quinta-feira, 12 de maio de 2011

Para onde foi o comunismo?



"A principal crítica que faço ao capitalismo liberal não é que ele seja prejudicial, mas que não pode durar para sempre. O comunismo precisa ser reinventado" Slavoj Zizek.

Em 2009, uma série de conferências realizadas em Londres
[1] constatou que três coisas levaram a hegemonia da idéia do capitalismo liberal: as derrotas da esquerda mundial na década de 90, o retrocesso das políticas do estados-de- bem-estar-social e a integração das economias socialistas ao mundo capitalista. Por outro lado, lembraram seus participantes, este contexto de hegemonia ideológica entre o 11 de Setembro e a crise financeira de 2008, sofreu um baque que trouxe de volta um tema caro aos pensadores de esquerda, a defesa da idéia de emancipação política. Entre os palestrantes do referido seminário destacou-se Slavoj Zizek, cujas obras tem analisado o cenário político mundial e suas contradições, na análise da política de países tão diversos como o Afeganistão, os Estados Unidos e à China. Expoente do que Yannis Stavrakakis denominou de “Esquerda Lacaniana”, Zizek rejeita o pensamento da antiga esquerda estalinista e da nova esquerda, apresentando em suas obras uma reorientação da Teoria Política e da análise crítica do mundo contemporâneo, numa perspectiva surpreendente que seria impossível imaginar dez anos atrás. Entre seus principais representantes, encontra-se também Cornelius Castoriadis e Alain Badiou.[2] .

Para Zizek existe um resto no comunismo que não pode ser desprezado. O pensamento de esquerda que defende a democracia liberal é limitado porque não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social. A esquerda atual aceita com muita naturalidade que o capitalismo seja nosso destino final – só nos resta corrigir alguns equívocos e revoltarmo-nos contra o desperdício irracional de recursos,etc, etc. Para Zizek as experiências reais comunistas foram sangrentas sim, mas não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo global atual em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. Se queremos mudar este estado de coisas, se queremos emancipação política, precisamos de filosofia, e nesse sentido, o comunismo ainda tem valor ao estabelecer a igualdade como um padrão para as políticas que possam vir a surgir.

Dunker
[3] enumera três características do pensamento de Zizek que o tornam referência nos estudos sobre o cenário internacional. Em primeiro lugar é o fato de que Zizek é um intelectual engajado, tomando posição e relendo os aspectos simbólicos ocultos nas mais diversas práticas políticas. Filho de comunistas linha-dura e após amargar anos de desemprego – Zizek foi reprovado para o concurso de professor de filosofia – redigiu os discursos da burocracia estalinista do Comitê Central da Liga Comunista da Eslovênia. Assim viu a formação do discurso nacionalista sérvio e a construção ideológica de Kosovo que percebeu como realização imaginária da identidade nacional iugoslava, uma mitologia histórica contemporânea. Percebeu assim os limites do marxismo de seus contemporâneos vivendo os enlances do socialismo e do capitalismo, seja pela imposição do socialismo iugoslavo ou pelo interesse do capital ocidental na emancipação da Eslovênia.

Em segundo lugar, como fundador da Escola Lacaniana da Eslovênia, uma frente ampla de resistência política que inclui diversos autores e suas reflexões sobre teatro, artes plásticas e música, teve oportunidade de ampliar o campo de análise dos fatos políticos. Foi nesse período dos anos 80 que Zizek foi à Paris e estudou Psicanálise – sua tese de doutorado é sobre Hegel e Lacan. Com isso, Zizek conseguiu fazer uma reflexão não apenas sobre a desintegração dos Estados socialistas do Leste Europeu como ao mesmo tempo discutir a fragmentação política do capitalismo pós-moderno. Obras como O sublime objeto da ideologia (1989) apresenta a tese de que a ideologia atual só funciona porque se articula a uma fantasia, cenário imaginário que oculta um antagonismo social. Se o marxismo falava da “liberdade” da venda da força de trabalho, para Zizek isto é uma fantasia, já que ao vender “livremente” sua força de trabalho, o que o trabalhador perde é justamente a sua liberdade. Sua critica não é a substituição de homens por coisas, mas ao próprio desconhecimento da relação estrutural de seus elementos “a fantasia ideológica não se opõe a realidade, mas estrutura a própria realidade social”
[4].

Em terceiro lugar, Zizek deseja o retorno aos fundamentos da política ou o exercício da política propriamente dita (proper politics). Ela se opõe a pós-política do pós-marxismo inglês e do multiculturalismo, pois entende que as discussões sobre identidade étnica, sexual ou nacional terminam por desconhecer a importância da noção de classe, e assim despolitizam o político. Ela se opõe a arquipolítica, aqui entendida como diluição da política na ascensão do ideal comunitário de destino (religião), porque esta sempre termina em terror. Ela se opõe a ultra-política, definida como certa forma de decisionismo à maneira de Carl Schmitt, que permite distinguir um “terror bom “ de um “terror mal”.
[5] Para Zizek, a política propriamente dita considera o antagonismo do Capital como ponto central, o tema da luta pela liberdade como objetivo e o estudo das formas de perturbar as fantasias ideológicas dominantes como estratégia política.

É a partir desta base teórica que Zizek propõe o retorno aos fundamentos do Comunismo, daquilo que ele chama de idéia comunista. Em Aprés la tragédie, la farce!
[6] Zizek demonstra que estamos vendo sem criticar a consolidação de uma nova etapa do Capitalismo onde a democracia e o livre mercado cessam seus laços e em seu lugar emerge a face autoritária do Capitalismo. É o caso do novo capitalismo chinês que surge das cinzas de seu comunismo. Herdeiro do autoritarismo dos antigos governos asiáticos totalitários, é inspirado no modelo de Cingapura após a queda do regime soviético. O capitalismo chinês representa um grande perigo para a idéia de comunismo não porque representa o seu abandono, mas porque significa uma versão autoritária que não exige grandes mudanças políticas, mas ao contrário, centralização com controle da liberdade de expressão, sem falar do uso indiscriminado da pena capital. O mesmo pais que teve com Mao a Revolução Cultural - e portanto foi a fundo na proposta comunista – foi o que reuniu mais condições para o capitalismo autoritário. Para Zizek a China diz simbolicamente ao mundo é que é possível apenas ganhar dinheiro sem dar importância a democracia e aos direitos humanos. E isso, para Zizek, é inconcebível.

No Capitalismo, as supostas liberdades de escolha se reduzem apenas aquilo que o sistema já escolheu “como a opção entre Pepsi ou Coca-Cola”. De fato, Zizek tem uma experiência pessoal muito significativa no campo do comunismo, já que ele viu, melhor do que ninguém, antigos partidários do comunismo desiludidos assumirem como os mais preparados a gestão da nova economia capitalista. Zizek recusa este realismo capitalista como resposta à utopia comunista ditado pelos adeptos do Fim da História (Fukuyama) e acreditou que devia estar em outro lugar a resposta. A confirmação veio com o final dos felizes anos 90, o 11 de setembro, com a emergência de muros entre Israel e Cisjordânia e na fronteira dos Estados Unidos com o México e se completa com a revolta das populações dos países islâmicos. O mercado e a ditadura não funcionam bem quando deixados por sua conta porque eles precisam de violência sobre o social para funcionar e se baseiam na existência de desigualdades sociais. Zizek defende o conceito de igualdade tal como pregado pelo comunismo como princípio para refundar a política. Ele não abandona a idéia de democracia, mas critica por exemplo as posições das democracias no caso do Tibete em seu conflito com a China, em 2008. Ali onde as democracias viam opressão, Zizek via um Tibete capitalizando-se subterraneamente: mais forte que o autoritarismo chinês era o fim das relações tradicionais na região promovidas pelo capitalismo.

Zizek não quer saber se a idéia do comunista é pertinente hoje. Ao contrário, pergunta: "Como a nossa situação atual aparece da perspectiva da idéia comunista?”. Ao recuperar a dialética do velho e do novo, ele nos mostra de que de nada adianta aprender novos termos para nossa época se não damos conta dos velhos termos - sociedade liquida (Bauman), sociedade pós-moderna (Lyotard), sociedade do risco (Beck) e sociedade da informação (Castells) – todas estas reflexões nos fazem perder tempo para fazer a questão central “o que era eterno no velho conceito de comunismo?”, única forma verdadeira de apreender o que há de novo no mundo.


Zizek afirma que na luta política é preciso defender um mínimo não negociável: para o revolucionário de hoje é não ceder para a sedução de um capitalismo de face humana. A pobreza e a miséria são dados estruturais do capitalismo. Zizek tem todas as respostas para os destinos da política atual? é claro que não!. Mas ele faz perguntas essenciais para a luta ideológica.
.




[1] A Conferência realizou-se em Londres, de 12 a 15 de maio de 2009, no Birbeck Institute, e os discursos das conferências foram publicados por Slavoj Zizek e Alain Badiou na obra “L’Idée du communisme pela Editora Lignes, em 2010. Entre os conferencistas estavam Terry Eagleton, Michel Hardt, Toni Negri, Gianni Vattimo, entre outros.
[2] Conforme Yannis Stavrakakis, La Izquierda lacaniana. Psicanálise, teoria, política. Buenos Aires, Fondo de Cultura Econômica, 2010. Professor da Escola de Ciências Politicas da Universidade Aristótles de Tessalônica, Stavrakakis é autor de Lacan e o Político (2008), Laclau. Aproximaciones críticas a su obra (2008) e o Populismo como espejo de la democracia (2009).
[3] Cristian Dunker “Zizek: um pensador e suas sombras”IN: DUNKER, Christian e PRADO, José Luiz Aidar. Zizek critico: a política e a psicanálise na era do multiculturalismo. São Paulo, Hacker, 2005.
[4] Idem, p. 53.
[5] O decisionismo é uma premissa dos estudos políticos de Carl Schmitt que afirma que toda lei necessita de uma decisão baseada na realidade. Essa definição é essencial para fundamentar o nascimento das Constituições dos Estados Nacionais, e com isso a natureza dos poderes instituintes do Estado. Conforme Ana Paula Arruda Moraes, A soberania como questão de decisão sobre o estado de exceção. Uma análise sobre a ótica de Carl Schmitt. IN: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6483
[6] Paris, Flammarion, 2010.






Publicado no Jornal da Universidade, abril 2011

Nenhum comentário: