terça-feira, 7 de junho de 2011

Slavoj Zizek e o Direito









A idéia de que a Ciência Política, Antropologia e Sociologia são ciências auxiliares do Direito ainda não está totalmente estabelecida como uma prática. Os campos tradicionais das Ciências Sociais tendem a dialogar mais entre si do que com o campo do Direito, produzindo seu aparente isolamento destas disciplinas. Este isolamento, por outro lado, tem sido rompido com o esforço de juristas e cientistas sociais que reivindicam a importância de abordagens interdisciplinares no campo jurídico.

Entre estes autores podem ser citados Michel Foucault. Seu estudo “A verdade e as formas jurídicas” mostrou aos estudiosos do Direito à importância de buscar na história de sua disciplina como sua prática exerce poder, um saber-poder. Renovação semelhante foi introduzida por François Ost em “O Tempo do Direito” onde o autor realiza um diálogo entre as noções de Direito e Tempo, revelando como se determinam mutuamente a construção de quatro medidas: memória, perdão, promessa e questionamento.

Nesse campo de contribuições interdisciplinares para o estudo do Direito um autor que merece destaque é Slavoj Zizek. Nascido na Liubliana, capital da Eslovênia em 1949, doutorou-se em Filosofia na sua cidade natal e estudou Psicanálise na Universidade de Paris. Conhecido pelo uso que fez da obra de Jacques Lacan para uma nova leitura da cultura popular, abordou temas como o cinema de Alfred Hitchcock e David Lynch, o leninismo e tópicos como fundamentalismo e tolerância. Intelectual de uma vasta produção, sua obra articula filosofia, psicanálise, crítica da cultura, política e cinema. Rotulado como pós-marxista, pós-lacaniano, critico da pós-modernidade e do multiculturalismo, Zizek é um ferrenho critico da hegemonia do capitalismo global. Autor de obras como “Um mapa da ideologia”, “Visão em Paralaxe”, “Bem vindo ao deserto do real”, O Sublime Objeto da Ideologia” e mais uma dezenas de livros em várias línguas, Zizek situa-se na linha de frente do debate cultural contemporâneo de esquerda e junto com Cornelius Castoriadis, Ernest Laclau e Alain Badiou constitui a chamada “Nova Esquerda Lacaniana”, caracterizada por construir estudos originais que servem de crítica à hegemonia da ideologia liberal.

Marcelo Grillo em sua obra “O direito na filosofia de Slavoj Zizek”(Editora Alfa-Omega) defende a importância do autor para perscrutar o conceito de Direito. Zizek, diferente da visão marxista superficial, não vê o Direito como integrante da super-estrutura da sociedade. Ao contrário, Zizek vê o Direito no seio das contradições da sociedade capitalista, com críticas à sociedade e a democracia liberal fundamentais para a construção de um novo conceito de Direito. Por exemplo, não se pode, para Zizek, elogiar a China como potência capitalista emergente enquanto se vê a repressão aos direitos dos trabalhadores em seu interior. O Direito, nesse aspecto, é um dos campos da luta ideológica contemporânea, e Zizek receia que a força do neoliberalismo termine por reduzir a capacidade do Direito em realizar a justiça.

É o que demonstra Zizek ao analisar o drama da defesa dos direitos humanos “A nova normatividade emergente para os direitos humanos é, entretanto, a forma em que apareceu seu exato oposto”, frase enigmática mas que significa, que em nome dos direitos humanos, o que estamos fazendo é violar esses mesmos direitos. Em “Os direitos humanos e o nosso descontentamento”(Ed. Pedago), Zizek fala das relações entre os diversos países que compunham a antiga Iugoslávia. Analisando as intervenções militares sob a justificação humanitária, Zizek mostra que o que estava em jogo era a oposição entre o forte nacionalismo de Milosevic e a herança multicultural dos iugoslavos, representados pelos bósnios. Para Zizek, justificar a intervenção militar com base nos direitos humanos terminou por retirar das vítimas a capacidade de reagir, de fazer sua própria história.

Para Zizek, toda política de intervenção baseada na doutrina dos direitos humanos que age sem provocar a politização das vitimas deve ser considerada ideologia do intervencionismo militar a serviço de propósitos econômicos específicos. A inspiração desta posição é Hannah Arendt, que em sua obra “As origens do Totalitarismo diz: “o conceito de direitos humanos, que é baseada na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres humanos que realmente haviam perdido todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram humanos”.

A critica de Zizek aos direitos humanos não se faz, evidente, aos direitos humanos em sim, mas ao fato de que no atual contexto mundial eles atendem aos interesses da nova ordem internacional dominada pelos EUA. A cada intervenção realizada, Zizek questiona a base dos critérios das escolhas “porque os albaneses na Sérvia e não os palestinos em Israel ou os curdos na Turquia. Porque Cuba é boicotada enquanto o regime norte-coreano, muito mais rígido, recebe ajuda gratuita para desenvolver capacidades atômicas “seguras”?. Com isto Zizek quer dizer que as intervenções que se fazem em nome dos direitos humanos são mais em função de supostas razões morais do que intervenções em vistas uma luta política definida. Nesse sentido, a realidade de uma luta política é convertida numa luta moral do bem contra o mal.

Em meio a uma obra polêmica e original, Zizek é um pensador extremamente instigante para o Direito ao clamar pelo retorno da Política e ao fazer a crítica da política dos direitos humanos ao serviço do Capital.












Publicado no Jornal O Estado do Direito, nº 30, p. 21.

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