quarta-feira, 29 de maio de 2013

O museu como uma pilha

No filme Matrix, os humanos são baterias onde o cérebro é ligado a um mundo onírico mas cujos corpos ficam em cápsulas que alimentam máquinas que os controlam. Esta é a imagem que vem a mente no Dia Nacional dos Museus. Na nossa Matrix museológica, os museus são as baterias que vivem a alimentar uma máquina que chamamos Estado. Nesse universo fantasmático, os museus servem para o Estado dizer que tem políticas de museu quando não tem. A nível federal, a política de museus estabelece a concorrência pura e simples pelos escassos recursos através de Editais, quer dizer, submete-os a mesma matriz corporativa na qual Thomas A. Anderson trabalha, metáfora do controle diabólico da IA, aqui, do Estado; a nível estadual, cada museu é uma Nabucodonossor que busca sobreviver num universo hostil habitado por sentinelas, as "lulinhas" do filme, aqui, a falta de pessoal, de recursos financeiros e equipamentos.

No filme os personagens sempre buscam a “saída viável”, expressão dada ao modo de como sair da Matriz; aqui é a busca feita por nossos museólogos pela "saída viável" para escapar da situação de abandono pelo Estado. Basta um olhar ao redor: nossos melhores acervos de jornais convivem com teias de aranha, nossos melhores quadros aguardam restauração e nossas melhores esculturas públicas encontram-se abandonadas em depósitos. Que dia de museus é este para comemorar? É que, como no filme, o mundo dos museus é um mundo de sofrimento: assim como é inconcebível um mundo justo se os humanos padecem, como os museus podem comemorar se passam o dia a sofrer?

Nossos museus precisam de um oráculo. Ele diria algo do assim: “- Vocês estão demasiado preocupados com o passado. Voltem-se para o futuro." Com isto ele quer questionar os processos de galopantes de digitalização dos acervos das instituições públicas. Acervos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário hoje estão cada vez mais digitalizados. Que acervos estamos legando para o futuro? Quem garante a sobrevida de fotografias e de processos que deixam o suporte papel para o suporte digital, e portanto, passam a ser gravados em DVDs que cedem ao menor risco, ou preservados nos HD dos computadores que cedem ao menor vírus? Que modernização dos museus é essa que cede ao acidente (Paul Virilio)? É esta a política de preservação de acervos públicos para museus que queremos?

O hipotético oráculo, comendo um biscoito, ainda diria: “- Em segundo lugar, vocês, museólogos, no seu dia, sequer estão discutindo suas práticas de museu.” É verdade: banners gigantes de fachada e telas de TV nunca foram garantia de boa exposição. Neste mundo pós-moderno, cobram cada vez mais de nossos museólogos a garantia de experiências sensíveis cada vez maiores e de macro-exposições que levam, paradoxalmente, a uma perda da memória no interior do próprio museu. Que estética de museu é esta onde a forma é mais importante que o conteúdo?

Os museus devem discutir no seu dia se querem ou não atender ao desejo dos novos tempos de hegemonia da imagem, do entretenimento instantâneo, do culto politico, da valorização do mercado e do exibicionismo de macroexposição típicos da indústria cultural capitalista. Museu não é lugar para vender souvenir, é espaço de memória e educação, ele tem algo a dar que não pode ser oferecido por nenhum outro meio. É isso que os museólogos precisam discutir nesta data.

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