavareda e Helcimara Telles “Deste modo, além do voto ideológico, encontrado em outras cidades, observa-se também um comportamento mais pragmático, baseado no exame da gestão”(Como o Eleitor Escolhe seu Prefeito, FGV, 2011).

Se Adão Villaverde for o candidato, teremos uma campanha “paz e amor”. Prefiro Raul Pont, do bom e velho PT, com uma trajetória mais sólida e discurso de oposição forte. O PT em seu passado recente, aproximou-se demasiadamente do centro do espectro político e isto levou ao fim de sua ideologia. Agora, ao verem-se aproximarem-se as eleições municipais, é hora de dizer: “PT, volte a ser esquerda radical!. Você se divertiu agindo como centro, mas agora está perdoado por isto – está na hora de levar os ideais de esquerda a sério outra vez!”.

sábado, 12 de novembro de 2011

Por trás da polêmica do IDEB






A ideia de Gustavo Ioschpe de tornar obrigatório afixar no portão de entrada das escolas os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, tornou-se perigosa porque foi encampada por três projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados. O próprio MEC alertou no início da tramitação que tais projetos eram constrangedores para as escolas, e é consenso entre os órgãos de classe, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que há inúmeros problemas nas escolas brasileiras que independem do esforço dos professores e que afetam o processo de ensino – como as condições das instalações, a falta de energia elétrica e água em escolas rurais, etc. A conclusão é que a proposta do economista cobra dos profissionais de ensino o que deve ser responsabilidade do Estado, estabelece uma competição desnecessária entre as instituições educacionais, aumenta o estresse profissional de professores e reduz a autoestima de alunos. Se a proposta vencer, será praticada uma violência simbólica contra a escola: ela será jogada, de uma vez por todas, ao sabor da ideologia pura de mercado, ao ser submetida ao princípio da competição, cujo efeito é reduzir a autonomia escolar, substituir a defesa do desenvolvimento integral do aluno pela busca de indicadores baseados em dados quantitativos – e não qualitativos – e na gestão de recursos financeiros.




O que está por trás dessa discussão? O pressuposto de Ioschpe é que teorias e métodos econômicos podem ser aplicados à educação. É o que faz em sua obra “A ignorância custa um mundo” (ed. Francis, 2004), na qual defende a analogia entre produtividade física do capital e educação. Defende, entre outras ideias, que “basta imaginar que a escola é uma instituição especializada na produção de treinamento” (p.33) e que “os princípios da economia também se aplicam ao 'mercado' da educação” (p.152). Mais grave, o autor propõe uma reforma do ensino brasileiro baseada, entre outras coisas, no “fim da gratuidade do ensino público universitário” (p.231, grifo meu) e no ”fim do desconto no IR para gastos com educação” (p.243). Para mim, a “economia da educação” de Ioschpe é o mais puro pensamento de direita, na qual a economia, a defesa de índices, o mercado e o liberalismo são o remédio pronto para a solução de todos os males da educação. É nela que se fundamenta a defesa da afixação do IDEB nas fachadas das escolas. Em “Rumo ao Abismo” (Bertrand Brasil, 2011), Edgar Morin mostra o quanto esse paradigma é equivocado quando se trata da educação. Para Morin, "a ciência econômica, ao mesmo tempo em que é a ciência social matematicamente mais avançada, é a ciência social humanamente mais retrógrada”, pois “se abstraiu das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas, ecológicas, inseparáveis das atividades econômicas” (Morin, p.48). A afixação do índice do IDEB na fachada das escolas é o simulacro perverso e deformador desse universo econômico. O indicador aliena porque compartimentaliza, separa e isola aquilo que os educadores veem de forma interdependente: as condições de produção do trabalho escolar. Sua falsa racionalidade baseia-se num mecanismo ideológico elementar: a tentação do sentido. Diante dos terríveis problemas educacionais que vivemos hoje, a valorização de indicadores surge como portador de sentido, mas esconde por trás uma perversa lógica econômica baseada na defesa da competição. A ilusão vendida por Ioschpe é que, se indicadores servem para economistas, devem servir para os profissionais do ensino. Nada mais perverso, porque o que ele não diz é que a economia capitalista não é um mundo equilibrado, ao contrário, é um mundo repleto de catástrofes no qual os problemas da educação são justamente um de seus produtos.




Sua posição não poderia ser diferente: está inscrita em seu DNA. Filho de conhecido empresário, é acionista da Ioschpe-Maxiom, companhia fundada em 1918 que se expandiu do ramo madeireiro para o setor financeiro e industrial, chegando a lucros de 58,597 milhões no terceiro trimestre de 2010. Quer dizer, faz parte do habitus (Pierre Bourdieu) dele a incorporação em seu modo de agir, sentir e pensar do modo de ser de sua classe social, a classe dominante. Procurei em vão na internet informações sobre sua experiência como professor de escola pública e não encontrei nada – repito nada! - que o qualifique como tal. A pergunta que não quer calar é: como pode alguém que não teve a experiência de sala de aula dizer que é melhor para os professores que o IDEB seja afixado na fachada de sua escola? Mais: como pode sugerir que instrumentos da economia sejam orientadores para a educação? A minha resposta é: não pode. É necessária a experiência de professor para sugerir caminhos para a educação, e a "economia da educação" nada mais é do que ópio para as massas, e a defesa de indicadores, mitificação ideológica . É como se dissesse: “educador, não te metas com a verdade dos índices porque eles são a nossa verdadeira natureza”. No universo de Ioschpe não existem nem pessoas nem contradições, apenas fórmulas matemáticas: “[...] minhas pesquisas e conclusões são respaldadas por números e estatísticas” (A Ignorância... p.14). Diz o filósofo Slavoj Zizek: “O difícil é encontrar poesia e espiritualidade nessa dimensão”.






Ora, além de ser moralmente errado aplicarem-se conceitos de investimento e capital às pessoas, há o risco de indicadores como o IDEB serem utilizados de forma inadequada nas decisões de políticas educacionais. Se os governos levarem em consideração somente os valores apontados no índice, as contribuições e as análises culturais da educação não serão consideradas. Isso é terrível. A educação tem um papel econômico, é claro, mas não a ponto de perdemos as referências às questões sociais de base que tratam, justamente, da crítica às condições de reprodução da escola no interior do capitalismo. Ioschpe defende a ideia de afixar o índice do IDEB na fachada das escolas como seu gesto de amor para defender a educação, mas seu verdadeiro amor é o Capital e seu pensamento, ideologia a serviço da servidão.




Publicado no Jornal da Universidade (UFRGS
), outubro de 2011