terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Contra a privatização da educação



Conheci Fernando Luís Schüler na década de 90 como Diretor do Centro Cultural Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. À época, integrante da gestão do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura, que chegaria a completar dezesseis anos, Schüler, transitava com grande desenvoltura entre teóricos da direita à esquerda, mas era reconhecido por ser um militante do PT. Por esta razão, seu artigo nesta Folha (Um apartheid silencioso, 2/2/2012) muito me surpreendeu. Naquela época, Schuler realizou grandes seminários internacionais que foram responsáveis por aprofundar o pensamento contemporaneo em nossa capital: reuniu o melhor da direita (François Furet) com o melhor da esquerda (Hobsbawn, Agnes Heller). E trouxe ainda, pensadores do espectro do pós-modernismo cujas contribuições ainda estão para serem incorporadas em Ciências Sociais, como Jean Baudrillard e Michel Maffesoli. Graças aos eventos promovidos por Schüller, aqueles foram anos de um pluralidade de idéias muito grande, de grande experimentação teórica e de certa forma, os autores marxistas que trouxe terminaram por fortalecer a base de idéias de esquerda na capital, entre muitos professores do sistema educacional, possibilitando a rede de ensino da capital tornar-se referência em todo o Estado.
Schuller é um dos intelectuais mais brilhantes de sua geração, mas após duas décadas, o que realmente mudou em suas idéias? Não se trata, do direito óbvio da mudar de partido e posição, o que se vê por sua trajetória . O ex-secretario de Justiça do Governo Yeda Crusius(PSDB) compartilha o que se pode chamar do pensamento privatista em educação, liderado por Gustavo Ioschpe e que tem como base a ampliação da esfera do mercado no interior das práticas e serviços públicos. Essa posição, rejeitada pelos educadores, está baseado em quatro equívocos, que de tanto serem repetidos, correm o risco de serem tomados como verdades. Inventivo, criativo e de iniciativa, Schuller ocupa cada vez mais espaços na mídia. 

O problema é o pensamento de Schuler reforça um discurso cada vez mais privatizante e apoiador da lógica do Capital, com o qual não concordamos. Adotamos aqui os argumentos de educadores de esquerda que apontam pontos que merecem ser discutidos. Vejamos quais são.   
O primeiro deles é que os problemas da educação são problemas de gestão e as escolas, repartições públicas. Esse argumento esquece que a gestão da escola é feita por profissionais que defendem uma educação pública de qualidade há décadas. As escolas podem nascer como repartições públicas, mas o fato é que no processo de ensino e luta por uma educação melhor transformam-se noutra coisa, em espaços de aprendizagem. O professor não é um burocrata qualquer: o que o diferencia é sua visão de futuro. A idéia de que pode-se mesurar seu rendimento pelos instrumentos da ciência econômica, como apregoam Ioschpe e seus discípulos, abstrai todas as condições sociais e históricas envolvidas no processo educativo. As escolas estão do jeito que estão não por causa dos professores, mas pela fragilidade de nossas políticas públicas. Urge aperfeiçoa-las enquanto políticas públicas.
O segundo deles é que a visão antimeritocrática dos professores contribui para a crise da escola. Propor que a escola assuma em sua organização a meritocracia é propor que a escola funcione a maneira do Capital, onde os prêmios por mérito recompensam índices de aprovação - outra forma de criar uma escola voltada para a submissão bem distante do ideal dos professores, defendem uma escola capaz de forjar alunos críticos baseada em ideais de liberdade. Nada mais distante do universo de ensino de que avaliar a educação somente por números. No ato de aprovar um aluno, condições internas do processo de ensino que dependem do trabalho do professor - qualidade de ensino - confundem-se com as condições externas do mesmo processo e que as vezes determinam as condiçoes de trabalho - não ter recursos é um deles. É preciso pensar -e  isto fazem os educadores dia a pós dia - uma avaliação sim, mas qualitativa e com os critérios da qualidade, algo bem distante dos números e estatisticas de aprovação e reprovação podem dizer.
O terceiro deles é sugerir que o problema da educação brasileira está no fato de ela ser estatal. A única coisa justifica a idéia de passar a gestão da educação pública para a iniciativa privada é a necessidade de resolver os problemas da iniciativa privada - aumento do capital - e que esquece os problemas que as escolas privadas também tem, como controle e perda da liberdade de criação. É a velha proposta de comprar vagas junto ao empresariado ao invéz de investir na rede pública, estratégia rejeitada pelos educadores mas defendida com força pelos empresários da educação. Para a iniciativa privada, escola é fonte de renda, e nada mais.
O último deles é que, neste sistema, os alunos poderiam então “escolher onde estudar. O empresariado atpode visualizar este sistema para as cidades, que possuem uma infraestrutura desenvolvida, mas que empresário irá preocupar-se com a educação dos rincões de miséria e pobreza de nosso pais? Os empresários da educação farão prédios e contratarão professores para lá? Ora, por favor Schuler, o Estado possui uma estrutura deficiente, é verdade, mas é ele que garante o cumprimento do “direito à educação”, de forma universal e para todos os brasileiros. Aperfeiçoa-lo, corrigir seus problemas é o que se pede, não substitui-lo pelo privado, o que é rejeitado pelos educadores. Não é o suposto apartheid educacional que é silencioso, é a ideologia privatista em educação que movimenta-se e agrega defensores sem produzir som algum.

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