terça-feira, 16 de março de 2010

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING VIII - A Cultura da Secretária de Cultura

“Todos aqueles cujos sentimentos são contrários aos nossos não são necessariamente bárbaros nem selvagens, mas podem ter tanto quanto ou mais razão do que nós.” René Descartes, Discurso do Método


Os argumentos utilizados pela Secretária Estadual de Cultura Mônica Leal em seu artigo do Cultura do último dia 13/03 são um bom exemplo de como funciona a legitimação ideológica em nossos dias atuais. Em uma primeira leitura, seus argumentos correspondem ao que Anna Freud (1936) e Otto Fenichel (1945) definiram como os mecanismos de defesa do ego. Negação em aceitar os dados da realidade – a crença na falta de fundamento nas criticas a sua gestão; fantasia proporcionada por uma ilusão dos desejos que não podem se realizar – a sua crença na existência de um projeto politio cultural em andamento da qual é protagonista; repressão que afasta do consciente e mantém a distância algo pertubardor – a réplica acirrada a seus críticos de plantão; projeção que atribui aos outros sentimentos que nascem em si mesma – de que a comunidade cultural está satisfeita com sua realização, quando há uma oposição; racionalização que encontra razões naquilo que é irracional - “o ocupante de cargo de confiança deve seguir a linha de governo e não sua linha pessoal”. Se Voltaire Schilling foi demitido porque foi incapaz de concentrar a memória do Rio Grande do Sul no Memorial – o que não é verdade, pois realizou publicações e eventos nesta área - da mesma forma o diretor do Margs deveria ser imediatamente ser demitido pela exposição Arte na França que a Secretaria elogia, porque também seu museu deveria concentrar a arte somente gaúcha! Nada mais irracional! Nada mais revelador da ausência de projeto!

As características de sua política cultural podem ser constatadas naquilo que a Secretária tem de mais inocente: seu blog (monicalealrs.blogspot.com). Nele vemos a Secretária no que mais considera como ação cultural propriamente dita: inaugurando obras, fazendo corpo a corpo com a comunidade cultural – e dá-lhe fotos, muitas fotos – e participando daquilo que considera a ação cultural por excelência, a Cavalgada do Mar. Sua primeira postagem é o registro do recebimento do CD da AJURIS que mostra como os magistrados do Rio Grande do Sul são bons cantores de música nativista (23/10/2009); depois, entre outras postagens, seguem-se as que falam da importância da Feira do Livro de Porto Alegre “nada substitui o cheirinho de papel” (31/10/2009); a tombamento do Castelo de Pedras Altas (29/11/2009); a da inauguração do auditório do Colégio Medianeira (Santiago, 11/3/2010) até o lançamento da Cavalgada do Mar (27/1/2010). Há muitas notícias suas, de viagens, de encontros com diversas personalidades do interior.

De fato, entre pequenas e grandes ações, não é pouca coisa o trabalho da secretária. Entre visitas a museus, autoridades, eventos e pessoas, realmente que tipo de política a Secretária tem desenvolvido? É claro que a Secretária tem desenvolvido ações sim, tem trabalhado em muito em prol da cultura sim, mas o que estamos discutindo é se elas reunidas constituem um projeto. Numa palavra, tem um fio condutor que as unifique, se possuem unidade que a constituam enquanto sistema. Pois é isto que faz com que suas diversas ações sejam fecundas para a cultura do estado. Que dêem frutos no futuro. Ao contrário, o que constatamos acompanhando as postagens da Secretária, é que vemos uma Secretária desesperada por fazer algo. Qualquer coisa. Às vezes até sem comer, como ela mesmo revela. Até em prejuízo de sua vida pessoal, como as vezes assinala. Viajando de um lado para outro, estando em diferentes lugares, em vários lugares ao mesmo tempo, às vezes de passagem rápida em função do próximo evento. Se seguir esse ritmo, a ela aplica-se o que Slavoj Zizek diz de forma paradoxal “É melhor não fazer nada que comprometer-se em atos localizados, cuja função última é fazer que o sistema funcione melhor” (La Suspension Política de la Ética, FCE, 2005).

Esse sistema de que trata Zizek pode ser aqui entendido como a prática de uma política cultural de aparências, na qual as discussões de fundo são substituídas por encontros e inaugurações. O problema da Secretária não é a sua passividade, que ela de fato não tem, mas a sua pseudoatividade, sua urgência de estar ativa, de participar de tudo e de todos os eventos, que mascara o vazio de projeto que a envolve. Ao participar de tantos eventos sem uma unidade de sentido, o que lhe é difícil verdadeiramente é retroceder, é retirar-se do dia-a-dia de contato com órgãos, instituições e pessoas, para construir o conceito de base das ações de políticas culturais de seu governo. Ao contrário, sua primeira ação critica deveria ser abandonar-se à passividade, recusar-se a participar de tais eventos para esclarecer de fato o terreno de sua verdadeira linha de governo.

Sobre a frase principal ”Não há crise na cultura”: seu argumento choca pela sua simplicidade e é da mesma natureza da frase de Kung Fu Panda, o filme infantil de John Stevenson e Mark Osborne -“não há ingrediente especial. É apenas você. Para acreditar que algo é especial, você precisa apenas acreditar nisso”. Estamos defendo Voltaire Schilling? É claro que sim, porque mesmo sabendo ser seu direito demiti-lo, o julgamos vítima de uma injustiça. Estamos criticando a gestão da Secretária? Sim, mas não pelo trabalho, que de fato ela tem, mas pelo sentido político de sua ação.A forma fetichista da defesa da Secretária tem, como no filme de Stevenson & Osborne, a seguinte mensagem subliminar: “Sei muito bem que existe crise na cultura, mas ainda assim acredito que não“. Esta é a fórmula mais elementar do funcionamento da ideologia, a do ataque irracional às denúncias e criticas que lhe apresentadas. Ou ainda, como naquele filme dos Irmãos Marx, onde Grouxo Marx, ao ser descoberto numa arte, contesta raivosamente: “a quem crê, em teus olhos ou em minhas palavras?”

Um comentário:

romhwilly@hotmail.com disse...

Conheço o Professor Voltaire Schilling desde pequeno.Trata-se de um intelectual sério,competente,conhecedor da história da arte e que só dignificou o povo e o governo do Rio Grande.Acontece que ele é de uma geração que não pode ser hipócrita,desrespeitosa consigo mesma,a gente já viu muitas coisas e de repente é normal bater de frente com críticos de arte.Tem coisa feia que é feia mesmo,não esquecer o poeta, que nos perdoem os criticos.Quanto a sua saída do governo,achei um retrocesso cultural,uma desinformação da secretária de cultura,minorizando algo que estava bem e em boas mãos.É isso,Ronald Halla