segunda-feira, 8 de março de 2010

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING VI - GUNTER AXT REFORÇA CRISE NA CULTURA

08 de março de 2010 N°

ENTREVISTA
Sufoco no deserto



A inopinada e indigna forma como se deu a demissão do professor Voltaire Schilling do Memorial do Rio Grande do Sul pode, ao gerar onda de indignação, ter ajudado a destampar a panela onde se cozinhava em fogo lento a apatia dos gestores da cultura e intelectuais gaúchos.Não é de agora que a Secretaria de Estado da Cultura vem servindo de moeda de troca no jogo político e abrigo para políticos de entremez. Quando se trata de Cultura, partidos da base aliada fazem da política um fim em si mesmo e escarnecem do interesse coletivo. Isso num Estado com arraigada tradição cultural como o Rio Grande do Sul.



O outrora produtivo Instituto Estadual do Livro colapsou: está há três anos sem publicar um título. A TVE vem sendo tratada como filho enjeitado. As obras do Multipalco do Theatro São Pedro se arrastam a passos de cágado. A Ospa é um pálido espectro perto da Osesp – agoniza em modorrenta rotina de província e continua sem ver o início das obras de sua tão sonhada sede. Nossos museus, arquivos e casas de cultura vivem à míngua. Há anos não se ouve nenhuma palavra concreta sobre a construção de uma nova Biblioteca Pública, de porte.



Nenhum projeto para um novo museu de arte moderna ou contemporânea. Nenhuma estratégia sólida capaz de atrair recursos de fora. Nada de consistente que ajude a levar a cultura aqui produzida para o mundo. Não se prevê nenhum prédio de arquitetura icônica. O corpo funcional está mal-remunerado e é em número insuficiente para as necessidades mais elementares. A LIC-RS vive em permanente impasse.Não há elaboração intelectual. Não há bons projetos.



Nem mesmo aqueles que poderiam ser conduzidos com simples parcerias, com aporte insignificante de recursos, como melhorar o conteúdo dos sites, firmar convênios com a Secretaria da Educação para ampliar a frequência nos museus, na Cinemateca Paulo Amorim. Sufocamos num deserto, na platitude.Todo o modelo de gestão está superado. As instituições culturais não têm orçamento próprio, não conseguem planejar o futuro, programar-se conforme suas necessidades. Não dispomos de fundos de endowment para independentizá-las de veleidades, imediatismos ou necessidades cotidianas. Seus dirigentes não têm autonomia e são colhidos pela indigência da lógica política, como mostra bem a demissão de Voltaire, ou do apadrinhamento de interesses.



Não há planos, mandatos, prestação de contas, balanços de realizações e de responsabilidade social. Mesmo com a legislação de fundações e Oscips, persistimos nas fórmulas das associações de amigos e das fundações atreladas ao governo.Notem que o Theatro São Pedro, a nossa joia em termos de gestão cultural, sobretudo pela personalidade empreendedora de Eva Sopher, logrou razoável autonomia. É seguido pelo Margs, que graças à relevância de seu acervo tem recebido importantes apoios do empresariado, é amparado por um bom conselho e vem sendo prestigiado com administrações eficazes. São exemplos a serem emulados e empoderados. Mas funcionam como exceções que confirmam a regra.



No mundo inteiro, celebra-se o poder transformador da cadeia criativa, formada por teatro, música, artes visuais, patrimônio histórico, cinema e vídeo, televisão, rádio, mercado editorial, jornais e revistas, software e computação, arquitetura, moda, design e publicidade. Um setor que pode contribuir para formar cidadãos mais críticos, para melhorar a vida das pessoas, combatendo até mesmo chagas como a violência. Você duvida? Em plena crise global, Hollywood se sai bem com sequência de produções com grandes orçamentos e aumento de 3% na aquisição de ingressos nos Estados Unidos, apesar da dura competição dos DVDs e do download ilegal via internet.



Em Nova York, a Filarmônica vendeu 91% dos assentos disponíveis na última temporada. O Metropolitan Opera arrecadou a soma recorde de US$ 2,5 milhões em ingressos apenas no primeiro dia de bilheteria.Sempre digo não existir governo democrático 100% bom ou ruim. O governo Yeda, que pode se mostrar operante e criativo em outros setores, aprofundou uma crise já existente na Cultura. A atual administração, anódina, carente da formulação de políticas específicas, nos empurrou para a pior crise de gestão cultural de nossa história. Só não é ainda mais grave porque algumas iniciativas privadas e administrações municipais vêm ocupando em parte o vazio. Mas todos estaríamos em melhor situação se pudéssemos contar com o governo do Estado.Por que estamos pagando este preço?*Historiador, doutor em História pela USP, organizador de “As Guerras dos Gaúchos” (Ed. Nova Prova, 2008)GUNTER AXT*

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING V :APPEL REFORÇA CRISE DA CULTURA

08 de março de 2010 N° 16268

ENTREVISTA
Um Norte para a Cultura
Gestor responsável pela criação da LIC-RS, primeiro Secretário de Estado da Cultura, Carlos Appel comenta a crise na pasta

Carlos Jorge Appel é a maior referência entre aqueles que já ocuparam o cargo de secretário da Cultura no Rio Grande do Sul. Sua primeira gestão, no governo Pedro Simon (1987 – 1990), congregou toda a comu­nidade cultural após um período obscuro para a produção artística. Mais de 20 anos depois, o questio­namento de grande parte dessa comunidade volta à raiz da questão: qual a importância da pasta para o Estado?Natural de Brusque (SC), Appel é autor de livros de poesia e ensaio, foi professor da UFRGS e crítico literário e hoje dirige a Editora Movimento. Na entrevista a seguir, o ex-secretário fala sobre a crise atual.

Zero Hora – Que diretrizes devem nortear a elaboração de uma política cultural pública num Estado como o Rio Grande do Sul?

Carlos Jorge Appel – Qualquer projeto de gestão cultural deve respeitar premissas básicas e levar em conta o contexto em que se está. Não se pode assumir a Sedac sem se conhecer as dificuldades e as potencialidades da cultura no Rio Grande do Sul. Falo de detalhes desse contexto, porque toda a rede em torno da secretaria é muito grande – são mais de 30 instituições, todas muito diferentes entre si. Também é fundamental se saber qual o papel da pasta no projeto do Estado como um todo. Ainda que não seja prioritária, e que tenha o orçamento mais baixo entre as secretarias, a Cultura precisa ajudar o Estado a pensar suas finalidades e seus princípios. Cabe à Cultura, por meio de projetos convergentes com outras pastas e até instituições municipais e federais, iluminar o Estado, refletir sobre sua condição, dizer quem é e em que situação se encontra.

ZH – A atual secretária, Mônica Leal, justifica a crise afirmando que precisou primeiro “arrumar a casa”, referindo-se à situação financeira em que encontrou a Sedac. Isso o que o senhor diz seria algo para se fazer num segundo momento?

Appel – É lógico que é preciso primeiro deixar a secretaria em condições para se poder trabalhar: organizar suas operações financeiras, conhecer suas instituições e o que é preciso para que funcionem. Essa é uma premissa inicial, assim como estabelecer parcerias pelo Estado e fora dele, para que, a partir daí, se possa de fato trabalhar. A experiência que tive indica que também é fundamental ouvir a comunidade cultural – foi a partir dessas reivindicações que criamos a Lei de Incentivo à Cultura – LIC-RS (na gestão entre 1995 e 1996, no governo Antônio Britto) e, antes, a Sedac (entre 1987 e 1990, no governo Simon). Mas há outro lado: não faz sentido deixar a casa em ordem se não se dá um passo adiante no sentido de fazê-la funcionar com projetos de qualidade, assim não adianta ter um orçamento maior e não ter projetos que o justifiquem.

ZH – Esta pergunta serve tanto para a Sedac quanto para a LIC-RS. Muita coisa mudou desde a criação tanto da secretaria quanto do principal mecanismo de financiamento dos projetos culturais do Estado. A forma com que ambos se apresentam e a função que cumprem, hoje, determina que se pense em readequações estruturais?

Appel – A LIC criada há 15 anos foi a lei possível de ser criada. Acredito que esteja na hora de ser reavaliada de maneira profunda. Houve problemas nos últimos anos, com denúncias de fraude, déficit muito alto, confronto da Sedac com Conselho Estadual da Cultura etc. A atual secretária teve dificuldades para lidar com o mecanismo, saná-lo. Sua gestão sofreu por conta disso. Ela teve de dedicar tempo e energia que poderiam ter sido usados em ações que atendessem mais os anseios da comunidade cultural.

ZH – Mas agora a LIC já está reorganizada. O problema não passou?

Appel – O trabalho nesse sentido foi bom, mas o fato de ter havido tantos problemas talvez signifique algo. De qualquer forma, me parece ser hora de uma grande união. O próximo gestor tem de chamar a comunidade cultural, ouvi-la e saber se peças-chave da engrenagem, como a lei de incentivo, estão funcionando a contento. Se a resposta no caso da LIC for positiva, ótimo. Porém, dada a situação atual, acho fundamental que esse chamamento seja feito. É preciso lembrar que, diferentemente de 1995, quando a LIC-RS foi criada, hoje há fundos e outros mecanismos de incentivo municipais. Há mais alternativas para quem produz cultura. Faz-se necessário perguntar: qual o papel da LIC nesse novo contexto? Defendo a realização de um grande encontro estadual para discutir questões como esta.

ZH – O senhor parece estar acompanhando bem de perto a gestão da cultura no Estado.

Appel – As pessoas vêm falar comigo sobre a Sedac, isso é constante. Também mantenho amigos de áreas mais técnicas com os quais falo sobre as possibilidades da Cultura. Mas é preciso tomar cuidado com avaliações radicais. Sei o quanto é difícil de trabalhar na área, o quanto os agentes culturais gostam de discutir e o quanto é complicado promover articulações entre eles. Mas quem assume o cargo tem de saber quais são essas complicações. Quando esses agentes são ouvidos, as necessidades da área são estudadas e a partir disso se estabelecem focos precisos, as ações se tornam lógicas, coerentes. E bons projetos superam as adversidades. Quem paga a conta, tendo sensibilidade, não resiste a bons projetos.

Zero Hora – Quais, na sua opinião, deveriam ser as prioridades na gestão da Secretaria de Estado da Cultura hoje?

Carlos Jorge Appel – Entre outras coisas, eu diria que deveríamos trabalhar numa aproximação do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Estadual (Iphae) com o Nacional (Iphan), para que as ações de ambos se tornem convergentes – algo que não sei se está acontecendo. Cada um parece trabalhar olhando para um lado quando, no fim das contas, seus projetos vão na mesma direção, visam aos mesmos objetivos e são sentidos nos mesmos locais. Também acho que é urgente pensar em uma nova Biblioteca Pública. Esta, para mim, deveria ser a grande proposição para o próximo gestor da Sedac. Se a secretaria, como se tem sugerido, está longe das nossas prioridades, vamos ficar parados? É tarefa do poder público virar o jogo, dando, por exemplo, um palco nobre para os livros, mostrando para essas pessoas a importância dos livros. Em qualquer lugar, a Biblioteca Pública deve ser um cartão de visitas. E a nossa me parece que perdeu um pouco a condição de referência para a sociedade. Não à toa – ela foi criada na época em que Porto Alegre tinha 250 mil habitantes.

ZH – Ela está defasada?

Appel – Talvez ela esteja um pouco distante das pessoas. Fazer essa aproximação pode ser algo interessante para mostrar o valor da cultura à população. “A preocupação que uma sociedade tem para com os livros (lendo texto que ele próprio escreveu, em material produzido sobre a biblioteca em uma de suas gestões à frente da Sedac) espelha o seu nível econômico, social, político e cultural. Por isso, a Biblioteca Pública é uma espécie de livro transparente, que mostra a alma da cidade e das pessoas que nela vivem.” Não é preciso ir além da América Latina, eu diria que não é preciso sair do Brasil para constatar como uma Biblioteca Pública pode ser qualificada, organizada e mais valorizada pelo governo, e o quanto isso é importante no processo civilizatório e no aumento do nível não só cultural, mas social, político, econômico de um lugar.

ZH – Quais as outras medidas que o senhor sugere aos próximos gestores?

Appel – O Rio Grande do Sul precisa voltar a pensar seu papel no contexto nacional. Não faz muito, o Estado assumiu por duas vezes a presidência do fórum nacional dos secretários da Cultura, o que permitiu que chegássemos mais perto do ministro da área, propondo projetos mais importantes e parcerias mais amplas. Em outras palavras, assumindo uma participação politicamente mais ambiciosa no contexto do país. A reforma do Margs, procedida nos anos 1990 e que deu condições ao museu de crescer tanto quanto se pôde ver nos anos subsequentes, foi realizada a partir de uma parceria com o Ministério da Cultura proposta pelo Estado. Outra necessidade urgente para o Rio Grande do Sul é buscar uma maior continuidade dos projetos implementados em gestões anteriores. A persistência de grandes eventos como a Bienal do Mercosul deve servir de exemplo, assim como festivais de importância fundamental em sua área específica, a exemplo do Festival Internacional de Teatro de Bonecos de Canela. Se alguns projetos têm problemas ou precisam de algumas modificações, sugiro refletir se é melhor mesmo extingui-los em vez de aperfeiçoá-los. Só com continuidade se alcançam resultados tão expressivos como os alcançados por essas duas mostras.

DANIEL FEIX
Multimídia

sábado, 6 de março de 2010

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING IV A Cultura da Secretaria da Cultura

“Não existe nada pior que alguém querendo fazer o bem, especialmente o bem aos outros” Michel Maffesoli, La part du diable, Flammarion, 2002

No último sábado (06/03) a Secretária de Cultura do Estado em entrevista ao Caderno de Cultura de Zero Hora, respondeu as críticas que vem recebendo do meio cultural desde que Luis Paulo Vasconcellos publicou seu provocativo artigo “Desde quando faxina é cultura?”, no mesmo suplemento. A conclusão é simples: como Secretária de Cultura, Mônica Leal é uma ótima Secretária da Fazenda. Defende como foco principal de sua gestão o saneamento das finanças da secretaria da cultura. E apresenta a política cultural que idealiza: “uma política cultural acessível às diversas camadas sociais e aos diversos segmentos sociais”. Prezada Secretária: a senhora poderia ser um pouco mais específica?

A questão colocada por Daniel Feix “Para onde vai a Sedac”? é originada de dois fatos básicos: o fechamento da Sala de Cinema Norberto Lubisco e a demissão do historiador Voltaire Schilling da direção do Memorial do Rio Grande do Sul. Os fatos acirraram o contexto de crítica da comunidade cultural a política desenvolvida na pasta, que não é reconhecida como politica cultural por integrantes do sistema da cultura. É o fato óbvio: o sistema da cultura se mantém de pé graças as equipes de trabalho que tem sobrevivido e mantido de pé todos os órgãos da pasta, a mingua dos recursos estabelecidos pela secretária. Acostumados a sobreviver no deserto de recursos em que se transformou a área cultural em nosso estado, Mônica Leal teve liberdade para executar seu ajuste fiscal a risca, mas esqueceu o fato de que o Plano de Governo Yeda
[1] também afirmava que seu objetivo era de reequipar os órgãos da cultura. Ora, se as ações de redução de gastos são reivindicados como uma das ações principais promovidas pela Secretáriaj, fica impossivel pensar que os equpamentos como o Memorial do Rio Grande do Sul, fossem objeto de investimento, e não o foram. Quer dizer, na prática, fez-se justamente o contrário do que o proposto pelo Plano de Governo.

O fato da resposta da Secretária apontar realizações de sua gestão no plano fiscal não responde a questão fundamental formulada por Daniel Feix e que ainda está de pé: às vésperas de entregar o cargo para concorrer as eleições, qual é de fato a política cultural da Secretaria da Cultura? Passados já tantos meses é natural que as criticas surjam no cenário cultural. O problema é que elas são agravadas pela tomada de decisões equivocadas e fechamentos de espaços culturais. Ora, de fato o contexto de critica já é a própria avaliação pública das ações da pasta, o que é o ônus de ser governo. Isto não pode ser feito a partir do senso comum, ou da opinião em geral, mas a partir das contribuições da Polícy Cycle Approach, ou “Abordagem do Ciclo de Políticas”, formulada inicialmente por Stephen Ball
[2] e colaboradores, marco teórico onde acreditamos seja possível realizar a avaliação da trajetória da ação cultural no Governo Yeda e consequência do balanço que Feix se propôs a iniciar.

Para Ball são três os contextos ou arenas políticas que devem ser consideradas para avaliar as políticas públicas: o “contexto de influência”, onde atuam as redes culturais em torno dos partidos e onde nasce o discurso de base da ação política; o “contexto da produção do texto” onde estão os textos políticos legais, oficiais ou pronunciamentos, produtos de disputas e acordos e que revelam o quanto a política pública é uma intervenção textual; e o “contexto da prática”, aquele onde as políticas não são apenas concretizadas, mas também interpretadas e sujeitas às interpretações. Diz Ball “Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais, etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa”

Para Ball as formas como os dirigentes conduzem suas ações na formulação de políticas públicas está diretamente relacionado com estes três contextos. Sendo assim, como poderíamos caracterizar a política atual da Secretaria da Cultura a partir dos contextos em que se desenvolve? No contexto de influência, observa-se a pouca participação das redes culturais ao redor dos partidos no governo. O Partido Progressista, da Secretária, possui mais ação no campo da juventude do que na cultura. A trajetória do PSDB-RS e de Yeda Crusius
[3] trazem poucas referências a participação de entidades culturais na formulação do projeto de governo para a cultura. A Secretária, por outro lado, quando vereadora teve a louvável organização de um seminário sobre museus militares no legislativo, mas no cargo de secretária, por força legal, rompeu com a Associação de Amigos da Cinemateca Paulo Amorin. De fato, salvo melhor juízo, os avanços que a pasta conquistou devem-se mais a iniciativa de suas equipes em participar de seleções nacionais de fomento à projetos - como o Petrobrás Cultural - de onde retiram recursos para a inovação em cultura do que das iniciativas da Secretária para ampliar os recursos de sua pasta no governo Yeda.

Com relação ao contexto de “produção de textos” também fica evidente o descaso com a cultura. O modelo de gestão do governo Yeda Crusius
[4] apenas cita a Secretaria de Cultura; também não encontram-se discursos políticos da Secretária da Cultura na página do Governo – que perde ali de 10 a 0 para a ex- secretaria da Educação Marisa Abreu, uma presença constante e a verdadeira “menina dos olhos” do Governo Yeda, que fez a educação tema de vários discursos. Entre os 341 discursos, não há um único pronunciado por Mônica Leal. Os seis únicos discursos da Secretária da Cultura estão disponíveis na página do SEDAC e tratam de temas diversos: gestão e inclusão, Festival de Gramado, preservação da memória, Mário Quintana, Tradicionalismo e Cultura. Para se ter uma idéia, a governadora possui 44 artigos publicados e 248 discursos políticos publicados que, excetuando-se os artigos sobre Oswaldo Aranha ou os discursos sobre o a Revolução Farroupilha, pouco ou quase nada revelam sobre de defesa da questão cultural em nosso estado.

Especificamente quanto ao “contexto da prática” como podemos resumir as interpretações que vem sendo desenhadas sobre as ações de cultura da Secretária? Primeiro é a crítica a adoção do estilo liberal, percebido naqueles equipamentos e setores onde a cultura se identifica a belas artes, considerada em sua distância da cultura popular. Ela tem atrás de si a idéia de arte como privilégio de uma elite escolarizada. A promoção da vinda de grandes obras de arte insere-se neste contexto. Segundo é a indicação dos traços do estado autoritário que possui, aquele em que o Estado se apresenta como o produtor oficial da cultura e selecionador da produção cultural da sociedade civil. Ela pode ser vista na promoção de eventos culturais no litoral ou na programação de inverno da Secretaria. A demissão de Voltaire Schilling insere-se no nó gordio da Secretaria: coordenando um equipamento com potencial de grandes eventos, Schilling tinha como política a formação de publico consumidor de cultura através de seus Cadernos. Uma política de base, discreta, e não de grandes eventos. A insatisfação da Secretária dá-se justamente pelo fato de que a formação de público não é política de Estado. O que, subliminarmente, sugere que a política de estado seja simplesmente, aquela que dê mídia. Entramos no campo da simulação das políticas públicas de cultura, onde a produção do espetáculo é considerada superior a produção da realidade cultural.

O terceiro é a indicação dos traços da cultura populista, aquela que manipula uma abstração denominada cultura popular como ícone do estado, ao associar a produção cultural do povo gaúcho exclusivamente ao tradicionalismo ou a valorização da Revolução Farroupilha, sem considerar o campo da identidade local e das culturas marginais. Finalmente, é a crítica a defesa de uma política neoliberal no âmbito da cultura, que identifica o universo da cultura a eventos para as massas, cuja principal característica é a produção cultural efêmera (centenas de eventos) sem permanências nas culturas locais. De reboque, é a critica a intenção de privatizar instituições culturais, o que significa alienar-se de sua responsabilidade – a manutenção do sistema cultural do estado – através da reforma da LIC e da implementação da FAC – Fundo de Apoio a Cultura.

Mas o contexto das práticas também inclui alterações de sentido que devem ser consideradas para sua definição. É o que emerge da questão se a cultura deve ou não se “meter” em problemas sociais. Em outro momento, Mônica Leal assinalou que, as propostas da cultura estavam inseridas nos Programas Estruturantes por que eram colaboradoras dos processos de inclusão. A questão está mal formulada porque há um erro conceitual. O problema é aqui o emprego equivocado do termo Inclusão, que a rigor, deve ser utilizado preferencialmente para em processos de ensino para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais, conforme a Declaração de Salamanca de 1994
[5]. Inclusão é o principio que defende que a escola deve atender a todas as crianças, inclusive as com deficiências ou superdotadas, com uma pedagogia especial. O motor da crítica de Vasconcellos ao caráter paliativo da proposta de política cultural de inclusão, é ao final, a constatação da transferência indevida de um conceito do sistema pedagógico para o âmbito do sistema da cultura.[6]

O que significa esta operação conceitual elaborada pela Secretária da Cultura? Há um livro Slavoj Zizek intitulado "The Parallax View”
[7]onde o autor define como o uso de uma perspectiva de paralaxe como aquela que produz o deslocamento ilusório de um objeto provocada por uma mudança na posição de observação. É portanto, no campo do artifício – como aponta Vasconcellos – que a chamada “política de inclusão pela cultura” se localiza. Ora, não há a rigor nada de errado com o fato de que a Secretária repute como fundamental para sua gestão que suas ações no sistema da cultura visem colaborar com outras iniciativas, inclusive da educação, como no combate à violência. Não duvidamos de que provavelmente são bem vindas para os beneficiados por tais ações. O problema é chamar de política de estado de cultura aquilo que pode ser apenas compreendido como função de subordinação da pasta da cultura à pasta da educação e assistência social.

Já chamamos a atenção da Secretária para os seus riscos ao assumir uma posição subalterna na direção da ação cultural nos Projetos Estruturantes do governo do estado (Cultura faz falta, sim senhora! Zero Hora, 24/5/2008 e Programa Camarote TVCOM, 11/06/2008). Entendemos que a Secretária da Cultura, munida das melhores intenções e tentando mostrar serviço, ao fazer a defesa de uma suposta política de inclusão em sua área, terminou por dar um “tiro no pé”, provocando aquilo que Zizek designou de "parallax gap" (um hiato, uma lacuna de paralaxe), ou seja, no espaço que separa duas políticas entre as quais não existe qualquer mediação possível, produziu uma ligação por um impossível "curto-circuíto" de níveis que nunca poderão se encontrar, como é o caso da proposta de política cultural de inclusão, exceto, se a Secretária da Cultura estiver pensando na construção de rampas e elevadores de acesso para os portadores de deficiência nos órgãos culturais, numa palavra, acessibilidade, o que os mesmos e suas equipes agradeceriam com fervor. É nesse sentido profundo que se entende a defesa de uma suposta “maquiagem” da política cultural do estado defendida por Luis Paulo Vasconcellos, com a qual concordamos, mas cuja expressão mais correta seria a de bricolage.

A Secretária de Cultura deve tirar proveito do debate a respeito de suas políticas de cultura: para expor mais seu projeto ou para fazer seu mea-culpa. É preciso lembrar, em primeiro lugar, que a Secretária ficou por um longo período a vontade para desenvolver seu projeto, devido à fraqueza da oposição em acompanhar de forma crítica as ações do governo estadual na cultura. Por um lado é falta de empenho da esquerda local, da qual a secretaria se beneficiou politicamente, e por outro, é reflexo da ausência de mecanismos, até bem pouco tempo, de Transparência Pública para acessar informações da secretaria e que poderiam ser resolvidos de forma simples com Portais na Internet, como fazem muitos órgãos públicos. Em segundo lugar, é preciso lembrar que o escândalo político envolvendo órgãos do Governo Yeda teve o efeito de provocar uma cortina de fumaça, beneficiando diretamente a secretária, já que sua pasta e gestão passou desapercebida à critica cultural. Mas passados os desgastes, é justamente a Secretaria da Cultura, a mais frágil de todas, que pode se transformar no calcanhar de aquiles do governo Yeda nesta próxima eleição.A prova disto é que agora, emerge um acompanhamento pela setorial de cultura da esquerda local e pelos partidos que radicalmente se opõem ao seu governo
[8]. As poucas pessoas que apenas agora, motivados pela constatação da existência de uma “Secretaria Esquecida”, iniciam os primeiros ensaios de critica pública, não vem obtendo respostas as suas perguntas. Estas questões devem orientar a agenda da política cultural até o final do seu mandato pois elas envolvem questões centrais de definição de uma política cultural.

Em primeiro lugar, a discussão sobre o modelo de gestão de cultura em andamento. A adoção ou não de uma visão neoliberal na cultura do estado deve ser a primeira questão do debate público. A Secretária deve ser capaz de responder a população se de fato suas ações são de caráter público, ou se está assimilando padrões da cultura de massa e da fashion culture. O poder público presta serviços culturais mantendo bibliotecas e escolas de arte e financiando produções culturais propostas pela sociedade. Política cultural significa cidadania cultural.

Em segundo , a discussão do vinculo entre política cultural e acesso a direitos culturais. Direitos, não eventos culturais. A Secretaria de Cultura deverá mostrar serviço neste campo porque nos princípios desta crítica está a idéia de que há direitos de acesso e fruição de bens culturais que somente serviços públicos de cultura, com equipes multiprofissionais, bibliotecas abertas e com acervo e arquivos históricos organizados podem fornecer. E cabe à Secretaria o esforço de bancar com recursos próprios do Estado tais processos. Mônica Leal paga o preço por ter seguido fielmente a Cartilha de Yeda Crusius: melhor teria sido se tivesse sido capaz de lhe lançar o desafio de uma luta por mais recursos para sua pasta. A redução de custos tem um significado em políticas públicas: a manutenção do status quo.

Em terceiro lugar, a discussão de como se desenvolve a política de atendimento dos direitos de criação cultural. Cultura é trabalho da sensibilidade e imaginação, memória e experiência, que permitem grupos se reconhecerem como sujeitos culturais. Por esta razão tão importante quanto os espaços consagrados são os novos espaços que a atual gestão proporciona, ou espaços informais de cultura, na cidade e no interior, no campo e na cidade. Finalmente, a Secretária deverá mostrar o que vem fazendo para garantir o espaço da sociedade na participação das decisões públicas de cultura e como pretende equacionar a transparência do financiamento cultural do Estado. Quando a Secretária da Cultura responder a estas questões, ela terá chegado naquela que é sentida como sua maior carência: a de um verdadeiro projeto cultural para a secretaria da cultura.
[1] Conforme http://www.scp.rs.gov.br/uploads/planoGovernoYeda_2007_2010.pdf
[2] Ball, S.J.Policy sociology and critical social research: a personal review of recent education policy and policy research. British Educational Research Journal. Manchester, v. 23, no. 3, p. 257-274, 1997; Ball, S.J. What is policy?Texts, trajectories and toolboxes. Discurse, London, v. 13, no. 2, p 10-17, 1993.
[3] Conforme www.pp-rs.org.br e http://www.advbrio.com.br/2006/eventos/forum_gov/
2008/yeda_crusius/Curriculum%20Vitae%20-%20Governadora%20Yeda%20Crusius.doc
[4] Conforme http://www.estado.rs.gov.br/arquivos/arqs_anexos/modelodegestao.pdf
[5] Conforme portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
[6] A esse respeito, exemplos de políticas de inclusão podem ser encontradas a nível federal em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/docsubsidiariopoliticadeinclusao.pdf.
[7] Há uma tradução pela Fundo de Cultura Econômica Argentina de 2006.
[8] Conforme www.pt-rs.org.br e www.psol.org.br

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING III - O começo da crítica a politica cultural de Yeda

Artigo publicado por Luis Paulo Vasconcellos em Zero Hora Cultura 2009



“Desde quando faxina é cultura?


A secretária de Estado da Cultura - e, por tabela, a governadora também - precisam saber que “a intenção de usar a Cultura para promover a inclusão social” é picaretagem, demagogia ou, para ser um pouquinho mais erudito, uma falácia. Se elas pensam que comovem a sociedade - olha como elas são boazinhas, como estão preocupadas com os pobrezinhos!… - devem logo logo tomar consciência de que a sociedade, pelo menos a parcela da sociedade minimamente culta, abomina essa maquiagem com a qual o Governo do Estado conspira contra uma verdadeira política cultural.

É claro, cultura é um termo genérico demais, sob o qual cabe desde o Porto Alegre em Cena ou o Museu Iberê Camargo, até “as ações sociais junto às áreas de educação, segurança e saúde”. E isto é cultura? - pergunto eu. Porque os governos têm sido incompetentes e a sociedade refratária à miséria que vai tomando conta das sinaleiras de Porto Alegre, agora a secretária da Cultura tem que brincar de fada madrinha e promover a troca de “armas de brinquedo” por livros? Que livros, minha senhora? E as armas verdadeiras, o que fazemos com elas? Continuarão sendo usadas em assaltos? Inclusive a livrarias?

E o que dizer sobre o projeto Hip-hop e Funk? Uma mostra competitiva de grupos com Oficinas de rap e grafite. Gente, nem no pior dos governos populistas se promoveu esse tipo de coisa.
Tem ainda a limpeza dos monumentos históricos e prédios tombados. Um dia no semestre. Em agosto. E desde quando faxina é cultura? E os projetos para a dança, para as artes plásticas, para o teatro, para a música, para a memória cultural, para o cinema, para a literatura? - ah, não, a literatura está contemplada no projeto das tais bancas montáveis em praças de cidades para incentivar a leitura. E sob essa intenção caridosa esconde-se toda a promiscuidade de uma política que não passa de esmola, se é que chega a tanto.

Quando o governador Rigotto tomou posse, publiquei na revista Aplauso uma carta em que dizia: “Se a um governo responsável cumpre, por um lado, reconhecer, incentivar e cultivar as manifestações culturais do povo, por outro, deve necessariamente valorizar seus artistas e intelectuais, porque é através de suas obras que a cultura faz algum sentido para a sociedade. O desenrolar da história serve sempre de modelo. Assim, não será demais recordar o papel da democracia na consolidação da tragédia grega, o da igreja na renovação da cena medieval, o do mecenato na transformação da arquitetura teatral renascentista, para ficarmos com alguns exemplos tirados ao acaso da história do teatro.

Eurípedes, Shakespeare, Molière, Ibsen, Beckett e O´Neill, para citar apenas alguns dos grandes, resultaram de políticas culturais definidas, não necessariamente ideais, mas de qualquer modo definidas, que reconheciam no artista um elo de ligação fundamental entre governo e povo, entre sociedade e cultura”.

Senhora, secretária: falácia, segundo o Aurélio, quer dizer “qualidade ou caráter de falaz”. Falaz, por sua vez, quer dizer, “1. enganador, ardiloso, fraudulento; 2. vão, quimérico, ilusório, enganoso. No texto do verbete, o exemplo usado é de Euclides da Cunha, e diz: “Será o eterno tatear entre miragens de um processo falaz e duvidoso”. Exatamente como é hoje o projeto de política cultural do Estado.”
Luiz Paulo Vasconcellos
Ator, diretor, professor, poeta e coordenador de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Cultura de POA.

Repercussão em Blogs

A demissão de Voltaire repercutiu em vários blogs, a maioria espatada com a decisão, ou criticando a iniciativa da Secretária. Eis os links

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&newsID=a2829980.xml&channel=13&tipo=1&section=Estilo+de+Vida


http://wp.clicrbs.com.br/rosanedeoliveira/2010/02/23/demissao-de-voltaire-esta-no-diario-oficial/?topo=77,1,1

http://wp.clicrbs.com.br/rosanedeoliveira/2010/02/23/demissao-mal-explicada/?topo=52,1,1,,171,e171

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2093222/villaverde-e-carrion-estranham-demissao-do-diretor-do-memorial-rs

http://somosandando.wordpress.com/category/cultura/

http://wp.clicrbs.com.br/pedepagina/2010/02/26/o-afastamento-de-voltaire-schilling-do-memorial-do-rs/?topo=77,1,1

http://wp.clicrbs.com.br/pedepagina/2010/03/01/e-falando-em-cultura/?topo=77,1,1

DOSSIE VOLTAIRE SCHILLING II:Um artigo que deve ter incomodado Monica Leal

Este artigo foi publicado em Zero Hora, de 25 de outubro de 2009, e provocou amplo e dividido debate em Porto Alegre. Era a demonstração de que Voltaire não apenas era uma personalidade polêmica, mas tinha a capacidade de produzir mais debates públicos do que a própria Secretária. Após, em matéria a imprensa, Voltaire diminuiu um pouco o tom de suas críticas a arte contemporanea. Mas só um pouco.

A capital das monstruosidades, por Voltaire Schilling*

Desde que Marcel Duchamp, um ex-artista cubista, francês de nascimento que escolheu os Estados Unidos como residência, mandou um urinol para ser exposto numa galeria de Nova York e, quase em seguida, em 1915, montou uma roda de bicicleta equilibrada sobre um pequeno banco e a fez passar por obra de arte, abriu-se a Caixa de Pandora dos horrores estétice 25 dos que a partir de então invadiram o cenário das exposições de arte.

Para acentuar ainda mais o seu deboche para com o que até então se entendia como arte, Duchamp, um pândego, um moleque crescido, pintou um belo bigode numa imagem da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ícone da pintura ocidental. Como ele não foi confinado num manicômio nem encarcerado por ofensas ao patrimônio estético (interessante observar que nunca o Direito Penal preocupou-se em classificar como crime hediondo quem de propósito fabricasse a feiura!), parte da vanguarda artística ocidental tomou-o como um profeta dos novos tempos. Estabeleceu-se então um deus nos acuda.

Todavia, o que particularmente nos chama a atenção como cidadãos desta nossa capital, que mais uma vez se vê intimidada pelo flagelo de uma nova “instalação”, é a notável concentração de “esculturas” e “monumentos” absolutamente espantosos. Um pior do que o outro.

Nosso calvário começa por aquela mandada erguer pelos burgueses do bairro Moinhos de Vento para celebrar sua vitória em 1964 que se encontra no Parcão (homenagem ao marechal Castello Branco, mas que também pode referir-se ao desembarque de um extraterrestre), chegando ao hediondo “timão” situado na rótula que antecede o museu Iberê Camargo.

Aliás, o primeiro “timão”, que parecia ter esterco como matéria original da sua composição, foi destruído pelos vileiros do Morro Santa Tereza, certamente indignados em terem-no nas vizinhanças (sofriam de uma injusta punição, além da pobreza tinham que encarar diariamente o exemplo da medonhice).

Este colar sem fim de mau gosto que nos assola ainda é composto pelo “cuiódromo”, encravado na rótula da Praça da Harmonia (obra que por igual pode ser entendida como a exaltação de um superúbere de uma vaca premiada), e por um tarugo de ferro enferrujado que adentra o Rio Guaíba nas proximidades da Usina do Gasômetro e que se intitula, pasmem, Olhos Atentos.

Nem os que foram perseguidos pelo regime militar escaparam destas maldades estéticas. O “monumento” que os lembra, erigido no Parque Marinha do Brasil, nos faz supor que eles continuarão atormentados ainda por muito tempo mais.A gota d’água derradeira destas perversidades que acometem contra nós, pobres porto-alegrenses, foi a inauguração recente da Casa Monstro, situada na Rua dos Andradas.

Pelo menos o autor, um jovem paulista, enfim alguém sincero no ramo, não a escondeu atrás de um título esotérico ou poético: é monstruosa, sim!Trata-se da reprodução de um tumor que, inchado, é expelido pelas aberturas da construção e vem se mostrar aos olhos dos passantes, tal como se fora um abdômen de um canceroso recém aberto pelo bisturi de um cirurgião.

Como se vê, uma maravilha!Minha interrogação, depois de passar rapidamente os olhos sobre este vale de horrores que nos circunda, é por que Porto Alegre, cidade aprazível, moderna, povoada por gente simpática, habitada pelas mulheres mais belas do país e que abrigou artistas como Vasco Prado, Xico Stockinger e Danúbio Gonçalves, termina por excitar o pior lado de muitos que por aqui vêm expor?Dizem-me que eles deixam estas abominações como doação (por não encontrarem compradores e não quererem arcar com o translado) e a infeliz prefeitura, constrangida, não tem como lhes dizer não.

Faço desde já um apelo ao secretário municipal da Cultura, Sergius Gonzaga, se este ano tal ameaça se repetir, mobilize-se. Levante recursos, promova uma ação entre os amigos da cidade para despachar tais coisas para qualquer outro lugar. Senão, peça socorro à ONU. Porto Alegre, aliviada, lhe será eternamente agradecida.zerohora.com

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

DOSSIE Voltaire Schilling I: Um motivo descabido



Em 1982, eu era aluno de ensino médio e descobri a disciplina de História como o curso universitário que viria cursar graças ao trabalho de Voltaire Schilling. As aulas de Voltaire eram ministradas em amplas salas de pré-vestibular e eram concorridíssimas. As senhas de entrada eram disputadas e logo esgotavam-se para quem não era do cursinho, como eu. E havia então o melhor de tudo, a distribuição, por monitores, das Cartilhas com o conteúdo da palestra escritas por Voltaire. Não havia como esquecer a matéria. Era ótimo.

Por esta razão o argumento utilizado pela Secretária de Cultura Mônica Leal para demitir Voltaire Schilling da Direção do Memorial do Rio Grande do Sul de que ele deveria se dedicar menos aos Cadernos e mais a projetos de maior abrangência surpreende. Não pelo direito de demiti-lo, que de fato ela tem, mas pelo fato de que os Cadernos eram o que Voltaire sabia fazer melhor, produto de sua experiência como pesquisador e professor de pré-vestibular. Tinham público certo, professores e alunos. Por outro lado, como se sabe, o Sistema de Museus do Estado é carente de recursos, e o Memorial sobrevive com pouco mais do que R$ 25 mil por mês. É um verdadeiro milagre que Voltaire tenha conseguido manter a programação do Memorial como o fez: foram cerca de 46 Cadernos sobre os mais variados temas e dezenas de exposições beneficiando amplamente alunos e professores do sistema de ensino. A rigor, não havia nada errado com o projeto. Era um projeto BBB: bom, bonito e barato.

Projetos de maior abrangência? A idéia de uma política cultural baseada em mega-exposições é discutível. As instituições culturais no Brasil que pautam-se pela produção de grandes eventos como o Museu da Língua Portuguesa e o Santander Cultural tem recursos de sobra para isso. Nosso Estado não. Para os museus, mais importante do que fazer mega-exposições é o Estado dar-lhes recursos humanos e materiais para um trabalho de base envolvendo pesquisa, exposições, formação de professores e ensino. Voltaire fazia isso e sua demissão interrompe uma política adotada pelo Memorial que fará falta. A Secretária é bem intencionada, mas achar que mega-eventos são sinônimo de política cultural é desconhecer as verdadeiras necessidades de seu sistema: finalizar as reformas do Museu Júlio de Castilhos, retomar projetos da Casa de Cultura encerrados e reabrir espaços como a Sala Lubisco, todos espaços que possuem públicos aguardando sua reabertura.

A área cultural do Estado tem problemas? É claro que tem, como qualquer outra área. Mas poderíamos ao menos ter a capacidade de evitar criar novos problemas. Com a saída de Voltaire, perde a cultura do Estado. Figura inestimável no panorama cultural, este Paulo Francis da cultura ainda tinha muito o que fazer pelo Memorial do Rio Grande do Sul. E agora, fica a pergunta: quem continuará o projeto “Cadernos do Memorial”?