sábado, 21 de abril de 2012

O que fizeram com nossa língua?


No episodio da série As brasileiras, transmitido pela Rede Globo na última quinta-feira, “A fofoqueira de Porto Alegre”, o que mais me chamou a atenção no episódio foi o sotaque gaúcho.  Rita, interpretada por Xuxa, de tanto ouvir fofoca sobre o próprio marido, termina por correr atrás da sua origem com um grupo de suas amigas. Tudo muito engraçado se não fosse o insuportável sotaque das protagonistas. Ai meus ouvidos!

Não é a primeira vez que a Globo, em nome de uma suposta licença poética, faz barbaridades em termos de representação da vida gaúcha. A novela “A vida da gente” começava com a mocinha colocando um biquíni entre as roupas para ir a serra  mergulhar num lago em pleno frio inverno. Agora, às vésperas do aniversário da cidade, o portoalegrense precisa ver uma estória passada na capital com atores interpretando nosso sotaque de uma forma irreal. É demais.

Essa é a forma reiterada de massificação de nossa cultura. A conquista da hegemonia na televisão tem um preço: a homogeneização da cultura, a padronização dos signos na televisão, que não poupa ninguém. E dá-lhe um sotaque estereotipado em horário nobre a nível nacional, forma ridícula de retratar a fala do povo gaúcho que transmite a falsa idéia de que todos carregam no falar, com suas expressões repetidas a exaustão “guria”, “báh” e por aí a fora. A versão da língua gaúcha proposta pela Globo é semelhante ao café descafeinado de que fala Slavoj Zizek: a língua vendida não quer ofender ninguém e pede até que nem nos identifiquemos com ela. Na lógica de signos televisivos tudo é permitido desde que esqueçamos um pouco a realidade. A tal “vida como ela é“ é uma obra de ficção e só serve para que possamos desfrutar de todas as belas imagens de Porto Alegre, desde que desprovidas de toda a substância que a língua oferece.

Não nos enganemos: o que vale para o sotaque gaúcho vale para toda TV. Cada vez mais, a TV se distância da realidade por esse mais-realidade, o exagero em todas as suas formas que toma conta de seus produtos. Língua, mas também violência, fatos do jornalismo, personagens de novela, tudo quer-se apresentar como a realidade quando é uma forma de reconstrução marcada pela “cavalgada aos extremos” (Baudrillard). Essa caracteristica da produção de mercadorias do capitalismo em que vivemos tem uma conseqüência: hoje, tudo o que nos cerca termina  conter em si o remédio para os males que causa. Você pode beber todo o café que quiser, já que ele é descafeinado, expressão de nosso panorama ideológico atual. E você pode ouvir o sotaque gaúcho grotesco produzido pela televisão porque neste sistema você pode desfrutar de todas as coisas, desde desprovida de sua essência. Alguém ouve aqui em Porto Alegre, às vésperas de seus 240 anos, alguém falar do mesmo jeito que a Xuxa fala? De jeito nenhum!  

Ao representar a linguagem gaúcha com exagero e excesso, a Globo trata de forma grotesca a nossa cultura.É isso. Menos Daniel Filho, menos...

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