sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A sinuca da educação

"A verdadeira utopia é a crença em que o sistema global existente pode se reproduzir indefinidamente. A única maneira de ser verdadeiramente realista é imaginar o que, dentro das coordenadas desse sistema, só pode parecer impossível." Slavoj Zizek

O snooker é um jogo de mesa, tacos e bolas surgido na Grã-Bretanha em 1875 e que recebeu no Brasil o nome popular de sinuca. Praticado por milhares de pessoas, com adaptações oriundas dos jogos americanos, um de seus movimentos é denominado bricol, que consiste em lançar a bola branca para que toque uma tabela antes de tocar a primeira bola objetivo. A bola branca repica e atinge outro alvo.

Algo semelhante ocorre quando Gustavo Ioschpe publica em Veja o artigo “Você acha que as escolas particulares brasileiras são boas?”. Depois de criticar o sistema público, Ioschpe volta -se contra o sistema privado, que na sua opinião, é no mínimo sofrível. E critica a satisfação dos pais que tem seus filhos nas escolas privadas, que sofreriam daquilo que os alemães chamam de Schadenfreude “a satisfação diante da desgraça alheia”.

O bricol praticado por Ioschpe é simples: ele mira nas escolas privadas para atingir as escolas públicas. Seu artigo contém uma mensagem perversa: privatizem a escola pública! Ela está inscrita na comparação com o sistema chileno, que privatizou grande parte de sua educação básica quando então começou a selecionar os melhores “Se a escola atrair os melhores, provavelmente será a melhor”, diz. Ioschpe acerta na defesa da participação dos pais na educação dos filhos mas erra ao defender a ideologia liberal da pior espécie: a defesa da concorrência, da hegemonia da educação para o trabalho e da culpa dos professores pelas fraquezas do sistema de ensino. A escola privada brasileira é ruim porque a pública é muito pior, conclui.

Eu teria muito a dizer porque discordo de sua posição mas Zero Hora fez isso por mim na reportagem da última segunda-feira. Com um título que sugeria o pior “Estado cai no ranking do Enem”, a matéria mostrou que o Rio Grande do Sul perdeu a supremacia no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio sim, mas, observando com atenção comparativamente os dados das vinte melhores escolas públicas do Estado com as respectivas vinte melhores privadas da capital, a surpresa. Primeiro, a média do estado avançou 6 pontos percentuais para mais; segundo, as três primeiras escolas públicas do Estado - o Colégio Militar de Porto Alegre,o Colégio Politécnico de Santa Maria e o Colégio Tiradentes - ficaram respectivamente com 693,69, 693,43 e 665,93, valores superiores aos das duas primeiras escolas privadas do Estado - o Colégio Leonardo da Vinci – Alfa e o Colégio Marista Nossa Senhora do Rosário - que ficaram respectivamente com 661,68 e 647,43 pontos e portanto, foram superadas pelas escolas públicas. Onde estão as piores escolas públicas apontadas por Ioschpe?

Temos que melhorar a educação? É claro que sim. Há muitas escolas públicas com problemas? Evidente, mas não melhoramos a educação pública desvalorizando o esforço dos professores e dos sistemas que funcionam em nome da privatização, mas exatamente com pregam os “radicais de esquerda”, através de um engajamento sociopolítico concreto de todos em defesa de uma educação libertária crítica a raiz do sistema capitalista. Como em uma parede de Paris em 68 “sejamos realistas: exijamos o impossível!”

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