quarta-feira, 25 de julho de 2012

"Nos desejamos aquilo que vemos"

A discussão sobre a divulgação dos salários dos servidores não tem dado atenção a um potencial de violência simbólica que o ato encarna. Ela priva o servidor público de mostrar sua história, de revelar o caminho honesto que o levou a receber o seu salário, confunde o bom servidor com os corruptos e provoca a discórdia social.

 


 

Todos sonham com o que os outros têm. Os servidores que conquistaram seu salário por seu mérito e trabalho a partir de agora vão ser desvalorizados por uma opinião pública que diz que seu trabalho não vale o que recebem. Ela esquece as diferenças e competências individuais, os Planos de Carreira e as vantagens obtidas pela luta dos servidores públicos como categoria social, numa palavra, o direito do trabalho. Sua raiz é a exigência de julgar que a divulgação dos salários passa a impor, a comparação que cada um faz a partir de agora para saber quanto vale o seu trabalho comparado com o do servidor. Ao invés de combatermos os salários que ultrapassam os limites legais, agora todos os salários dos servidores tornam-se objeto de comparação. Isso é um problema.


 

É que o cidadão comum se sente diminuído quando a comparação salarial lhe é desfavorável. É um mecanismo de defesa do cidadão que age pela desvalorização e busca rebaixar o salário do servidor público ao "nível do mar" _ nível que foi estabelecido pela exploração do Capital, o verdadeiro inimigo. Ao sentir-se diminuído com o quanto conseguiu empreender, ao reagir emocionalmente, o cidadão deixa de lutar para que todos tenham o nível salarial que considera bom e passa a acusar os salários dos servidores. Eles são acusados de três culpas: "será que você não percebe? você ganha mais do que eu!", acusação que resume a condenação social que transforma o salário do servidor em objeto de um julgamento social de valor; "não receba mais do que eu!", acusação que encarna a desvalorização ao servidor pelo cidadão, que procura diminuí-lo; "não se rebele, aceite nosso juízo!", imposição que esquece a necessidade de colocar-se no lugar do outro e das singulares lutas de valorização profissional.


 

Mas que mal os bons servidores fizeram à sociedade para merecer este julgamento? Os servidores que têm seu salário revelado não fizeram absolutamente nada, ao contrário, lutam dia após dia para fazer um serviço exemplar, chegam a tirar dinheiro do próprio bolso para arcar com despesas do seu serviço, fazem atividades além da sua obrigação e buscam qualificação para aprimorar sua função muitas vezes sem apoio algum. Ocorre é que ao confrontar seu salário com o do servidor público, o cidadão sente um dano que ninguém praticou, um dano imaginado pelo cidadão que estabelece o que Francesco Alberoni denomina de "confronto invejoso", que corrói a sociedade e desmerece os funcionários que querem um serviço público melhor.


 

Não se enganem: a forma que nega a remuneração baseada nos valores do mérito, qualificação e tempo de serviço estabelecidos pelos Planos de Carreira é uma forma de totalitarismo. Estabelecendo uma agenda pública que desvia a atenção da sociedade dos seus reais problemas _ a saúde, a educação _, a divulgação de todos os salários oculta uma violência simbólica, a da confrontação entre cidadãos e servidores públicos honestos. Essa contabilidade de méritos e recompensas corrói a sociedade e a torna despótica: hoje os servidores revelam seus salários, amanhã abrirão suas sacolas e terão revistas em suas partes íntimas cada vez que chegarem à repartição pública. Onde isso irá terminar?

Publicado em Zero Hora em 24/07/2012
 


 


2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns!! Esclarecedor e corajoso o seu artigo...No art. 37, caput, da Constituição Federal, além do Princípio da Publicidade, existe o Princípio da Eficiência, que também norteia a Administração Pública e,via de consequência, o trabalho dos seus servidores. Contudo, a este último não é dada a devida importância, é pouco divulgado pela mídia. A Lei de Acesso à Informação, criada com a finalidade de divulgar atos administrativos e permitir a sua fiscalização pela sociedade, está sendo usada para o fim de expor os servidores públicos. Obrigada pelo seu artigo e por lembrar que o trabalho do servidor público dever ser qualificado e observar o referido Principio da Eficiência. Daniela G. Giacobbo

Jorge Barcellos disse...

Agradeço o seu comentário e a lembrança da CF. Estamos juntos nesta luta. Abraços Jorge Barcellos