My Name is Earl é uma série de televisão americana na qual o personagem principal após sofrer um grave acidente resolve consertar todas as coisas erradas que fez pela vida. Ele faz uma enorme lista onde estão todas as coisas que deve consertar: algo que roubou de um amigo, uma trapaça feita na escola e coisas assim. No episódio 7 da primeira temporada, ele defronta-se com o fato de que numa época de sua vida ele roubou o Estado. Numa palavra, não pagou seus impostos. Ao contrário de muitos, ele está disposto a pagar ao Estado o que deve e faz de tudo para efetuar o pagamento: deixa dinheiro na caixa de sugestões, tenta pagar com trabalho – e é preso por isto – o que gera inúmeras situações cômicas. Num determinado momento, no balcão de um ghiché de informações, tenta resolver o seu drama, para ouvir, mais uma vez da atendente, que é impossível pagar ao Estado o que pretende.
Nesse momento, uma atendente com ares de enfado, por detrás do balcão, teima em dizer um sonoro “o próximo”, ignorando a presença de Earl e seu esforço em ressarcir o Estado de um prejuízo que ele cometeu. Earl encontrou na primeira parte de seu calvário uma série de personagens que retornarão – e não direi o final para não matar a curiosidade – ao final consagrado para Earl a importância de um Estado de Proteção Social. Ao contrário, esta primeira parte da narrativa, Earl encontra policiais, médicos e burocratas aparentemente insensíveis com seu desespero. Cada um, de seu modo, esta perdido em regulamentos e regras e não consegue perceber o drama humano protagonizado por Earl. O que o episódio tem de interessante a nos dizer da imagem da burocracia e do serviço público é que: 1) por mais que o cidadão se esforce, uma distancia é estabelecida entre os burocratas de plantão e os cidadãos em busca de seus direitos; 2 ) o burocrata padrão rege-se pela lei do menor esforço, e não se contenta enquanto não puder pronunciar a palavra “o próximo!”.
Para atender ao tema proposto pelos organizadores, parto da cena na qual a atendente pronuncia inúmeras vezes, frente a um Earl desesperado, a palavra “próximo”. Ela ilustra com exatidão o modelo perverso de servidor público engendrado pela organização burocrática e que estamos a todo o momento a combater. Meu tema central é trabalhar o conceito de mudança no serviço publico em seus condicionantes culturais, institucionais e subjetivos. Ele é organizado em quatro partes principais. Na primeira eu introduzo uma análise breve dos processos de reforma administrativa a partir do contexto do ciclo de políticas públicas. O exemplo é extraído da literatura disponivel sobre reforma da previdência e educação, mas provavelmente vou me deter mais na da educação. A segunda é parte defende certa "autonomia relativa" de determinados processos e esferas do serviço público, a partir de categorias do pensamento de autores como Kant, Castoriadis e Antony Giddens. A ídéia é localizar os espaços para a produção de novos dirigentes publicos, lideranças de grande necessidade na administração pública na atualidade. A razão é que a tal mudança, que pede o título, me parece ser relativa aos efeitos sobre o serviço público de um diagnóstico de nosso tempo que se tornou leitura obrigatória - debate sobre a natureza da modernidade, e nele o Estado. A terceira parte propõe localizar no serviço público o valor dos processos de aprendizagem e educação, valorizando-o como instituição aprendente, por um lado, introduzindo nela a idéia de politica como processo de comunicação na concepção de Niklas Luhman. De qualquer forma, esta é apenas uma proposta de tratamento sparticular do tema e que tem como base minha experiência de investigação. Trata-se portanto de desenvolver o tema a partir das que estabelece entre a política, burocracia e certa sociologia e psicologia social. Que o público perdoe o fato de que eu utilizar como exemplos, é claro, os do Legislativo, é devido ao fato de ser a institução publica em que atuo há mais de 25 anos, o que permite afirmar, com alguma certeza, de que conheço um pouco dos elementos de controle sobre a e da administração pública, os controles sobre a burocracia e os controles que a burocracia efetua, o que introduz mais uma vez, a questão central deste trabalho, a de como a burocracia se autonomiza e é capaz de criar nesse contexto.
Mudança, neste sentido para mim é a criação na e pela nova agenda de gestão pública. Pode parecer longo, mas você precisa fazer toda uma radiografia para sugerir tais políticas no interior das instituições, o que passa pelo retorno da análise historica. Finalmente, num trabalho como este não deve encerrar indicações sobre valores para o futuro - outro conceito a ser exposto – com vao profissionalização, mérito e proteção à burocracia (tema pouco falado) que devem estar incluidos. A idéia de retomar a importância das carreiras públicas para fortalecer as possibilidades izde mudança é uma conseqüência, porque ao final, trata-se sempre, de defender não apenas o político ou o burocrata, com acredito, se trata de construir um dirigente público para o futuro.
O Legado de uma Era de Reformas
Silvio Bressan no capítulo intitulado “Reforma Administrativa”, da obra A Era FHC, um balanço, organizado por Bolívar Lamounier e Rubens Figueiredo (Cultura Editores Associados, 2002) caracteriza o projeto de Reforma Administrativa do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Bressan aponta alguns elementos que devemos ter em conta quando pensamos a reforma administrativa colocada em prática a partir de 1995. O primeiro é que a reforma possiblitou um diagnóstico claro dos problemas administrativos, foi produto de uma negociação com o Congresso Nacional pelo qual passa sem percassos – ao contrário da Reforma da Previdência – e possibilitou identificar disfunções da administração brasileira, entre ela a rigidez que compromete a iniciativa e a criatividade, a ausência de visão geral dos servidores do processo, a dificuldade de responder as demandas da população, entre outras.
A reforma proposta por Bresser Pereira, através do recém criado Maré, Ministério da Reforma do Estado, atuou em três frentes: institucional legal, cultural e gestão. Tratava-se de eliminar entraves legais a modernização da máquina pública, realizar a transição de uma cultura burocrática para uma cultura gerencial, valorizando controle de resultados, e por ultimo buscou-se aperfeiçoar os métodos de gestão.Um passo concreto foi a informatização de todo o governo, com aumento expressivo de computadores, redes internas, homepages, que possibilitou um grande acesso a informações para servidores e usuários. “Passaram a ficar disponíveis informações sobre políticas públicas, projetos e ações do governo, licitações, concursos públicos e outros assuntos” (p. 375).
Tal projeto tinha como estratégia, entre outras, o fortalecimento das carreiras de nível superior, responsáveis pelas atividades típicas de Estado: planejamento, gestão pública, fiscalização, orçamento, jurídico, política e diplomacia, destacada Bressan, para os quais foi proposta uma política de desenvolvimento e treinamento, para os famosos DAS. Os cargos de Direção e Assessoramento Superior , níveis 5 e 6, e os cargos de Natureza Especial (NES), é denominado por Maria Celina D”Araújo de “Dirigentes Públicos” em sua obra “A elite dirigente do Governo Lula” publicado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas. A autora lembra que em 2009 existiam segundo o Boletim Estatístico do Pessoal do Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão, cerca de 80 mil cargos de confiança , funções de confiança e gratificações no poder executivo federal. Nomeados pelo Presidente e Ministros, e ainda que tal contingente, assinala a autora, seja passível de manobras políticas, é surpreendente o quanto de fato sua pesquisa comprovou, trata-se de uma elite administrativa profundamente imbricada em diveras formas de participação social.
É claro que os cargos DAS do governo federal são um caso a parte em administração pública. As pressões para que tais cargos sejam moeda política provém do legislativo e do executivo; a nomeação varia conforme a presidência: no governo FHC eram nomeados pelo presidente e ministros, enquanto no governo Lula, originam-se na Casa Civil. E Era Lula pode ser caracterizada como uma era de alta concentração de poder administrativo. Dos cerca de 80 mil cargos e funções de confiança, certa de 47.500 são da adminsitração direta. E estamos falando de “milhares de casos em que pessoas passaram a reter em suas mãos prerrogativas excepcionais para estabelecer gastos, propor políticas e tomar decisões que afetam toda a sociedade”(D’Araujo, 2010, p. 9).
Um dos pontos de destaque nesse espaço de disputa de DAS é o fato de que há presença alta de funcionários públicos. D’Araujo assinala que boa parte destes dirigentes vieram de carreiras públicas com fortes vínculos com os movimentos sociais, especialmente sindicais. “Não se trata, portanto, de funcionários desinteressados, mas de um conjunto de cidadãos com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira”(idem, p. 10). A autora explica que em parte, é verdade, deve-se ao fato da ligação entre o PT e os sindicatos ser histórica. O que a autora quer salientar é que, em que pese o governo petista ter levado a confluência entre governo, movimento sindical, movimento social e funcionários públicos, sua tese é que foi determinante a alta qualificação profissional da elite dirigente mobilizada pelo governo Lula.
Isso não significa que não hajam campos de pesquisa em aberto. O principal deles é o de que pouco sabemos sobre as relações entre profissões e cargos públicos, o tipo de formação mais corrente entre os servidores públicos, a participação das profissões na divisão social do trabalho na área governamental. Por exemplo, se médicos são entre todas as profissões, os dirigentes com mais laços com a sociedade, isso refletiu-se nas políticas de saúde? A análise de D’Araujo mostra a existência de um grupo de dirigentes públicos altamente escolarizado e majoritariamente composto por funcionários de carreira, engajado em diversas frentes de participação. Ao contrário de uma literatura tradicional, ao contrário de serem cargos ocupados por pessoas sem nenhuma qualificação, como manda a leitura clientelista, tais cargos são preenchidos por pessoas da carreira, com alto grau de instrução e com experiência de trabalho diversificada e que compõem cerca de 65% da população.
A taxionomia destes cargos é extensa e envolve desde o Dirigente de Autarquias e Fundações até o Assistente Técnico de Nível 01. Entre eles encontram-se assessores especiais, diretores de departamento, consultores jurídicos, assessores especiais, coordendores, assessor técnico, chefe de divisão e chefe de seção. Sou chefe da Seção de Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, o que comparativamente, me coloca no penúltimo grau da esfera de cargos do legislativo municipal. O modelo proposto por D’Araujo aproxima-se muito da proposta de Abrucio em sua obra “Burocracia e Política no Brasil”: no atual estado de organização da função pública, devemos reforçar o papel de uma camada intermediária de servidores públicos situados entre a política e a burocracia: os dirigentes públicos.
Autonomia relativa do serviço público
Pode parecer paradoxal sugerir a necessidade da autonomia para o serviço público já que este é, por sua natureza, determinado por normas de alto a baixo – as leis. De fato, o tema da autonomia, tal como formulado por Immanuel Kant e após, por Paulo Freire, destina-se aquelas situações em que os atores desenvolvem uma capacidade de compreensão insuficiente de sua realidade, se mostram arredios à leitura, seguem as regras irrefletidamente, apresentam dificuldade em pensar por conta própria e discutir criticamente os assuntos que o envolvem. Tais elementos, presentes em várias organizações, se fazem sentir no serviço público nas atitudes marcadas pelo individualismo, indiferença com o humano, à irresponsabilidade frente a máquina pública, à massificação do serviço público e a conseqüentes formas de pensar e agir homogeneizados, não autênticos e autônomos. Além disso, a razão instrumental promovida por muitos programas de gerenciamento promove a colonização do serviço público muitas vezes marcados por aspectos desumanizantes que prioriza o econômico em detrimento do humano. O conceito de autonomia se opõe ao conceito de heteronomia. Heteronomia é a determinação passiva do sujeito pelo que lhe é externo. A burocracia é constituída pela ordem da lei excluindo para o exterior qualquer coisa que a contrarie, e por esta razão é o lugar da heteronomia. Burocratas cumprem leis. Dirigentes Públicos ao contrário, tem condições sociais favoráveis que incentivam sua capacidade ou poder de ser autônomo, gozando da liberdade criar projetos vinculados as leis que precisa obedecer.
Quem definiu o conceito de autonomia na modernidade e fez dele um conceito central em sua teoria foi Kant. Nesse ideal viu o fundamento da dignidade humana e do respeito, o que foi central para o desenvolvimento dos sistemas legais, dos sistemas educacionais e da sociedade moderna como um todo. A concepção kantiana de liberdade como autodeterminação influenciou muito a educação e o modelo escolar criado a partir da modernidade. As propostas de Kant fazem uma aposta esperançosa na humanidade, no potencial humano de fazer-se melhor e construir um mundo melhor. A questão que se coloca refletir sobre as possibilidades de as concepções de serviço público construídos a partir da valorização da autonomia do direigente público iluminarem uma nova gestão pública que vise formar dirigentes capazes de superar sua heteronomia.
A idéia de autonomia adentrou na administração vinda das ciências sociais. Relacionada com a construção de espaços democráticos, a idéia de autonomia define, em primeiro lugar, pela própria idéia de liberdade. Para o cientista político italiano Norberto Bobbio, envolve os chamados direitos de liberdade de opinião. O Estado Liberal o é na medida em que vê tais direitos como inalienáveis os servidores públicos, ainda que com a possibilidade de conviverem com total liberdade, sabem que esta liberdade é relativa. Ampliar a possibilidade de participação de atores como servidores públicos nas decisões sociais e políticas possibilitam uma construção de mecanismos que redistribuem o poder. Castoriadis possui uma visão de autonomia como empreendimento da humanidade, uma empreitada coletiva, eixo de um projeto revolucionário
A defesa de uma atitude de autonomia finalmente inspira-se nos estudos de Anthony Giddens, que forjou o conceito de "sociedade pós-tradicional", aquela na qual o homem é obrigado a abdicar da rigidez das idéias, atitudes e tipos comportamentos fundamentados no sistema de valores tradicionais. Curiosamente, a sociedade na qual Giddes vê é a mesma do Estado e seu serviço público. “Hoje porém, na sociedade pós-tradicional, exige-se o oposto, e a autonomia é condição básica para conviver com os riscos, as incertezas e os conflitos dessa sociedade.”O conceito migrou da iniciativa privada para a publica. Do mundo da produção, onde a racionalidade economia coloca o domiio do conhecimento como um pré-requisito “somente um indivíduo autônomo consegue manejar com estes elementos”
Assim, é também uma necessidade emocional, uma vez que os indivíduos que fazem parte do Serviço Público precisam desenvolver uma comunicação entre si, numa sociedade em que o diálogo molda a política e as atividades. A falta de autonomia no âmbito psicológico e politico, obstaculiza as discussões abertas, gera violência e impede a manifestação plural; como diz a cientista social Agnes Heller, "é uma afronta a autonomia do Outro". Portanto a autonomia é necessária para se entrar em efetiva comunicação com o Outro, num diálogo que ocupa um espaço público no qual "todas as facções discutem entre si numa relação simetricamente recíproca"(Heller), livres do uso da coerção e da retórica.
Por isso a autonomia tornou-se condição de sobrevivência para os dirigentes público no Serviço Público moderno. Somente um Serividos Público autônomo terá sucesso nas esferas econômica, psicológica, sócio-cultural e/ou política, pois é um indivíduo que interroga, reflete e delibera com liberdade e responsabilidade, ou como diz Castoriadis, "é capaz de uma atividade refletida própria",e não de uma atividade que foi pensada por outro sem a sua participação. Espero que todos os envolvidos com o processo de trabalho reconheçam a importância da mesma, e estejam trabalhando para favorecer a autonomia individual e consequentemente coletiva, pois é assim que nos tornaremos "conscientes e autores de nosso próprio evolver histórico"
Dirigentes públicos e políticos e a nova ordem do saber
Bonis e Pacheco (2010) assinalam que o debate atual sobre a dinâmica das relações entre burocratas e políticos, o papel do dirigente publico permanece negligenciado nos estudos sobre o funcionamento do Estado. O problema é que aqueles que estão a frente das organanizações públicas tem potencial de influ~encia sobre os resultados a serem alcançados. Dirigentes públicos são atores diferentes de burocratas e políticos, pois tem responsabilidades inferiores aos políticos mas superiores ao funcionário público tradicional.
Composto por pessoas que ocupam altos escalões governamentais, com responsabilidades pelas políticas públicas, respondem diretamente a ministros, secretários, dirigente de pastas. Oriundos da carreira do funcionalismo ou não, são coresponsáveis pela implementação de programas de governo, sendo responsáveis frente ao governo e a sociedade, alinhando as polilticas de governo e buscando maximização dos resultados.
No Brasil, a administração pública segue o exemplo da norte americana, baseada em um sistema de pessoal flexível de alta mobilidade, centrado em cargos e não em carreiras, o que permite a entrada lateral de outsiders profissionais não integrantes das carreiras públicas em postos de direção. Lugar de clientelismo político, sua substituição pela institucionalização da função diretiva pública é uma urgência. A direção pública contemporânea é algo distinto dos burocratas e políticos profissionais. Estes dirigentes podem ser recrutados interna ou externamente à instituição, junto ao mercado, a universidade ou círculos partidários. O surgimento da função diretiva surge nas democracias avançadas como superação do dualismo políticos/burocratas. O crescimento dos aparatos estatais da-se no século XX e leva a necessidade de uma direção pública que, como espaço vazio, é ocupado por políticos e burocratas.
A idéia dos autores é que os dirigentes públicos são estrategistas, “criadores de valor público”, sendo capazes de transformar recursos escassos em impactos positivos para a socieade, atendendo os desejos e percepções dos cidadãos”(p. 332). Isso significa que buscam o valor público conscientemente, tem disposição de manifestar-se publicamente sobre suas idéias e submete-las ao debate público. Essa autonomia, já defendida por autores como Longo, define-se pelo fato de possuírem espaços de discricionariedade para ação, sistemas de controle e prestação de contas; um regime de prêmios e sansções e a consolidação de um ethos de administração pública.
A conseqüência é que o ethos de um dirigente público é que sua conduta se orienta, não para garantir o cumprimento de regras para melhorar os resultados. Enquanto que o burocrata tem compromisso com a racionalidade, o dirigente público usa a racionalidade para escolher, entre diversas alternativas, aquela que maximiza resultados. Assim, lutar pela atonomia do dirigente público é lutar para ampliar o nível de discricionariedade das leis.
Caminhar em direção a um processo de institucionalização da função diretiva p´bulcia no Brasil está começando. Inclui debates com a sociedade, inserção do tema dentro de uma política abrangente de gestão de pessoas no serviço público e o fortalecimento da qualidifcação do conjunto da burocracia, estágio em que se encontra hoje.
Palestra no Plenário Otávio Rocha da Câmara Municipal de Porto Alegre, dentro do Seminário Modernização da Gestão Pública promovido pela Fundação de Desenvolvimento e Recursos Humanos - FDRH, Outubro de 2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
O caluniador, figura da barbárie
Publico o texto encaminhado pelo professor Rualdo Menegat, da UFRGS, por sua vez escrito por
Juarez Guimarães, na Carta Capital
De todas as eleições presidenciais realizadas após a redemocratização, esta é certamente aquela que a calúnia cumpre um papel mais central na definição do voto. Ela foi utilizada em um momento decisivo por Collor contra Lula, compareceu sempre todas as vezes nas quais Lula foi candidato mas agora ela mudou de intensidade e abrangência, tornou-se multiforme e onipresente. A calúnia foi ao centro da nossa vida democrática. A senhora ao lado no ônibus me diz que recebeu a informação que Dilma desafiou Jesus Cristo em um comício realizado na Praça da Estação, em Belo Horizonte. O motorista de táxi conta que um médico lhe assegurou que um outro médico, seu amigo, diagnosticou gonorréia em Dilma. Um e-mail recebido traz documento do TSE impugnando a candidatura de Dilma por ter “ficha suja”. Um aluno me diz ter recebido carta em casa da Regional 1 da CNBB, contendo mensagem para não votar em Dilma por ser contra a vida. Um comerciante na papelaria me diz que “não vota em bandida”. Após divulgar o resultado da primeira pesquisa Sensus/CNT para o segundo turno, o sociólogo Ricardo Guedes, afirmou que “nessa eleição, principalmente no final do primeiro turno, temos um fenômeno sociológico de natureza cultural de desconstrução de imagem. O processo de difamação, até certo ponto, pegou.” Quem conhece alguém que não recebeu uma calúnia contra Dilma ? Houve uma mudança nos meios: a internet permite o anonimato e a profusão da calúnia. A Igreja brasileira, sob a pressão de mais de duas décadas de Ratzinger, tornou-se mais conservadora na sua cúpula e mobiliza hoje uma mensagem de ultra-direita, como não se via desde 1964. A mídia empresarial brasileira, já se sabia, vinha trilhando o seu caminho de partidarização e difamação pública, no qual até o direito de resposta tornou-se um crime contra a liberdade de expressão. Mas tudo isso não havia encontrado ainda o seu ponto de fusão: agora, sim. O que está ocorrendo aos nossos olhos não pode ser banalizado. O caluniador é uma figura da barbárie, o sinistro que mobiliza o submundo dos preconceitos, dos ódios e dos fanatismos. A calúnia traz a violência para o centro da cena pública, pronunciando a morte pública de uma pessoa, sem direito à defesa. Perante a calúnia não há diálogo, direitos ou tribunais isentos. Na dúvida, contra o “réu”: a suspeição atirada sobre ele, visa torná-lo impotente pois já, de partida, a humanidade lhe foi negada. Mas quem é o caluniador, essa figura de mil caras e rosto nenhum? É preciso dizer alto e bom som, em público, o seu nome, antes que seja tarde: o nome do caluniador é hoje a candidatura José Serra! Friso a candidatura porque não quero exatamente negar a humanidade de quem calunia. É o que fez, com a coragem que lhe é própria, a companheira Dilma Roussef no primeiro debate do segundo turno, apontando o nome de uma caluniadora – a mulher de Serra – e chamando o próprio de o “homem das mil caras”. Dia a dia, de forma crescente e orquestrada, a calúnia foi indo ao centro de sua campanha, de sua mensagem, de sua fala, de sua identidade proclamada, de seus aliados midiáticos, de parceiros fanáticos (TFP) ou escabrosos (nazistas de Brasília), de sua estratégia eleitoral e de seu cálculo. “Homem do bem” contra a “candidata do mal”? Homem de uma “palavra só” contra a “mulher de duas caras”? Político “ficha limpa” contra a “candidata ficha suja”? Protetor dos fetos e dos ofendidos (como mostra a imagem na TV) contra aquela que “assassina criancinhas”, como disse publicamente sua mulher? Homem público contra a “mulher das sombras”? O que está se passando mesmo aqui e agora na jovem democracia brasileira? Que arco é este que vai da TFP a Caetano Veloso, quem , quase em uníssomo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chamou o presidente Lula de analfabeto e ignorante já no início deste ano? Afinal, que cruzada é esta e qual a sua força ? O que está ocorrendo aqui e agora é uma aliança dirigida por um liberal conservador com o fanático religioso e com o proto-fascista. Cada uma dessas figuras – que sustentam o lugar comum da calúnia – precisa ser entendida em sua própria identidade e voz. A democracia brasileira ainda é o lugar da razão, do sentimento e da dignidade do público: por isso, defender a candidatura Dilma Roussef é hoje assumir a causa que não pode ser perdida. Liberalismo conservador: o criador e sua criatura – Nunca como agora em que esconde ou quase não mostra a imagem de Fernando Henrique Cardoso, Serra foi tão criatura de seu mestre intelectual. É dele que vem o discurso e a narrativa que, ao mesmo tempo, dá a senha e liga toda a cruzada da direita brasileira. A noção de que o PT e seu governo ameaçam a liberdade dos brasileiros pois instrumentalizam o Estado, fazem reviver a “República sindical”, formam gangues de corrupção e ameaçam a liberdade de expressão não deixa de ser uma evocação da vertente lacerdista da velha UDN. Mas certamente não é uma doutrina local. A cartilha do liberal-conservador Fernando Henrique Cardoso é um autor chamado Isaiah Berlin, autor de um famoso ensaio “Dois conceitos de liberdade” e do livro “A traição da liberdade. Seis inimigos da liberdade humana”. Neste ensaio e neste livro, define-se a liberdade como “liberdade negativa”, isto é aquele espaço que não é regulado pelas leis ou pelo Estado contraposto à noção de “liberdade positiva”. Quanto menos Estado, mais liberdade; quanto mais Estado, menos liberdade. Ao confundir liberdade com autonomia, ao vincular liberdade aos ideais de justiça ou de interesse comum, republicanos, sociais-democratas, liberais cívicos e, é claro, socialistas, trairiam a própria idéia de liberdade. É por este conceito e seus desdobramentos que Fernando Henrique mobiliza o clamor midiático contra o PT e o governo Lula. É este conceito que estrutura também o discurso de Serra, que acusa o governo Lula de ser proto-totalitário. É evidente que o conceito não é passado de forma iluminista: a mídia brasileira tornou-se uma verdadeira artista na criação das mediações de opinião, imagem e notícia que se centralizam, em última instância, neste conceito. Daí ele dialoga com o senso comum. Seja dito em favor de Fernando Henrique Cardoso: é o lado mais sombrio de seu liberalismo que vem à tona agora, na cena agônica, quando o candidato que representa a sua herança ameaça perder pela última vez. Pois este liberalismo sempre foi de viés cosmopolita, atento em seu diálogo com os democratas norte-americanos e aos “filósofos da Terceira Via”, a certos direitos inscritos na pauta, como aqueles da liberdade sexual, do direito ao aborto legal, dos gays, dos negros, da vida cultural. Mas agora para fazer a ponte com o fanatismo religioso, ele resolveu descer aos infernos: nada sobrou de progressista na candidatura Serra, das ameaças à Bolívia à moral sexual de Ratzinger? O liberal conservador não é o fanático religioso nem o proto-fascista, aquele que julga que a melhor maneira de dissuadir o adversário é simplesmente eliminá-lo. Mas dialoga com eles na causa comum de derrotar os “proto-totalitários” de esquerda”. Como disse bem, Jean Fabien Spitz, autor de “ O conceito de liberdade”, os ensaios de Berlin trazem o sentido e a tonalidade da época da “guerra fria”. O fanático religioso: os frutos de Ratzinger – Se a social-democracia, o republicanismo e o socialismo são os inimigos de Berlin, a Modernidade em um sentido amplo é o inimigo central do ex-cardeal Ratzinger. O programa político- teológico que veio construindo a ferro e fogo nestas últimas três décadas é centrado na idéia que é preciso restaurar a dogmática da fé contra os efeitos dissolutivos da moral emancipadora, da racionalização científica e da secularização. Este discurso político, que se fecha no fundamentalismo religioso, como bem denunciou Leonardo Boff, é, na verdade, um discurso de poder, de recentramento do poder do Vaticano. Neste programa, não é apenas a esquerda enquanto topografia política que é o inimigo mas principalmente o processo de emancipação das mulheres. Entre a “Eva pecadora” e a “Maria mãe de Deus” não há outra identidade possível às mulheres. A dimensão fundamentalista desde discurso não reconhece o direito do pluralismo na política, nem mesmo na linha do “consenso sobreposto” proposto por John Rawls ( a possibilidade de convergências sobre direitos, partido de um pluralismo de fundamentos). Ou se concorda ou se é proscrito, ex-comungado ou desqualificado. É essa idéia força, que veio ganhando terreno na hierarquia do clero brasileiro a partir das perseguições à Teologia da Libertação, que agora irrompe na política brasileira, difamando Dilma Roussef. A calúnia é conveniente ao fundamentalista religioso: nesta visão de mundo, não há luz e sombra, não há e não pode haver semi-tons: quando Serra proclamou que o “direito ao aborto no Brasil seria uma carnificina”, ele estava dando a senha para a campanha difamatória da direita católica e evangélica. O proto-fascista e seus privilégios – Todo processo político e social de democratização e de inclusão tão amplo como o que está se vivendo no Brasil provoca reações de resistência e regressão política à sua volta. Mas este também não é um fenômeno apenas brasileiro: observa-se à volta de nós fenômenos e operações muito típicas daquelas que estão sendo promovidas pela direita republicana norte-americana contra Obama ou que percorrem quase todo o continente europeu em torno ao tema dos imigrantes. O proto-fascista brasileira não veste camisa preta nem usa suástica no braço ( embora, é claro, ninguém duvide, redes simbolicamente ostensivas estão em ação), nem precisa ser sociologicamente configurado como “lumpen proletariado” ou “pequeno burguesia vacilante”, para lembrar as figuras de uma linguagem simplificadora. O proto-fascista brasileiro é aquele que não quer receber em sua casa comum – a democracia brasileira – estes que não reconhecem mais o seu antigo lugar, os pobres e os negros. Há uma violência inaudita no ato do jornal liberal “O Estado de São Paulo” em punir com a demissão Maria Rita Kehl, por escrever um artigo em prol da dignidade dos pobres. Esta violência, que está muito distante do proclamado pluralismo mesmo restrito de alguns liberais, cheira a proto-fascismo, este ato que pretende abolir as razões públicas dos pobres simplesmente negando dignidade a eles. A força da liberdade que hoje mora no coração dos brasileiros, os braços abertos do Cristo Redentor e o que há de imaginação e magnífica pulsão de vida na cultura popular dos brasileiros são os verdadeiros antídotos contra as figuras do ódio do caluniador. Por detrás da sua máscara, o povo brasileiro há de reconhecer os centenários adversários de seus direitos. Diante do caluniador, somos todos hoje Dilma Roussef!
Juarez Guimarães, na Carta Capital
De todas as eleições presidenciais realizadas após a redemocratização, esta é certamente aquela que a calúnia cumpre um papel mais central na definição do voto. Ela foi utilizada em um momento decisivo por Collor contra Lula, compareceu sempre todas as vezes nas quais Lula foi candidato mas agora ela mudou de intensidade e abrangência, tornou-se multiforme e onipresente. A calúnia foi ao centro da nossa vida democrática. A senhora ao lado no ônibus me diz que recebeu a informação que Dilma desafiou Jesus Cristo em um comício realizado na Praça da Estação, em Belo Horizonte. O motorista de táxi conta que um médico lhe assegurou que um outro médico, seu amigo, diagnosticou gonorréia em Dilma. Um e-mail recebido traz documento do TSE impugnando a candidatura de Dilma por ter “ficha suja”. Um aluno me diz ter recebido carta em casa da Regional 1 da CNBB, contendo mensagem para não votar em Dilma por ser contra a vida. Um comerciante na papelaria me diz que “não vota em bandida”. Após divulgar o resultado da primeira pesquisa Sensus/CNT para o segundo turno, o sociólogo Ricardo Guedes, afirmou que “nessa eleição, principalmente no final do primeiro turno, temos um fenômeno sociológico de natureza cultural de desconstrução de imagem. O processo de difamação, até certo ponto, pegou.” Quem conhece alguém que não recebeu uma calúnia contra Dilma ? Houve uma mudança nos meios: a internet permite o anonimato e a profusão da calúnia. A Igreja brasileira, sob a pressão de mais de duas décadas de Ratzinger, tornou-se mais conservadora na sua cúpula e mobiliza hoje uma mensagem de ultra-direita, como não se via desde 1964. A mídia empresarial brasileira, já se sabia, vinha trilhando o seu caminho de partidarização e difamação pública, no qual até o direito de resposta tornou-se um crime contra a liberdade de expressão. Mas tudo isso não havia encontrado ainda o seu ponto de fusão: agora, sim. O que está ocorrendo aos nossos olhos não pode ser banalizado. O caluniador é uma figura da barbárie, o sinistro que mobiliza o submundo dos preconceitos, dos ódios e dos fanatismos. A calúnia traz a violência para o centro da cena pública, pronunciando a morte pública de uma pessoa, sem direito à defesa. Perante a calúnia não há diálogo, direitos ou tribunais isentos. Na dúvida, contra o “réu”: a suspeição atirada sobre ele, visa torná-lo impotente pois já, de partida, a humanidade lhe foi negada. Mas quem é o caluniador, essa figura de mil caras e rosto nenhum? É preciso dizer alto e bom som, em público, o seu nome, antes que seja tarde: o nome do caluniador é hoje a candidatura José Serra! Friso a candidatura porque não quero exatamente negar a humanidade de quem calunia. É o que fez, com a coragem que lhe é própria, a companheira Dilma Roussef no primeiro debate do segundo turno, apontando o nome de uma caluniadora – a mulher de Serra – e chamando o próprio de o “homem das mil caras”. Dia a dia, de forma crescente e orquestrada, a calúnia foi indo ao centro de sua campanha, de sua mensagem, de sua fala, de sua identidade proclamada, de seus aliados midiáticos, de parceiros fanáticos (TFP) ou escabrosos (nazistas de Brasília), de sua estratégia eleitoral e de seu cálculo. “Homem do bem” contra a “candidata do mal”? Homem de uma “palavra só” contra a “mulher de duas caras”? Político “ficha limpa” contra a “candidata ficha suja”? Protetor dos fetos e dos ofendidos (como mostra a imagem na TV) contra aquela que “assassina criancinhas”, como disse publicamente sua mulher? Homem público contra a “mulher das sombras”? O que está se passando mesmo aqui e agora na jovem democracia brasileira? Que arco é este que vai da TFP a Caetano Veloso, quem , quase em uníssomo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chamou o presidente Lula de analfabeto e ignorante já no início deste ano? Afinal, que cruzada é esta e qual a sua força ? O que está ocorrendo aqui e agora é uma aliança dirigida por um liberal conservador com o fanático religioso e com o proto-fascista. Cada uma dessas figuras – que sustentam o lugar comum da calúnia – precisa ser entendida em sua própria identidade e voz. A democracia brasileira ainda é o lugar da razão, do sentimento e da dignidade do público: por isso, defender a candidatura Dilma Roussef é hoje assumir a causa que não pode ser perdida. Liberalismo conservador: o criador e sua criatura – Nunca como agora em que esconde ou quase não mostra a imagem de Fernando Henrique Cardoso, Serra foi tão criatura de seu mestre intelectual. É dele que vem o discurso e a narrativa que, ao mesmo tempo, dá a senha e liga toda a cruzada da direita brasileira. A noção de que o PT e seu governo ameaçam a liberdade dos brasileiros pois instrumentalizam o Estado, fazem reviver a “República sindical”, formam gangues de corrupção e ameaçam a liberdade de expressão não deixa de ser uma evocação da vertente lacerdista da velha UDN. Mas certamente não é uma doutrina local. A cartilha do liberal-conservador Fernando Henrique Cardoso é um autor chamado Isaiah Berlin, autor de um famoso ensaio “Dois conceitos de liberdade” e do livro “A traição da liberdade. Seis inimigos da liberdade humana”. Neste ensaio e neste livro, define-se a liberdade como “liberdade negativa”, isto é aquele espaço que não é regulado pelas leis ou pelo Estado contraposto à noção de “liberdade positiva”. Quanto menos Estado, mais liberdade; quanto mais Estado, menos liberdade. Ao confundir liberdade com autonomia, ao vincular liberdade aos ideais de justiça ou de interesse comum, republicanos, sociais-democratas, liberais cívicos e, é claro, socialistas, trairiam a própria idéia de liberdade. É por este conceito e seus desdobramentos que Fernando Henrique mobiliza o clamor midiático contra o PT e o governo Lula. É este conceito que estrutura também o discurso de Serra, que acusa o governo Lula de ser proto-totalitário. É evidente que o conceito não é passado de forma iluminista: a mídia brasileira tornou-se uma verdadeira artista na criação das mediações de opinião, imagem e notícia que se centralizam, em última instância, neste conceito. Daí ele dialoga com o senso comum. Seja dito em favor de Fernando Henrique Cardoso: é o lado mais sombrio de seu liberalismo que vem à tona agora, na cena agônica, quando o candidato que representa a sua herança ameaça perder pela última vez. Pois este liberalismo sempre foi de viés cosmopolita, atento em seu diálogo com os democratas norte-americanos e aos “filósofos da Terceira Via”, a certos direitos inscritos na pauta, como aqueles da liberdade sexual, do direito ao aborto legal, dos gays, dos negros, da vida cultural. Mas agora para fazer a ponte com o fanatismo religioso, ele resolveu descer aos infernos: nada sobrou de progressista na candidatura Serra, das ameaças à Bolívia à moral sexual de Ratzinger? O liberal conservador não é o fanático religioso nem o proto-fascista, aquele que julga que a melhor maneira de dissuadir o adversário é simplesmente eliminá-lo. Mas dialoga com eles na causa comum de derrotar os “proto-totalitários” de esquerda”. Como disse bem, Jean Fabien Spitz, autor de “ O conceito de liberdade”, os ensaios de Berlin trazem o sentido e a tonalidade da época da “guerra fria”. O fanático religioso: os frutos de Ratzinger – Se a social-democracia, o republicanismo e o socialismo são os inimigos de Berlin, a Modernidade em um sentido amplo é o inimigo central do ex-cardeal Ratzinger. O programa político- teológico que veio construindo a ferro e fogo nestas últimas três décadas é centrado na idéia que é preciso restaurar a dogmática da fé contra os efeitos dissolutivos da moral emancipadora, da racionalização científica e da secularização. Este discurso político, que se fecha no fundamentalismo religioso, como bem denunciou Leonardo Boff, é, na verdade, um discurso de poder, de recentramento do poder do Vaticano. Neste programa, não é apenas a esquerda enquanto topografia política que é o inimigo mas principalmente o processo de emancipação das mulheres. Entre a “Eva pecadora” e a “Maria mãe de Deus” não há outra identidade possível às mulheres. A dimensão fundamentalista desde discurso não reconhece o direito do pluralismo na política, nem mesmo na linha do “consenso sobreposto” proposto por John Rawls ( a possibilidade de convergências sobre direitos, partido de um pluralismo de fundamentos). Ou se concorda ou se é proscrito, ex-comungado ou desqualificado. É essa idéia força, que veio ganhando terreno na hierarquia do clero brasileiro a partir das perseguições à Teologia da Libertação, que agora irrompe na política brasileira, difamando Dilma Roussef. A calúnia é conveniente ao fundamentalista religioso: nesta visão de mundo, não há luz e sombra, não há e não pode haver semi-tons: quando Serra proclamou que o “direito ao aborto no Brasil seria uma carnificina”, ele estava dando a senha para a campanha difamatória da direita católica e evangélica. O proto-fascista e seus privilégios – Todo processo político e social de democratização e de inclusão tão amplo como o que está se vivendo no Brasil provoca reações de resistência e regressão política à sua volta. Mas este também não é um fenômeno apenas brasileiro: observa-se à volta de nós fenômenos e operações muito típicas daquelas que estão sendo promovidas pela direita republicana norte-americana contra Obama ou que percorrem quase todo o continente europeu em torno ao tema dos imigrantes. O proto-fascista brasileira não veste camisa preta nem usa suástica no braço ( embora, é claro, ninguém duvide, redes simbolicamente ostensivas estão em ação), nem precisa ser sociologicamente configurado como “lumpen proletariado” ou “pequeno burguesia vacilante”, para lembrar as figuras de uma linguagem simplificadora. O proto-fascista brasileiro é aquele que não quer receber em sua casa comum – a democracia brasileira – estes que não reconhecem mais o seu antigo lugar, os pobres e os negros. Há uma violência inaudita no ato do jornal liberal “O Estado de São Paulo” em punir com a demissão Maria Rita Kehl, por escrever um artigo em prol da dignidade dos pobres. Esta violência, que está muito distante do proclamado pluralismo mesmo restrito de alguns liberais, cheira a proto-fascismo, este ato que pretende abolir as razões públicas dos pobres simplesmente negando dignidade a eles. A força da liberdade que hoje mora no coração dos brasileiros, os braços abertos do Cristo Redentor e o que há de imaginação e magnífica pulsão de vida na cultura popular dos brasileiros são os verdadeiros antídotos contra as figuras do ódio do caluniador. Por detrás da sua máscara, o povo brasileiro há de reconhecer os centenários adversários de seus direitos. Diante do caluniador, somos todos hoje Dilma Roussef!
domingo, 24 de outubro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Luiz Antonio Araújo debate 11 de setembro
No dia 31 de outubro, Luiz Antonio Araújo, Coordenador do Caderno de Cultura de Zh e autor de BINLADENISTÂO, participará de um debate sobre o 11 de setembro.Vale a pena prestigiar o evento.
Cultura, guerra e terror
Passados nove anos do 11 de Setembro, os acontecimentos de Nova York e Washington e seus desdobramentos continuam desafiando o pensamento contemporâneo. “Vertigem” talvez seja uma expressão aproximada para descrever o efeito dos atentados de 2001 sobre as mentes de milhões de pessoas. Que tipo de acontecimento foi o 11 de Setembro? Inaugurou ou não um novo capítulo na História? E, se inaugurou, quais são os traços característicos desse novo capítulo? Existem Oriente e Ocidente e há possibilidade de entendimento entre eles? Essas serão algumas das questões abordadas no debate “Cultura, Guerra e Terror”, que se realizará às 16h de domingo, dia 31/10, como parte da programação da Feira do Livro de Porto Alegre.
Debatedores:
Alexandre Roche (diretor do Instituto Roche, doutor honoris causa pela UFRGS)
Sergio Tutikian (embaixador aposentado, ex-chefe do Departamento de Oriente Médio do Itamaraty)
Jurandir Malerba (escritor, historiador, professor do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS)
Apresentação e mediação: Luiz Antônio Araujo (jornalista, editor de Cultura de Zero Hora, autor de “Binladenistão – Um Repórter Brasileiro na Região mais Perigosa do Mundo”)
O QUE: debate “Cultura, Guerra e Terror”
QUANDO: domingo, dia 31/10, às 16h
ONDE: Sala dos Jacarandás do Memorial do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega)
INGRESSO: evento integrante da programação oficial da Feira do Livro de Porto Alegre. Entrada franca.
Cultura, guerra e terror
Passados nove anos do 11 de Setembro, os acontecimentos de Nova York e Washington e seus desdobramentos continuam desafiando o pensamento contemporâneo. “Vertigem” talvez seja uma expressão aproximada para descrever o efeito dos atentados de 2001 sobre as mentes de milhões de pessoas. Que tipo de acontecimento foi o 11 de Setembro? Inaugurou ou não um novo capítulo na História? E, se inaugurou, quais são os traços característicos desse novo capítulo? Existem Oriente e Ocidente e há possibilidade de entendimento entre eles? Essas serão algumas das questões abordadas no debate “Cultura, Guerra e Terror”, que se realizará às 16h de domingo, dia 31/10, como parte da programação da Feira do Livro de Porto Alegre.
Debatedores:
Alexandre Roche (diretor do Instituto Roche, doutor honoris causa pela UFRGS)
Sergio Tutikian (embaixador aposentado, ex-chefe do Departamento de Oriente Médio do Itamaraty)
Jurandir Malerba (escritor, historiador, professor do Programa de Pós-graduação em História da PUCRS)
Apresentação e mediação: Luiz Antônio Araujo (jornalista, editor de Cultura de Zero Hora, autor de “Binladenistão – Um Repórter Brasileiro na Região mais Perigosa do Mundo”)
O QUE: debate “Cultura, Guerra e Terror”
QUANDO: domingo, dia 31/10, às 16h
ONDE: Sala dos Jacarandás do Memorial do Rio Grande do Sul (Praça da Alfândega)
INGRESSO: evento integrante da programação oficial da Feira do Livro de Porto Alegre. Entrada franca.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Dia do Professor na Câmara Municipal
Em homenagem ao Dia do Professor, nesta quinta-feira (14), às 14h, o ex-senador, escritor, jornalista, desembargador e professor universitário aposentado, e ex-secretário da Justiça e da Segurança do RS, José Paulo Bisol, ocupará a tribuna da Câmara de Vereadores da Capital (Av. Loureiro da Silva, 255), quando fará pronunciamento em homenagem aos educadores.A proposição é da vereadora Sofia Cavedon, vice-presidente da Comissão de Educação da Casa Legislativa. A homenagem será transmitida ao vivo pelo Canal 16 da NET.Aos professores, Outubros melhores, Primaveras mais fecundas...
Abaixo, mensagem de Sofia Cavedon a respeito:
Outubros são sempre simbólicos. Com a Primavera, as cores, os perfumes o tempo ameno, as crianças e os professores são festejados. Meses de esperança e de novos propósitos, de desejos de mudança. Pois nem a infância está protegida, nem os professores valorizados como queremos e precisamos!
Na era do conhecimento, da inovação, da velocidade, a educação segue no giz, no pó, na sala de lata, empobrecida nas condições físicas, nos salários, no currículo. Pede-se aos trabalhadores em educação que sejam homens e mulheres de boa vontade, aos pais compreensão quando se fecham bibliotecas para atender alunos sem aula, aos estudantes conformidade se não abre a sala de informática ou sequer existe... Trivializou-se tanto estas condições que o espanto e a indignação, quando expressos em mobilizações de trabalhadores ou de estudantes são, muitas vezes, repudiadas pela sociedade!A educação é exemplar da afirmação de Boaventura Souza Santos: tempos de mudanças vertiginosas e estagnação. Nunca tantas condições técnicas para superar desigualdade, miséria, violência, mas tão poucas condições políticas. O novo apartheid global que se estrutura, a retirada de direitos, a banalização da vida, o agravamento dos desequilíbrios ecológicos estão embaixo da capa da democracia sem condições democráticas, afirma ele. Embaixo do discurso da prioridade, a educação é miserabilizada. Quando o povo chega na escola, ela empobrece, superficializa, estagniza.Mas Outubros também são para o Brasil e para a Educação momentos de importantes escolhas! O povo brasileiro, apesar dos limites do sistema político, vai aprimorando sua avaliação buscando projetos, seriedade e compromissos.O Rio Grande escolheu um programa que afirma que uma educação democrática, de qualidade e para todos, é possível! É anúncio e compromisso com novos tempos para a Educação: de investimento e diálogo, de ampliação e qualidade.Estão de parabéns os professores e estudantes. As comemorações deste Outubros vão celebrar a esperança advinda das escolhas e vão anunciar Primaveras mais fecundas ainda!
Sofia Cavedon – Vereadora de Porto Alegre
Abaixo, mensagem de Sofia Cavedon a respeito:
Outubros são sempre simbólicos. Com a Primavera, as cores, os perfumes o tempo ameno, as crianças e os professores são festejados. Meses de esperança e de novos propósitos, de desejos de mudança. Pois nem a infância está protegida, nem os professores valorizados como queremos e precisamos!
Na era do conhecimento, da inovação, da velocidade, a educação segue no giz, no pó, na sala de lata, empobrecida nas condições físicas, nos salários, no currículo. Pede-se aos trabalhadores em educação que sejam homens e mulheres de boa vontade, aos pais compreensão quando se fecham bibliotecas para atender alunos sem aula, aos estudantes conformidade se não abre a sala de informática ou sequer existe... Trivializou-se tanto estas condições que o espanto e a indignação, quando expressos em mobilizações de trabalhadores ou de estudantes são, muitas vezes, repudiadas pela sociedade!A educação é exemplar da afirmação de Boaventura Souza Santos: tempos de mudanças vertiginosas e estagnação. Nunca tantas condições técnicas para superar desigualdade, miséria, violência, mas tão poucas condições políticas. O novo apartheid global que se estrutura, a retirada de direitos, a banalização da vida, o agravamento dos desequilíbrios ecológicos estão embaixo da capa da democracia sem condições democráticas, afirma ele. Embaixo do discurso da prioridade, a educação é miserabilizada. Quando o povo chega na escola, ela empobrece, superficializa, estagniza.Mas Outubros também são para o Brasil e para a Educação momentos de importantes escolhas! O povo brasileiro, apesar dos limites do sistema político, vai aprimorando sua avaliação buscando projetos, seriedade e compromissos.O Rio Grande escolheu um programa que afirma que uma educação democrática, de qualidade e para todos, é possível! É anúncio e compromisso com novos tempos para a Educação: de investimento e diálogo, de ampliação e qualidade.Estão de parabéns os professores e estudantes. As comemorações deste Outubros vão celebrar a esperança advinda das escolhas e vão anunciar Primaveras mais fecundas ainda!
Sofia Cavedon – Vereadora de Porto Alegre
sábado, 2 de outubro de 2010
A invenção da política
Este domingo é o dia da eleição. Todos aguardamos muito pela chegada deste dia. As escolas fizeram debates entre seus alunos. No trabalho, a política foi tema de discussões acalouradas. Em casa, a discussão sobre política mobilizou pais e filhos. Na imprensa, as eleições foram objeto de uma das mais importantes coberturas–investigativas de que se tem notícia: vimos a exaustão informações sobre atores políticos, sua história, suas idéias, seus méritos e suas contradições. Numa época em que se afirma o desinteresse com a política, como explicar tamanha vitalidade de interesse e participação dos cidadãos?
Para Francis Wolff, especialista em filosofia antiga, a diferença ente as sociedades primitivas e a nossa está no fato de as primeiras são comunidades que evitam a política, resistindo com suas forças a tudo aquilo que se assemelhe ao poder, consequência da busca da chamada Terra Sem Mal “como se o mal aqui embaixo fosse a política”. Ao contrário, das sociedades gregas até a nossa desenvolveu-se um sentimento de amor pela política, expressão de sociedades que organizam-se politicamente e vivem da política. Diz o historiador J.-P. Vernant: “É a emergência de um campo privilegiado em que o homem se percebe capaz de regrar por ele mesmo, através de uma atividade de reflexão, os problemas que lhe concernem, depois de debates e discussões com seus pares”.
Inventar o político é assim fazer com que não haja outro poder além daquele que a própria comunidade exerce sobre si mesma, inventando ao mesmo tempo os meios para que ela tome o poder para enfrentar o mundo. Por esta razão, para Aristóteles, a política é o gênero de vida mais elevado, o que define a vida humana propriamente dita. Nada é mais digno para um homem do que viver a política, identificar-se com a boa política, considerada como uma dimensão única. Parafraseando Walter Benjamin e Zygmund Baumann, podemos afirmar que a política, assim como a vida, é uma obra arte.
Num mundo aparentemente tão desencantado para com a política, ver o frenesi que toma conta da população as vésperas de mais uma eleição é um motivo de alegria. Você pode discordar deste ou daquele ator político,mas por um movimento misterioso, você é arrastado pela política. No dia de hoje a sociedade brasileira, através das eleições, tem a oportunidade de reinventar si própria. Pois ainda que exista a corrupção, os Tiriricas da vida e todos aqueles que fazem com que a política seja algo ruim, a possibilidade de reconstruir tudo isso está sempre em aberto. Os espaços de discussão sobre política que criamos na vida cotidiana mostram que ainda acreditamos que é possível construir coletivamente o nosso futuro.
Por esta razão, no dia de hoje, vote. E, como diriam os antigos, vote bem, cuidando para que seu voto não fuja ao seu destino.
Para Francis Wolff, especialista em filosofia antiga, a diferença ente as sociedades primitivas e a nossa está no fato de as primeiras são comunidades que evitam a política, resistindo com suas forças a tudo aquilo que se assemelhe ao poder, consequência da busca da chamada Terra Sem Mal “como se o mal aqui embaixo fosse a política”. Ao contrário, das sociedades gregas até a nossa desenvolveu-se um sentimento de amor pela política, expressão de sociedades que organizam-se politicamente e vivem da política. Diz o historiador J.-P. Vernant: “É a emergência de um campo privilegiado em que o homem se percebe capaz de regrar por ele mesmo, através de uma atividade de reflexão, os problemas que lhe concernem, depois de debates e discussões com seus pares”.
Inventar o político é assim fazer com que não haja outro poder além daquele que a própria comunidade exerce sobre si mesma, inventando ao mesmo tempo os meios para que ela tome o poder para enfrentar o mundo. Por esta razão, para Aristóteles, a política é o gênero de vida mais elevado, o que define a vida humana propriamente dita. Nada é mais digno para um homem do que viver a política, identificar-se com a boa política, considerada como uma dimensão única. Parafraseando Walter Benjamin e Zygmund Baumann, podemos afirmar que a política, assim como a vida, é uma obra arte.
Num mundo aparentemente tão desencantado para com a política, ver o frenesi que toma conta da população as vésperas de mais uma eleição é um motivo de alegria. Você pode discordar deste ou daquele ator político,mas por um movimento misterioso, você é arrastado pela política. No dia de hoje a sociedade brasileira, através das eleições, tem a oportunidade de reinventar si própria. Pois ainda que exista a corrupção, os Tiriricas da vida e todos aqueles que fazem com que a política seja algo ruim, a possibilidade de reconstruir tudo isso está sempre em aberto. Os espaços de discussão sobre política que criamos na vida cotidiana mostram que ainda acreditamos que é possível construir coletivamente o nosso futuro.
Por esta razão, no dia de hoje, vote. E, como diriam os antigos, vote bem, cuidando para que seu voto não fuja ao seu destino.
Publicado em Zero Hora em 02/10/2010
Partenon Literário
É triste o destino das instituições culturais em nosso Estado: as grandes e oficiais, como o Memorial do Rio Grande do Sul, padecem da carência de recursos; as pequenas e particulares, sequer contam com sede para sua existência e sobrevivem pelo esforço e dedicação de seus integrantes. É o caso da Sociedade Partenon Literário. Criada em 1868, reuniu à época a nata da intelectualidade gaúcha; hoje sobrevive pela dedicação de meia dúzia de pesquisadores voluntários, entre eles Benedito Saldanha. Pior: não contam com nenhuma sala para seu acervo de preciosas obras de história do Rio Grande do Sul.
O Partenon Literário é vítima da falta de políticas públicas para as pequenas iniciativas culturais. Em todo o Estado, pequenos produtores culturais produzem a base da cultura gaúcha. E eles não tem apoio nenhum do Estado. Deveriam ter. Em Porto Alegre, você já ouviu falar do rico acervo das Olimpíadas Universitárias de 1963, ou do rico acervo das fotografias das origens do futebol de várzea, ou ainda, do próprio acervo do Partenon Literário? São exemplos de acervos significativos de nossa história que hoje sobrevivem nas mãos de particulares quando deveriam contar com apoio do Estado e serem de acesso público. Já vimos imagens até de catadores de lixo que reúnem verdadeiras bibliotecas públicas e nada fazemos! Isto precisa mudar.
As necessidades do Partenon Literário são pequenas: eles humildemente pedem uma sala apenas. Numa cidade do tamanho de Porto Alegre e com seu imenso parque cultural, imaginar que uma entidade cultural precise mendigar por um espaço é revoltante . Se não temos uma sala para oferecer a uma instituição centenária como o Partenon Literário é porque há muito tempo deixamos de ter políticas públicas de cultura. E não faltam serviços que possam ser dados em troca: hoje o Partenon Literário realiza um Sarau Literário com amplo sucesso de público, em espaços cedidos por instituições de boa vontade. Mas depender da boa vontade das instituções não é a melhor forma de produzir cultura. É preciso mais.
Daí o nosso apelo a Secretário de Cultura do Estado: que encontre, entre os órgãos de cultura do Estado – e são muitos – um espaço para alojar a Sociedade Partenon Literário. Algo bom, simples e modesto, como é o Partenon hoje. Pois uma política cultural – e a Secretária é criticada por não ter uma – exige ações que frutiquem, que sejam fecundas. É este o caso. Para a Secretária, que está prestes a abrir mão do cargo, esta seria uma última atitude que enobreceria sua gestão e que garantiria o futuro de uma institução que muito ainda tem a contribuir para a cultura do Estado.
O Partenon Literário é vítima da falta de políticas públicas para as pequenas iniciativas culturais. Em todo o Estado, pequenos produtores culturais produzem a base da cultura gaúcha. E eles não tem apoio nenhum do Estado. Deveriam ter. Em Porto Alegre, você já ouviu falar do rico acervo das Olimpíadas Universitárias de 1963, ou do rico acervo das fotografias das origens do futebol de várzea, ou ainda, do próprio acervo do Partenon Literário? São exemplos de acervos significativos de nossa história que hoje sobrevivem nas mãos de particulares quando deveriam contar com apoio do Estado e serem de acesso público. Já vimos imagens até de catadores de lixo que reúnem verdadeiras bibliotecas públicas e nada fazemos! Isto precisa mudar.
As necessidades do Partenon Literário são pequenas: eles humildemente pedem uma sala apenas. Numa cidade do tamanho de Porto Alegre e com seu imenso parque cultural, imaginar que uma entidade cultural precise mendigar por um espaço é revoltante . Se não temos uma sala para oferecer a uma instituição centenária como o Partenon Literário é porque há muito tempo deixamos de ter políticas públicas de cultura. E não faltam serviços que possam ser dados em troca: hoje o Partenon Literário realiza um Sarau Literário com amplo sucesso de público, em espaços cedidos por instituições de boa vontade. Mas depender da boa vontade das instituções não é a melhor forma de produzir cultura. É preciso mais.
Daí o nosso apelo a Secretário de Cultura do Estado: que encontre, entre os órgãos de cultura do Estado – e são muitos – um espaço para alojar a Sociedade Partenon Literário. Algo bom, simples e modesto, como é o Partenon hoje. Pois uma política cultural – e a Secretária é criticada por não ter uma – exige ações que frutiquem, que sejam fecundas. É este o caso. Para a Secretária, que está prestes a abrir mão do cargo, esta seria uma última atitude que enobreceria sua gestão e que garantiria o futuro de uma institução que muito ainda tem a contribuir para a cultura do Estado.
A responsabilidade pelos acervos gaúcos
A iniciativa da recuperação do acervo do jornalista e vereador Alberto André (Zero Hora, 22/4) tem um significado importante na trajetória das lutas pela preservação dos acervos gaúchos: é um exemplo da responsabilidade que deve assumir o poder público com relação à memória gaúcha.
Fui responsável na Câmara Municipal de Porto Alegre pela formulação do seu projeto de salvamento. Em 2009, a família procurou a Câmara Municipal para ajudar a solucionar o problema em que havia se transformado a enormidade de livros e documentos acumulados em sua residência por Alberto André.
O levantamento preliminar mostrou que estávamos diante de uma biblioteca para amplo público. Alberto André possuía em seu acervo ricas e raras coleções de literatura dos anos 30 e 40; exemplares, às vezes de primeira edição, de obras consagradas de história, de ciências humanas e outras disciplinas e uma rica coleção de recortes de jornais (hemeroteca) onde se via a atenção que Alberto André dava aos temas da capital. Esse acervo não poderia ser perdido e nem objeto da disputa dos livreiros de plantão.
Desde o inicio do projeto, o conceito central do projeto era de que o acervo era patrimônio que aspirava a ser público. Mas havia ainda outro motivo para empenhar-se na sua preservação: o fato de que no mesmo período, a cidade viu ir para outro estado os preciosos acervos de Érico Veríssimo e Mário Quintana.
A estratégia que levou a preservar no Rio Grande do Sul este acervo atende pelo nome de parceria. Nenhuma das instituições envolvidas possuia condições de assumir sozinha o projeto, mas juntas, o salvamento era possível. Ao Legislativo e a Universidade Federal couberam o papel de assumir suas prerrogativas enquanto instituições públicas: a construção do Laboratório de Restauração deve ser entendida como elemento de uma política pública de preservação de acervos. Não é um Laboratório de primeiro mundo, é verdade, mas contém a estrutura básica para atividades do gênero: todo o mobiliário foi recuperado a partir de doações das instituições envolvidas e recursos de informática foram doados pela Câmara dos Deputados. É o exemplo de uma estratégia de salvamento a custo zero e que pode ser imitada!
O trabalho está apenas começando e é grande a responsabilidade da Universidade Federal. A participação da ARI foi essencial ao ceder espaço em sua sede e assumir o destino final do acervo, mas é como exemplo de uma política pública à serviço da preservação da memória que a experiência deve ser valorizada.
Fui responsável na Câmara Municipal de Porto Alegre pela formulação do seu projeto de salvamento. Em 2009, a família procurou a Câmara Municipal para ajudar a solucionar o problema em que havia se transformado a enormidade de livros e documentos acumulados em sua residência por Alberto André.
O levantamento preliminar mostrou que estávamos diante de uma biblioteca para amplo público. Alberto André possuía em seu acervo ricas e raras coleções de literatura dos anos 30 e 40; exemplares, às vezes de primeira edição, de obras consagradas de história, de ciências humanas e outras disciplinas e uma rica coleção de recortes de jornais (hemeroteca) onde se via a atenção que Alberto André dava aos temas da capital. Esse acervo não poderia ser perdido e nem objeto da disputa dos livreiros de plantão.
Desde o inicio do projeto, o conceito central do projeto era de que o acervo era patrimônio que aspirava a ser público. Mas havia ainda outro motivo para empenhar-se na sua preservação: o fato de que no mesmo período, a cidade viu ir para outro estado os preciosos acervos de Érico Veríssimo e Mário Quintana.
A estratégia que levou a preservar no Rio Grande do Sul este acervo atende pelo nome de parceria. Nenhuma das instituições envolvidas possuia condições de assumir sozinha o projeto, mas juntas, o salvamento era possível. Ao Legislativo e a Universidade Federal couberam o papel de assumir suas prerrogativas enquanto instituições públicas: a construção do Laboratório de Restauração deve ser entendida como elemento de uma política pública de preservação de acervos. Não é um Laboratório de primeiro mundo, é verdade, mas contém a estrutura básica para atividades do gênero: todo o mobiliário foi recuperado a partir de doações das instituições envolvidas e recursos de informática foram doados pela Câmara dos Deputados. É o exemplo de uma estratégia de salvamento a custo zero e que pode ser imitada!
O trabalho está apenas começando e é grande a responsabilidade da Universidade Federal. A participação da ARI foi essencial ao ceder espaço em sua sede e assumir o destino final do acervo, mas é como exemplo de uma política pública à serviço da preservação da memória que a experiência deve ser valorizada.
Museus e a Harmonia Social
"Não existe nada pior do que alguém querendo fazer o bem, principalmente o bem aos outros" Michel Maffesoli, A Parte do Diabo
Custódio é um dos grandes profissionais da memória do Rio Grande do Sul e tem todo o nosso respeito e admiração, mas não posso deixar de manifestar estranheza pela publicação de “Os museus e a harmonia social” (ZH, 18/05). A razão é simples: em sua base, o conceito de harmonia é puramente Funcionalista - o tema agrada aos ouvidos mas há tempos foi superado pelas Ciências Sociais. Ver como tema escolhido pelo Conselho Internacional de Museus só pode ser um equivoco, já que poucos resultados pode dar na prática. Senão vejamos.
Ligada ao sociólogo Talcott Parsons, na concepção Funcionalista a sociedade é um organismo estável. Desenvolvida entre a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, desde os anos 60 começou a ser alvo de críticas, principalmente por aqueles que viam que o Funcionalismo promovia medidas ineficazes de mudança social. Além disso, o Funcionalismo é criticado por descrever instituições sociais apenas por seus efeitos e, dessa forma, não explicar suas causas.
E cá entre nós, a China não parece ser a melhor conselheira em termos de memória. Sinônimo de gigantismo e força, explora milhões de trabalhadores em suas manufaturas que trabalham sem parar. O Partido Comunista Chinês faz duras restrições aos jornalistas estrangeiros, defende uma memória oficial e o acesso a Internet e trasmissões da CNN e BBC chegaram a ser interrompidas no país. Apoiou o Sudão, fornecedor de petróleo a Pequim e acusado de matar milhares de pessoas em Darfur. Defender políticas para a memória, em definitivo, não é com eles.
Melhor do que falar de harmonia, como sugere a Teoria do Consenso, seria falar em termos de Teoria do Conflito. Desde Marx de Ideologia Alemã, temos a idéia de que para chegarmos a sociedade ideal devemos enfrentar os conflitos e desmascarar as ideologias. Frente ao processo galopante de produção do esquecimento, caracteristicos de nossa época, o melhor seria falar como Andréas Huyssein em “direito à memória”. Além disso, defender a idéia de que no Brasil a impera a miscigenação racial é outra forma de repetir a idéia de “cadinho da cultura”, divulgado por Gilberto Freire: nada mais sem conflitos!
Os museus tem um compromisso com o entendimento da realidade sim, mas esta, não é repleta de flores. Em seu âmago encontra-se a lógica do capital, explicitada em detalhes por Robert Kurz e Slavoj Zizek, que em tempos de globalização, não cessa de se expandir. No Dia Internanacional dos Museus, o que as instituições de memória e seus profissionais devem fazer, se quiserem de fato contribuir para a construção de uma sociedade melhor, é denunciar através de seu trabalho os conflitos e contradições que estão diante de seus olhos, e não lutar por uma suposta “harmonia social”. Que os agentes de memória devam encarar seriamente a questão de sua responsabilidade na crítica social, é o mínimo que se espera neste inicio do século XXI.
Custódio é um dos grandes profissionais da memória do Rio Grande do Sul e tem todo o nosso respeito e admiração, mas não posso deixar de manifestar estranheza pela publicação de “Os museus e a harmonia social” (ZH, 18/05). A razão é simples: em sua base, o conceito de harmonia é puramente Funcionalista - o tema agrada aos ouvidos mas há tempos foi superado pelas Ciências Sociais. Ver como tema escolhido pelo Conselho Internacional de Museus só pode ser um equivoco, já que poucos resultados pode dar na prática. Senão vejamos.
Ligada ao sociólogo Talcott Parsons, na concepção Funcionalista a sociedade é um organismo estável. Desenvolvida entre a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, desde os anos 60 começou a ser alvo de críticas, principalmente por aqueles que viam que o Funcionalismo promovia medidas ineficazes de mudança social. Além disso, o Funcionalismo é criticado por descrever instituições sociais apenas por seus efeitos e, dessa forma, não explicar suas causas.
E cá entre nós, a China não parece ser a melhor conselheira em termos de memória. Sinônimo de gigantismo e força, explora milhões de trabalhadores em suas manufaturas que trabalham sem parar. O Partido Comunista Chinês faz duras restrições aos jornalistas estrangeiros, defende uma memória oficial e o acesso a Internet e trasmissões da CNN e BBC chegaram a ser interrompidas no país. Apoiou o Sudão, fornecedor de petróleo a Pequim e acusado de matar milhares de pessoas em Darfur. Defender políticas para a memória, em definitivo, não é com eles.
Melhor do que falar de harmonia, como sugere a Teoria do Consenso, seria falar em termos de Teoria do Conflito. Desde Marx de Ideologia Alemã, temos a idéia de que para chegarmos a sociedade ideal devemos enfrentar os conflitos e desmascarar as ideologias. Frente ao processo galopante de produção do esquecimento, caracteristicos de nossa época, o melhor seria falar como Andréas Huyssein em “direito à memória”. Além disso, defender a idéia de que no Brasil a impera a miscigenação racial é outra forma de repetir a idéia de “cadinho da cultura”, divulgado por Gilberto Freire: nada mais sem conflitos!
Os museus tem um compromisso com o entendimento da realidade sim, mas esta, não é repleta de flores. Em seu âmago encontra-se a lógica do capital, explicitada em detalhes por Robert Kurz e Slavoj Zizek, que em tempos de globalização, não cessa de se expandir. No Dia Internanacional dos Museus, o que as instituições de memória e seus profissionais devem fazer, se quiserem de fato contribuir para a construção de uma sociedade melhor, é denunciar através de seu trabalho os conflitos e contradições que estão diante de seus olhos, e não lutar por uma suposta “harmonia social”. Que os agentes de memória devam encarar seriamente a questão de sua responsabilidade na crítica social, é o mínimo que se espera neste inicio do século XXI.
Em defesa da cidadania
João Carlos Nedel é vereador em Porto Alegre e dos bons. Quando o PT administrava a Prefeitura, denunciava sem parar as deficiências dos serviços públicos. Sua página na internet (www.nedel.com.br) tem um diferencial: pedido de providências on line. Que sacada! Eis um vereador adiante de seu tempo. Isto é bom para a democracia, é bom para a cidade.
É por isto que causa espanto seu debate com a Verª Sofia Cavedon nas páginas do Jornal do Comércio (JC 1º e 6 /7 /2010). Sofia é contra a privatização do Cais do Porto, do Morro Santa Teresa e do Auditório Araújo Viana. Acredita que esta política só favorece a especulação e o enriquecimento privado, retirando direitos dos pobres e necessitados. Nedel defende a posição do governo porque acredita que, se nada for feito, não resolveremos os problemas da cidade. Diante do impasse, quem está com a razão?.
O que diferencia o argumento de Sofia do de Nedel é que, enquanto ela afirma que existem bens na cidade que só os cidadãos são capazes de decidir sobre o seu destino – a defesa da participação - ele afirma que os governantes são competentes para esta decisão – a defesa da representação. O debate aponta para a necessidade de rever os contornos da pluralização da representação política nos municípios, isto é, a importância de considerar também a diversificação do lócus, das funções e dos atores da representação política para além do legislativo e do executivo. E nisto, Sofia tem razão.
A legitimidade dos interesses dissonantes do governo tende cada vez mais a ocupar o espaço do debate público e cabe aos políticos assumirem seu papel de mediadores neste processo. Nenhuma legitimidade é "inerente" ao fato de ser governo, e mais do que se oporem, há inegável complementaridade entre democracia participativa e democracia representativa. Deu conflito? Plebiscito.
É por isto que causa espanto seu debate com a Verª Sofia Cavedon nas páginas do Jornal do Comércio (JC 1º e 6 /7 /2010). Sofia é contra a privatização do Cais do Porto, do Morro Santa Teresa e do Auditório Araújo Viana. Acredita que esta política só favorece a especulação e o enriquecimento privado, retirando direitos dos pobres e necessitados. Nedel defende a posição do governo porque acredita que, se nada for feito, não resolveremos os problemas da cidade. Diante do impasse, quem está com a razão?.
O que diferencia o argumento de Sofia do de Nedel é que, enquanto ela afirma que existem bens na cidade que só os cidadãos são capazes de decidir sobre o seu destino – a defesa da participação - ele afirma que os governantes são competentes para esta decisão – a defesa da representação. O debate aponta para a necessidade de rever os contornos da pluralização da representação política nos municípios, isto é, a importância de considerar também a diversificação do lócus, das funções e dos atores da representação política para além do legislativo e do executivo. E nisto, Sofia tem razão.
A legitimidade dos interesses dissonantes do governo tende cada vez mais a ocupar o espaço do debate público e cabe aos políticos assumirem seu papel de mediadores neste processo. Nenhuma legitimidade é "inerente" ao fato de ser governo, e mais do que se oporem, há inegável complementaridade entre democracia participativa e democracia representativa. Deu conflito? Plebiscito.
O desejo secreto do Ministério Público
Notícia de Zero Hora (13/7) anuncia um terremoto para os mais de 15 mil funcionários públicos de Porto Alegre. O promotor Eduardo Iriart está propondo a redução dos já depauperados salários dos funcionários públicos municipais. É dele a idéia de redução dos valores de cálculo das gratificações e regime dos servidores públicos. Em seu entendimento, há um erro no calculo salárial que precisa ser revisto e por esta razão os salários devem ser reduzidos. Culpa do efeito cascata. Sua ação inicial é contra o DMAE, DMLU, Demhab e FASC, justamente os órgãos onde os salários são mais depauperados. Iriart pode até estar certo tecnicamente em seu pleito, do alto de seu magnífico salário de promotor público. Mas o fato é que sua pequena justiça fará uma grande injustiça a centenas de funcionários públicos. Vale a pena corrigir um mal menor para produzir um mal maior?
O que está em andamento é o ensaio geral de um amplo processo de redução dos direitos dos servidores públicos. Se tiver sucesso em sua jogada, Iriart terá conseguido algo que nem os neoliberais em seus melhores sonhos ousaram imaginar: um galopante processo de proletarização da função pública. A quem interessa essa ação? Não à sociedade, que precisa dos servidores públicos e reconhece seus parcos salários. A verdade é que com a democratização, o MP assumiu uma função primordial na defesa dos mais necessitados. O problema é que, como o MP nasceu constitucionalmente com a ampla e vaga função de “ defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, passou a ser fiscal de tudo e de todos, sem exceção. Mais: essa tarefa constitucional terminou por alterar sua cultura de organização pública. Com o ego inflado pela cobertura jornalística, tendo ascensão meteórica no plano público, o MP não tardou a realizar por conta própria investigações, gerando conflitos entre os poderes, como foi no caso do assassinato do vice-prefeito Eliseu Santos.
O que pretende Iriart pode ser legal, mas certamente não é justo. Ele é o pivô do nascimento de uma crise no Estado que só pode ter um objetivo: produzir um único vitorioso, o próprio MP, que assim dá mais um passo na construção de seu projeto secreto, o de transformar-se no Quarto Poder, e assim, assumir a posição que realmente deseja e oculta, a de se transformar na única referência pública. Isso é profundamente religioso: o MP quer se tornar Deus.
O que está em andamento é o ensaio geral de um amplo processo de redução dos direitos dos servidores públicos. Se tiver sucesso em sua jogada, Iriart terá conseguido algo que nem os neoliberais em seus melhores sonhos ousaram imaginar: um galopante processo de proletarização da função pública. A quem interessa essa ação? Não à sociedade, que precisa dos servidores públicos e reconhece seus parcos salários. A verdade é que com a democratização, o MP assumiu uma função primordial na defesa dos mais necessitados. O problema é que, como o MP nasceu constitucionalmente com a ampla e vaga função de “ defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, passou a ser fiscal de tudo e de todos, sem exceção. Mais: essa tarefa constitucional terminou por alterar sua cultura de organização pública. Com o ego inflado pela cobertura jornalística, tendo ascensão meteórica no plano público, o MP não tardou a realizar por conta própria investigações, gerando conflitos entre os poderes, como foi no caso do assassinato do vice-prefeito Eliseu Santos.
O que pretende Iriart pode ser legal, mas certamente não é justo. Ele é o pivô do nascimento de uma crise no Estado que só pode ter um objetivo: produzir um único vitorioso, o próprio MP, que assim dá mais um passo na construção de seu projeto secreto, o de transformar-se no Quarto Poder, e assim, assumir a posição que realmente deseja e oculta, a de se transformar na única referência pública. Isso é profundamente religioso: o MP quer se tornar Deus.
Como na França
Fábio Wrasse (PDT), o presidente da Câmara de Triunfo, é igual a Carlos Napoleão Bonaparte. Quem é este? É, antes de tudo, o farsante que protagonizou um golpe de estado para continuar no poder na França em 1851. Eleito presidente do país em 1848, três anos depois impôs uma ditadura em 2 de dezembro de 1851. A data era também o aniversário de 47 anos da coroação de seu tio, o general e estadista Napoleão Bonaparte, como imperador da França. É essa repetição de Napoleões no poder que inspira Karl Marx em sua obra “O 18 do Brumário de Napoleão Bonaparte” a cunhar a máxima “A história acontece como tragédia e se repete como farsa”.
É nisso que Fábio Wrasse e Carlos Napoleão Bonaparte se assemelham. Os dois são exemplos de uma tragédia que retorna como farsa. Quando a RBS TV noticiou em 2006 que vereadores e servidores de câmaras municipais usavam diárias para fazer turismo, já era de se ficar de cabelo em pé. Quando em 2008, nova reportagem mostrou a viagem de um vereador e quatro assessores de Eldorado do Sul à Criciúma, para ganhar diárias, a sensação era de “déjà vu”. E agora, quando vemos Fábio Wrasse correndo das câmaras de tv como o diabo da cruz estamos diante da farsa, este ato burlesco e ridículo de maus políticos e que há muito deveria ter sido varrido da política.
O que a sociedade exige a mais de quatro anos é que os políticos sejam responsáveis com a máquina pública. A viagem de “férias” dos vereadores é mais do que um gesto de pura libertinagem infantil, é a negação do significado de república. Inventado pelos romanos, a palavra república vem do latim res (coisa) e pública (pública), ou seja, algo que diz respeito a todas as pessoas que vivem na sociedade, em latim, civitas. Quando dizemos que algo é republicado, é porque queremos dizer que pertence ao todo social, a todos os cidadãos. É o caso do dinheiro público.
Estas “arapucas” de fazer dinheiro, os cursinhos de vereadores, precisam ser combatidas. Exemplos da corrupção da boa idéia de formação, elas devem ser substituídas pela formação nas Escolas do Legislativo, que já existem em muitos parlamentos, e pelos cursos promovidos por entidades idôneas, como a Associação dos Servidores de Câmaras Municipais do Rio Grande do Sul (ASCAM) ou da Associação Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais (ABRASCAM), ou pelas Universidades públicas e privadas.
Qualificar servidores e políticos é uma necessidade. Os exemplos de farra de diárias são nefastos à democracia porque destroem a crença na política e o valor da qualificação dos políticos. Esses maus exemplos não devem fazer abandonar nossas esperanças nas instituições políticas e nem o valor da formação de seus agentes; devem-nos, isto sim, levar-nos a disciplinar, com maior rigor, as formas de seu exercício, para possibilitar aos bons políticos condições para seu trabalho e impedir os maus políticos de se locupletarem com a função pública.
É nisso que Fábio Wrasse e Carlos Napoleão Bonaparte se assemelham. Os dois são exemplos de uma tragédia que retorna como farsa. Quando a RBS TV noticiou em 2006 que vereadores e servidores de câmaras municipais usavam diárias para fazer turismo, já era de se ficar de cabelo em pé. Quando em 2008, nova reportagem mostrou a viagem de um vereador e quatro assessores de Eldorado do Sul à Criciúma, para ganhar diárias, a sensação era de “déjà vu”. E agora, quando vemos Fábio Wrasse correndo das câmaras de tv como o diabo da cruz estamos diante da farsa, este ato burlesco e ridículo de maus políticos e que há muito deveria ter sido varrido da política.
O que a sociedade exige a mais de quatro anos é que os políticos sejam responsáveis com a máquina pública. A viagem de “férias” dos vereadores é mais do que um gesto de pura libertinagem infantil, é a negação do significado de república. Inventado pelos romanos, a palavra república vem do latim res (coisa) e pública (pública), ou seja, algo que diz respeito a todas as pessoas que vivem na sociedade, em latim, civitas. Quando dizemos que algo é republicado, é porque queremos dizer que pertence ao todo social, a todos os cidadãos. É o caso do dinheiro público.
Estas “arapucas” de fazer dinheiro, os cursinhos de vereadores, precisam ser combatidas. Exemplos da corrupção da boa idéia de formação, elas devem ser substituídas pela formação nas Escolas do Legislativo, que já existem em muitos parlamentos, e pelos cursos promovidos por entidades idôneas, como a Associação dos Servidores de Câmaras Municipais do Rio Grande do Sul (ASCAM) ou da Associação Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais (ABRASCAM), ou pelas Universidades públicas e privadas.
Qualificar servidores e políticos é uma necessidade. Os exemplos de farra de diárias são nefastos à democracia porque destroem a crença na política e o valor da qualificação dos políticos. Esses maus exemplos não devem fazer abandonar nossas esperanças nas instituições políticas e nem o valor da formação de seus agentes; devem-nos, isto sim, levar-nos a disciplinar, com maior rigor, as formas de seu exercício, para possibilitar aos bons políticos condições para seu trabalho e impedir os maus políticos de se locupletarem com a função pública.
A Infraero Mata
Gilles Lipovetsky, na obra Tela Total (Editora Sulina), diz que o espetáculo de nossa época é ver telas do cinema espalhadas pelo mundo. Da televisão ao telefone celular, do computador ao telefone e de restaurantes à aeroportos “mesmo confrontado com desafios de produção, o cinema continua sendo uma arte de um poderoso dinamismo, cuja criatividade não está de modo algum em declínio. O tudo-tela não é o túmulo do cinema: mais do que nunca este demonstra inventividade, diversidade, vitalidade”.
Menos em Porto Alegre, desde que uma decisão oficial da Infraero determinou o fechamento do Aeroguion. É mais um cinema que morre na capital. Localizado no Aeroporto Salgado Filho, foi o primeiro complexo de cinema a se localizar no interior de um aeroporto na América Latina, numa época em que o cinema já se tornou parte da paisagem dos grandes aeroportos internacionais. Possuía uma programação de qualidade e público cativo mantido pelos “atrasos” constantes de nossas companhias aéreas e pelo inúmeros fechamentos do aeroporto por mal tempo. O cinema no aeroporto significou, além de cultura, diminuição de sofrimento de centenas de passageiros.
Disponibilizar a área de um cinema para caixas bancários e órgãos que poderiam ficar no aeroporto velho é o típico exemplo de como é tratada a cultura em nosso país. Michel Foucault, numa conferência de 1979 nos Estados Unidos, explicava que a função da critica é vigiar os abusos de poder da racionalidade política. Vendo a atitude da Infraero, o que se observa é que na base do argumento está a idéia da sua desresponsabilização com a cultura cuja causa é o pouco conhecimento de seus gestores do alcance real de um governo. Numa palavra, o que falta a Infraero é visão sistêmica de sua função.
O fato é que o cinema cult é o único que dispomos para enfrentar o cinemão americano. Sem sua contribuição, obras do cinema independente jamais chegarão ao público. Com o fechamento do Aeroguion, perdem todos. Sempre coube a área governamental proteger os gêneros que compõem a cultura erudita, como o cinema e a Infraero tem sim uma responsabilidade: colaborar, na sua esfera de influência, para a consolidação da cultura, no caso, cinematográfica. Cabem aos gestores públicos pensar orgânica e integradamente a área cultural e entender a contribuição que podem e devem dar as necessidades mais agudas da área cultural com as políticas públicas, em que, até prova em contrário, a Infraero foi incapaz de fazer
Menos em Porto Alegre, desde que uma decisão oficial da Infraero determinou o fechamento do Aeroguion. É mais um cinema que morre na capital. Localizado no Aeroporto Salgado Filho, foi o primeiro complexo de cinema a se localizar no interior de um aeroporto na América Latina, numa época em que o cinema já se tornou parte da paisagem dos grandes aeroportos internacionais. Possuía uma programação de qualidade e público cativo mantido pelos “atrasos” constantes de nossas companhias aéreas e pelo inúmeros fechamentos do aeroporto por mal tempo. O cinema no aeroporto significou, além de cultura, diminuição de sofrimento de centenas de passageiros.
Disponibilizar a área de um cinema para caixas bancários e órgãos que poderiam ficar no aeroporto velho é o típico exemplo de como é tratada a cultura em nosso país. Michel Foucault, numa conferência de 1979 nos Estados Unidos, explicava que a função da critica é vigiar os abusos de poder da racionalidade política. Vendo a atitude da Infraero, o que se observa é que na base do argumento está a idéia da sua desresponsabilização com a cultura cuja causa é o pouco conhecimento de seus gestores do alcance real de um governo. Numa palavra, o que falta a Infraero é visão sistêmica de sua função.
O fato é que o cinema cult é o único que dispomos para enfrentar o cinemão americano. Sem sua contribuição, obras do cinema independente jamais chegarão ao público. Com o fechamento do Aeroguion, perdem todos. Sempre coube a área governamental proteger os gêneros que compõem a cultura erudita, como o cinema e a Infraero tem sim uma responsabilidade: colaborar, na sua esfera de influência, para a consolidação da cultura, no caso, cinematográfica. Cabem aos gestores públicos pensar orgânica e integradamente a área cultural e entender a contribuição que podem e devem dar as necessidades mais agudas da área cultural com as políticas públicas, em que, até prova em contrário, a Infraero foi incapaz de fazer
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Viaduto da Borges e Smic
A SMIC revelou o projeto de criar uma Parceria Público Privada para administrar o Viaduto Otávio Rocha. A iniciativa irá retirar os atuais permissionários que estão em parte em dívida com a Secretaria, para entregar a uma empresa a concessão dos espaços do viaduto por vinte anos. A decisão revoga a posição assumida por José Fogaça em dezembro de 2008, quando o então prefeito reconheceu, em entrevista ao Jornal do Centro, que aprovava a renegociação das dívidas com a SMIC ”Os permissionários do Viaduto Otávio Rocha estão em processo de negociação com a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, para fins de parcelamento do total da dívida das 27 lojas, no valor de R$ 115.130,69. (Jornal do Centro, Edição 129, dezembro de 2008). Hoje os valores chegam a mais de 200 mil, segundo a SMIC.
Ems sua defesa, os permissionários organizaram um movimento inédito na capital, o Movimento de Revitalização e Humanização do Viaduto Otávio Rocha. Para seus integrantes, a nova política vai na contramão das políticas de preservação do patrimônio imaterial da própria Prefeitura: ali encontram-se profissões e profissionais antigos da capital que ainda sobrevivem, como ourives, sapateiros e relojoeiros, e que prestam seus serviços a cidade, entre outros profissionais. O Viaduto da Borges não é apenas um viaduto, é lugar de cultura imaterial, encarnada em seus trabalhadores. Eles tem dívidas, é verdade, mas estão dispostos a pagar. Mais, tem o apoio de outros movimentos sociais e entidades que defendem a preservação dos moradores antigos no lugar. Sua luta envolve a preservação de seu espaço e de sua cultura naquele espaço. Se a proposta da SMIC vingar, um movimento social e uma cultura serão extintos. É disso que se trata. E justamente dos trabalhadores que tem lutado pela valorização do Viaduto, daí a injustiça. É deles a proposta de realização de atividades culturais para reaproveitamento turístico e econômico do viaduto, com os artesãos que lá se encontram. Não seria uma boa idéia?
Ems sua defesa, os permissionários organizaram um movimento inédito na capital, o Movimento de Revitalização e Humanização do Viaduto Otávio Rocha. Para seus integrantes, a nova política vai na contramão das políticas de preservação do patrimônio imaterial da própria Prefeitura: ali encontram-se profissões e profissionais antigos da capital que ainda sobrevivem, como ourives, sapateiros e relojoeiros, e que prestam seus serviços a cidade, entre outros profissionais. O Viaduto da Borges não é apenas um viaduto, é lugar de cultura imaterial, encarnada em seus trabalhadores. Eles tem dívidas, é verdade, mas estão dispostos a pagar. Mais, tem o apoio de outros movimentos sociais e entidades que defendem a preservação dos moradores antigos no lugar. Sua luta envolve a preservação de seu espaço e de sua cultura naquele espaço. Se a proposta da SMIC vingar, um movimento social e uma cultura serão extintos. É disso que se trata. E justamente dos trabalhadores que tem lutado pela valorização do Viaduto, daí a injustiça. É deles a proposta de realização de atividades culturais para reaproveitamento turístico e econômico do viaduto, com os artesãos que lá se encontram. Não seria uma boa idéia?
Publicado no Jornal do Comércio de 14 de setembro de 2010.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Somos todos lixo
Há cerca de um ano, baixei por um plano de saúde para uma cirurgia no Hospital da PUC. A Emergência já era lotada: pacientes do Interior e da Capital disputavam comigo a atenção dos médicos. Mas, se podemos dizer assim, ainda era uma situação “administrável”: recebi a atenção necessária, a identificação dos sinais de diagnóstico foi feita com cuidado, os exames foram realizados de acordo com o protocolo, a determinação para a intervenção cirúrgica tomada e o leito providenciado. A anestesista tratou de me tranquilizar: pode-se dizer que nesse tempo ainda era possível ser tratado como um ser humano pelo sistema de saúde. Fui salvo.
Hoje esta realidade está cada vez mais distante.É a imagem que fica ao vermos a reportagem de Zero Hora (25/09). Mas não se trata apenas de uma situação de calamidade do sistema de saúde pública e privada, como aponta o Simers. Por que centenas de médicos e enfermeiros esforçam-se para cumprir sua missão e fracassam nesta tarefa? A razão, para Robert Kurz, deve ser buscada no fato de que a crise da saúde é parte integrante da reprodução atual do capital, que atinge agora camadas sociais que até então haviam sido poupadas, como a classe média. A reprodução capitalista é perversa e caracterizada, entre outras coisas, pela defesa de um estado “magro”: o fim do Estado social se dá menos pela redução de verbas e mais pelos investimentos aquém dos necessários, desproporcionais às reais necessidades de saúde e educação. É a morte lenta.
Zygmund Baumann destaca que esta é a forma de o capital lidar com aquilo que ele denomina de “lixo humano”: “Todo modelo de ordem é seletivo e exige que se cortem, aparem, segreguem, separem ou extirpem as partes da matéria-prima humana que sejam inadequadas para a nova ordem, incapazes ou desprezadas para o preenchimento de qualquer de seus nichos. Na outra ponta do processo de construção da ordem, essas partes emergem como ‘lixo’, distintas do produto pretendido, considerado ‘útil’”. O desmantelamento do sistema de saúde é a forma dissimulada e perversa do capital de dar cabo dessa grande quantidade de “lixo” que para ele somos nós, processo de aniquilação de certo número de seres humanos pela negação de acesso ao sistema de saúde. Numa palavra, a saúde transformou-se na nossa Matrix.
Quando havia ricos e pobres, o acesso aos leitos se dava pelos planos de saúde. Agora, quando desaparecem as diferenças estruturais de classe na estrutura de reprodução capitalista, somente os muito ricos ocupam os leitos dos hospitais, enquanto que o resto disputa o que sobrar. A “solução barata” encontrada pelos governos recentes, na melhor das hipóteses, conseguiu uma miséria generalizada. Cabe aos cidadãos, às vésperas das eleições, prestar atenção nas propostas para a reforma da saúde pública e privada e, aos candidatos, formular suas propostas com conteúdo
Publicado em Zero Hora em 26/08/2010
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Hélio de La Peña está errado!
A defesa de Hélio de La Penã da liberdade de usar o humor no período do horário eleitoral está errada e é um desserviço à democracia. Ao contestar a Lei 9504/87, o humorista esquece que, se “o humor é necessário para a vida” (“Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae) como prega São Tomás de Aquino, um “bem útil” ao homem e a sociedade, esquece que o mesmo filósofo também afirma que o humor pode ser um vício por excesso, ou seja, por falta de controle e mediocridade no seu uso. São Tomás queria dizer com isso que aqueles que exageram no brincar são inoportunos, estão fora do lugar, por quererem fazer rir constantemente em momentos sérios e por isso acreditava que a virtude estava no uso conveniente do humor para a construção da vida.
Ora, não é isso que fazem nossos humoristas, salvo raras exceções, quando se trata de política. O poder dos programas de humor está no espaço que ocupam nos veículos de comunicação e que lhes dá a oportunidade de colaborarem na construção (ou destruição) de uma determinada visão de política na sociedade - a regra geral é a tendência do humor brasileiro de reforçar o preconceito para com a política. “Política: fique longe disso” é a mensagem que seus programas carregam, nada mais perigoso para a democracia, que vive da participação popular. Qual a origem deste poder? Médium vem do latim e significa “aquele que está a meio”. A comunicação, situando-se a meio caminho entre as instituições políticas e a sociedade, tem papel fundamental para a formação da opinião pública. Se o humor atribui significados negativos à política – não estamos dizendo que não existem maus políticos, que les hay, eles hay – ele contribui para criar o entendimento compartilhado de que toda a política é algo vil e infame, um problema do ponto de vista da democracia, da defesa das instituições públicas e dos agentes públicos que buscam construir a boa política.
Este é um momento especial para a cidadania. A política necessita da comunicação sim, mas não da comunicação superficial, limitada a um humor escrachante, previsível e alienante, mas de uma comunicação definida culturalmente, baseada na troca de informações. O papel da comunicação deve ser o da manutenção dos vínculos da comunidade à idéia de cidadania e participação. O humor atua na contramão desse sentido, já que incentiva a não participação, a rejeição e a negação da política - ainda que ela tenha todos os problemas que conhecemos, sem ela diminuímos as chances de ter uma sociedade melhor. A sociedade, a “receptora” de toda esta informação, só pode concordar com os humoristas. É aí que reside o problema.
Os limites dado ao humor pela Lei visam reduzir a capacidade de alienação que existe nos veículos de comunicação. Aliás, vem do interior da própria televisão a crítica ao que se tornou o veículo. Aracy Balabanian resumiu a questão: “tudo ficou tecnicamente melhor, mas a televisão sofreu um empobrecimento(...)A TV se esvaziou” (Folha de São Paulo, 8/8/2010). Queiram ou não os autores de humor, os textos que são escritos para os programas de humor estão longe de ser o que se poderia chamar de “humor inteligente”, e ao contrário, passam mensagens subliminares que provocam alienação.
O debate político não se faz com piadas, mas com idéias e programas humorísticos não esclarecem a população, ao contrário, reproduzem preconceitos e a afastam do debate público. Passado o horário eleitoral, os humoristas poderão voltar a sua prática de sempre, falar mal dos políticos sem chegar a lugar algum, mas pelo menos, a democracia não terá sido vilipendiada. O público pode conhecer os programas humorísticos, mas a presença cada vez maior de um humor que apela aos sentimentos mais primitivos ainda é prova de que ele pouco tem a contribuir com a construção de cidadãos críticos. Há bons e maus humoristas, como há bons e maus políticos, mas o mau humor político é como a má política, é um desserviço à democracia e deve ser combatido. Não é hora de riso, mas de atitude séria: é o futuro da democracia que está em questão no momento do voto.
Ora, não é isso que fazem nossos humoristas, salvo raras exceções, quando se trata de política. O poder dos programas de humor está no espaço que ocupam nos veículos de comunicação e que lhes dá a oportunidade de colaborarem na construção (ou destruição) de uma determinada visão de política na sociedade - a regra geral é a tendência do humor brasileiro de reforçar o preconceito para com a política. “Política: fique longe disso” é a mensagem que seus programas carregam, nada mais perigoso para a democracia, que vive da participação popular. Qual a origem deste poder? Médium vem do latim e significa “aquele que está a meio”. A comunicação, situando-se a meio caminho entre as instituições políticas e a sociedade, tem papel fundamental para a formação da opinião pública. Se o humor atribui significados negativos à política – não estamos dizendo que não existem maus políticos, que les hay, eles hay – ele contribui para criar o entendimento compartilhado de que toda a política é algo vil e infame, um problema do ponto de vista da democracia, da defesa das instituições públicas e dos agentes públicos que buscam construir a boa política.
Este é um momento especial para a cidadania. A política necessita da comunicação sim, mas não da comunicação superficial, limitada a um humor escrachante, previsível e alienante, mas de uma comunicação definida culturalmente, baseada na troca de informações. O papel da comunicação deve ser o da manutenção dos vínculos da comunidade à idéia de cidadania e participação. O humor atua na contramão desse sentido, já que incentiva a não participação, a rejeição e a negação da política - ainda que ela tenha todos os problemas que conhecemos, sem ela diminuímos as chances de ter uma sociedade melhor. A sociedade, a “receptora” de toda esta informação, só pode concordar com os humoristas. É aí que reside o problema.
Os limites dado ao humor pela Lei visam reduzir a capacidade de alienação que existe nos veículos de comunicação. Aliás, vem do interior da própria televisão a crítica ao que se tornou o veículo. Aracy Balabanian resumiu a questão: “tudo ficou tecnicamente melhor, mas a televisão sofreu um empobrecimento(...)A TV se esvaziou” (Folha de São Paulo, 8/8/2010). Queiram ou não os autores de humor, os textos que são escritos para os programas de humor estão longe de ser o que se poderia chamar de “humor inteligente”, e ao contrário, passam mensagens subliminares que provocam alienação.
O debate político não se faz com piadas, mas com idéias e programas humorísticos não esclarecem a população, ao contrário, reproduzem preconceitos e a afastam do debate público. Passado o horário eleitoral, os humoristas poderão voltar a sua prática de sempre, falar mal dos políticos sem chegar a lugar algum, mas pelo menos, a democracia não terá sido vilipendiada. O público pode conhecer os programas humorísticos, mas a presença cada vez maior de um humor que apela aos sentimentos mais primitivos ainda é prova de que ele pouco tem a contribuir com a construção de cidadãos críticos. Há bons e maus humoristas, como há bons e maus políticos, mas o mau humor político é como a má política, é um desserviço à democracia e deve ser combatido. Não é hora de riso, mas de atitude séria: é o futuro da democracia que está em questão no momento do voto.
O dia do patrimonio histórico, 17 de agosto
No dia 17 de agosto comemora-se o Dia do Patrimônio Histórico Nacional. A data assinala o nascimento do historiador e jornalista Rodrigo Mello Franco de Andrade (1898-1969) e foi instituída por meio da Lei nº 378, de 1937. Nesta época, governo Getúlio Vargas criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), onde o historiador trabalhou até o fim da vida, e a data passou a ser celebrada a partir de 1998, quando o célebre defensor do patrimônio faria 100 anos. A importância de celebrá-la, no entanto, não está somente no fato de valorizar as coisas tangíveis e intangíveis caracteriza uma população, mas principalmente, por atualizar a problemática da memória no campo social.
A preocupação com a centralidade da memória na cultura das sociedades ocidentais é um dos fenômenos mais surpreendentes dos últimos vinte anos, que assistiram a uma profusão de memoriais, museus, centros de memória e instituições voltadas para a memória, no âmbito público e privado. O que é um paradoxo, já que a cultura moderna sempre foi voltada para o futuro, como se vê no estalinismo às artes do século XX. Na origem deste paradoxo está a emergência de um galopante processo de globalização da memória. Iniciado nos anos 60 como conseqüência do processo de descolonização e dos novos movimentos sociais, a memória transformou-se em elemento chave na organização social e sofreu, nos anos 80, um reforço com os discursos sobre a memória do Holocausto. A memória está, de uma vez por todas, na agenda atual.
O que também é um problema, haja vista que o marketing tem tido cada vez mais êxito em transformar a memória em produto da indústria cultural. Ela foi transformada em produto a ser vendido pela industria cultural, em reação aquilo que a sociologia da cultura alemã, especialmente com Gerhard Schulze, denominou de “Erlebnisgesellschaft”, literalmente, sociedade da vivência. Agora, a indústria cultural não trata apenas vender a idéia de que vivemos uma sociedade que privilegia experiências intensas, porém superficiais, orientadas para a felicidade instantânea, porém com rápido consumo de bens. Agora, trata-se de reagir a essa cultura em que bens que tem história, tradições que são milenares e espaços são vendidos pelo seu tempo de existência. O problema desta forma de abordagem é a despolitização que faz da memória, deshistoricização que mata pela memória a própria memória.
No Dia do Patrimôno deve servir para defender que a memória é uma questão política e recusar as visões que tratam a memória como mercadoria. Dos discursos sobre a África do Sul depois do Apartheid à questão dos desaparecidos políticos na América Latina, a discussão da memória e do patrimônio deve em primeiro lugar, servir para dizer quem de fato somos nós.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Ervino Besson, um homem simples
A morte prematura de Ervino Besson provoca tristeza no legislativo de Porto Alegre. Vereador dedicado à cidade, quando não se reelegeu, manifestações de pesar vieram de todos os campos partidários. A razão é que Besson era valorizado pela sua simplicidade. Nunca renegou que sempre foi um padeiro, um homem simples que chegou à Câmara Municipal. Esta simplicidade não impediu que legasse projetos de valor, como o Banco Municipal de Remédios, para reaproveitar medicamentos ou as medidas que desenvolveu contra o desperdício de alimentos. Para Besson, a grandeza da política estava em como fazemos as pequenas coisas.
Talvez por isso valorizasse imensamente a educação. Defendia a responsabilidade do legislativo para com a educação política dos jovens. Participou de várias Sessões Plenárias do Estudante e vibrava com isso talvez porque, de alguma maneira, via seu olhar refletido no olhar daquelas crianças que visitavam o parlamento. Lembrava com entusiasmo a herança de Leonel Brizola na educação e sua experiência nas brizoletas, casas de madeira simples onde sua geração aprendeu as primeiras letras. Ensinava aos jovens a importância de participar da vida pública sempre com muita simplicidade.
Maso que significa ser um homem simples? Significa preferir o aperto de mão à internet, a conversa olho no olho ao chat, o sorriso às redes sociais. Num tempo em que a política transformou-se em indústria, ele era um artesão. Num tempo em que as megacampanhas ganham eleições, preferia a conversa miúda com o eleitor. Num tempo onde prevalece a midialização da política, preferia a atuação direta na comunidade. Num tempo em que o trabalho intelectual é supervalorizado, ele se definia como um trabalhador manual. Que sua memória seja a de que podemos encontrar a profundidade do mundo nas coisas simples.
Talvez por isso valorizasse imensamente a educação. Defendia a responsabilidade do legislativo para com a educação política dos jovens. Participou de várias Sessões Plenárias do Estudante e vibrava com isso talvez porque, de alguma maneira, via seu olhar refletido no olhar daquelas crianças que visitavam o parlamento. Lembrava com entusiasmo a herança de Leonel Brizola na educação e sua experiência nas brizoletas, casas de madeira simples onde sua geração aprendeu as primeiras letras. Ensinava aos jovens a importância de participar da vida pública sempre com muita simplicidade.
Maso que significa ser um homem simples? Significa preferir o aperto de mão à internet, a conversa olho no olho ao chat, o sorriso às redes sociais. Num tempo em que a política transformou-se em indústria, ele era um artesão. Num tempo em que as megacampanhas ganham eleições, preferia a conversa miúda com o eleitor. Num tempo onde prevalece a midialização da política, preferia a atuação direta na comunidade. Num tempo em que o trabalho intelectual é supervalorizado, ele se definia como um trabalhador manual. Que sua memória seja a de que podemos encontrar a profundidade do mundo nas coisas simples.
Publicado no Jornal do Comércio em 21/07/2010
sexta-feira, 2 de julho de 2010
O fim da infância
Está circulando na internet (http://primeirainfancia.org.br/2010/05/carta-da-rnpi-para-os-parlamentares/) a carta elaborada pela Rede Nacional Primeira Infância, formada por 74 organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de organizações multilaterais e outras redes de organizações, dirigida aos deputados e senadores da República solicitando o reexame do dispositivo constante do PL 6.755/2010 (original PLS 414/2008) que estabelece em seu artigo 6º o dever dos pais ou responsáveis de efetuar a matrícula dos menores a partir dos cinco anos no Ensino Fundamental. A idade é reiterada no artigo 32 do mesmo projeto, que diz que o Ensino Fundamental, com duração de nove anos, inicia-se aos cinco anos de idade.
Tais entidades questionam o projeto de lei porque entendem que ele implica o fim do direito de ser criança. Para tais entidades, trata-se de um verdadeiro roubo da infância, na medida em que a criança tem o direito de viver segundo suas características físicas, biológicas e psicológicas. Este direito é roubado porque “começar a primeira série do Ensino Fundamental aos cinco anos e um dia equivale a perder a infância, a criança impedida de ser criança, é proibida de brincar”.
A Rede Nacional da Primeira Infância tem razão em sua luta. Os educadores há muito tempo defendem a expansão da educação pré-escolar e não a inclusão das crianças de cinco anos na educação fundamental. É consenso dos educadores que a educação pré-escolar é a que atende de forma mais adequada a uma pedagogia da primeira infância, pois é a que mais consegue preservar “o direito de brincar” da criança. Para eles, a inclusão de crianças de cinco anos na primeira série só fará mal a elas, pois, do jeito que está o sistema, a insere de forma inadequada no Ensino Fundamental. Além disso, a sociedade e a família não ganham nada diminuindo o período da infância e suprimindo um ano de educação pré-escolar, já que só há consequências perversas com tal dispositivo: amplia-se a produção de estresse infantil devido aos problemas de inadequação aos longos horários, ou os causados pelo uso das cadeiras escolares e até mesmo pelo aumento da reprovação. Já baixamos o limite de acesso à educação de sete para seis anos, e agora, querem cinco. Onde isso vai parar?
A luta é motivo para reflexão. Ver educadores em um movimento político sempre é motivo de contentamento. Mais ainda quando liderados por Vidal Didonet, um dos maiores especialistas em educação infantil e cuja luta mostra que os professores não estão dispostos a abandonar a defesa da educação. Mostra que os professores são capazes de se mobilizar e rapidamente tentar reverter o impacto de más políticas públicas. Que o campo destas políticas seja ainda um lugar de lutas sociais, é um alento. Num mundo em que cada vez mais se afirma o desencanto dos educadores com a política, observar como eles são capazes de se mobilizar em defesa do respeito às características da infância, em defesa da educação de qualidade e valorizando as instituições democráticas mostra que os movimentos sociais ainda têm uma grande contribuição a dar quando se adentra no século 21.
Publicado em Zero Hora, 02/7/2010
Tais entidades questionam o projeto de lei porque entendem que ele implica o fim do direito de ser criança. Para tais entidades, trata-se de um verdadeiro roubo da infância, na medida em que a criança tem o direito de viver segundo suas características físicas, biológicas e psicológicas. Este direito é roubado porque “começar a primeira série do Ensino Fundamental aos cinco anos e um dia equivale a perder a infância, a criança impedida de ser criança, é proibida de brincar”.
A Rede Nacional da Primeira Infância tem razão em sua luta. Os educadores há muito tempo defendem a expansão da educação pré-escolar e não a inclusão das crianças de cinco anos na educação fundamental. É consenso dos educadores que a educação pré-escolar é a que atende de forma mais adequada a uma pedagogia da primeira infância, pois é a que mais consegue preservar “o direito de brincar” da criança. Para eles, a inclusão de crianças de cinco anos na primeira série só fará mal a elas, pois, do jeito que está o sistema, a insere de forma inadequada no Ensino Fundamental. Além disso, a sociedade e a família não ganham nada diminuindo o período da infância e suprimindo um ano de educação pré-escolar, já que só há consequências perversas com tal dispositivo: amplia-se a produção de estresse infantil devido aos problemas de inadequação aos longos horários, ou os causados pelo uso das cadeiras escolares e até mesmo pelo aumento da reprovação. Já baixamos o limite de acesso à educação de sete para seis anos, e agora, querem cinco. Onde isso vai parar?
A luta é motivo para reflexão. Ver educadores em um movimento político sempre é motivo de contentamento. Mais ainda quando liderados por Vidal Didonet, um dos maiores especialistas em educação infantil e cuja luta mostra que os professores não estão dispostos a abandonar a defesa da educação. Mostra que os professores são capazes de se mobilizar e rapidamente tentar reverter o impacto de más políticas públicas. Que o campo destas políticas seja ainda um lugar de lutas sociais, é um alento. Num mundo em que cada vez mais se afirma o desencanto dos educadores com a política, observar como eles são capazes de se mobilizar em defesa do respeito às características da infância, em defesa da educação de qualidade e valorizando as instituições democráticas mostra que os movimentos sociais ainda têm uma grande contribuição a dar quando se adentra no século 21.
Publicado em Zero Hora, 02/7/2010
sábado, 26 de junho de 2010
Sobre o poder das cartas
Recebi uma carta de Paul Virilio. Eu havia enviado uma carta a ele convidando-o a um evento em Porto Alegre. Eu sabia que Virilio não responderia um e-mail, mas que eu tinha grandes chances de ter uma carta respondida. Cartas são artesanais; e-mails, industriais; cartas são pessoais; e-mails são impessoais; cartas são demoradas, mas que valor tem as respostas se não temos expectativas.
Paul Virilio sempre manifestou em seus livros seu ceticismo com a tecnologia. Esse arquiteto e filosofo tinha algo da Escola de Frankfurt, na crítica a tecnologia. Mas ela não vinha de um marxismo de formação, ao contrário, vinha de sua experiencia de vida, como sobrevivente da segunda guerra mundial.
Quis traze-lo a Porto ALegre, mas ele disse que não vem, há muitos anos não sai da França. O maior dos filosofos franceses prefere dizer o que tem a dizer ao mundo por seus livros, não se interessa em viajar. Não se interessa por grandes conferencias. O autor de Velocidade e Política, entre outros títulos, que teve o pensamento retratado em um documentário da tevê francesa, continua um homem que critica o presente para manter o valor das coisas do passado que realmente importam . Cartas.
Paul Virilio sempre manifestou em seus livros seu ceticismo com a tecnologia. Esse arquiteto e filosofo tinha algo da Escola de Frankfurt, na crítica a tecnologia. Mas ela não vinha de um marxismo de formação, ao contrário, vinha de sua experiencia de vida, como sobrevivente da segunda guerra mundial.
Quis traze-lo a Porto ALegre, mas ele disse que não vem, há muitos anos não sai da França. O maior dos filosofos franceses prefere dizer o que tem a dizer ao mundo por seus livros, não se interessa em viajar. Não se interessa por grandes conferencias. O autor de Velocidade e Política, entre outros títulos, que teve o pensamento retratado em um documentário da tevê francesa, continua um homem que critica o presente para manter o valor das coisas do passado que realmente importam . Cartas.
O mundo de cartas auxilia mais nossa memória do que os recursos tecnologicos. Vou emoldura-la.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Homenagem a Lauro Hagemann
A Cãmara Municipal é muito criticada pelos eventos e homenagens que realiza. Consideradas perda de tempo e de pouca serventia para as funções de desenvolvimento da cidade, é o tipo de lugar que recebe criticas da imprensa e dos formadores do senso comum. Nada mais equivocado quando se trata de constatar o seu papel de reforço da memória social que cumpre para a cidade. Homenageamos porque queremos fixar na memória social a constribuição de um determinado ator social. Mais, homenageamos porque a cidade, para se desenvolver, precisa de referências, símbolos nos quais se agarrar, modelos de ética e valor, exemplos de trabalho e dedicação
Hoje recebeu o título honorífico da Câmara Municipal o ex-vereador Lauro Hagemann. Título merecido por anos de dedicação a cidade. Lauro Hageman foi a voz do Reporter Esso por décadas, foi comunista e assumiu os riscos que tal filosofia representava durante o arbítrio. Conheci-o como vereador, já lá se vão vinte e cinco anos, logo que ingressei na Cãmara Municipal, como vereador do PCB, que então propunha temas sociais a pauta do legislativo, acompanhava as lutas de moradores de rua, sem terra - os excluidos sociais e o nascimento dos movimentos urbanos.
A cerimonia contou com a presença do Prefeito, mas também de uma geração que acompanhou a trajetória de Hagemann. Ele, com sua voz penetrante, soube retribuir os elogios. O diálogo entre Hagemann e João Dib, outro patriarca do Legislativo, do alto dos seus oitenta e um anos (para um, oitenta para outro), era repleto de companheirismo. A cena reforçava a idéia de geração política, de uma política que começa a ser construida com base na técnica, no conhecimento, na informação. Hagemann, que trazia leituras do marxismo para a prática política; Dib, que trazia a experiência de administrador - ele é engenheiro - para o parlamento. É, numa palavra, ambos representam os primordios do nascimento de uma geração mais intelectualizada e menos populista no parlamento, uma geração que começa a falar com conhecimento de causa e não com discursos preparados por assessores; uma geração que começa a se especializar em áreas da cidade, e não vive fazendo política sobre tudo o que vem pela frente. Exemplo de cidadão e homem público, a homenagem é merecida.
As homenagens do poder legislativo não são perda de tempo. Ao contrário, cumprem a importante função de constituir um espaço de preservação da memória da cidade. E nisto, ainda tem muito a contribuir.
Hoje recebeu o título honorífico da Câmara Municipal o ex-vereador Lauro Hagemann. Título merecido por anos de dedicação a cidade. Lauro Hageman foi a voz do Reporter Esso por décadas, foi comunista e assumiu os riscos que tal filosofia representava durante o arbítrio. Conheci-o como vereador, já lá se vão vinte e cinco anos, logo que ingressei na Cãmara Municipal, como vereador do PCB, que então propunha temas sociais a pauta do legislativo, acompanhava as lutas de moradores de rua, sem terra - os excluidos sociais e o nascimento dos movimentos urbanos.
A cerimonia contou com a presença do Prefeito, mas também de uma geração que acompanhou a trajetória de Hagemann. Ele, com sua voz penetrante, soube retribuir os elogios. O diálogo entre Hagemann e João Dib, outro patriarca do Legislativo, do alto dos seus oitenta e um anos (para um, oitenta para outro), era repleto de companheirismo. A cena reforçava a idéia de geração política, de uma política que começa a ser construida com base na técnica, no conhecimento, na informação. Hagemann, que trazia leituras do marxismo para a prática política; Dib, que trazia a experiência de administrador - ele é engenheiro - para o parlamento. É, numa palavra, ambos representam os primordios do nascimento de uma geração mais intelectualizada e menos populista no parlamento, uma geração que começa a falar com conhecimento de causa e não com discursos preparados por assessores; uma geração que começa a se especializar em áreas da cidade, e não vive fazendo política sobre tudo o que vem pela frente. Exemplo de cidadão e homem público, a homenagem é merecida.
As homenagens do poder legislativo não são perda de tempo. Ao contrário, cumprem a importante função de constituir um espaço de preservação da memória da cidade. E nisto, ainda tem muito a contribuir.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
O segredo perverso da igreja
No filme “A noviça rebelde”, a jovem Maria (Julie Andrews) sai do convento onde vive para trabalhar na casa do capitão Von Trapp (Christopher Plummer), viúvo que tem sete filhos. Maria educa as crianças carinhosamente mas não sabe o que fazer com sua atração sexual pelo capitão Von Trapp. Retorna ao convento, onde a madre superiora, através de uma canção, a aconselha a voltar para resolver sua relação com o barão. A canção intitulada “Escale todas as montanhas” (“Climb Every Mountain!”) diz mais ou menos ou seguinte:”Vá lá, faça! Corra o risco! Faça o que o seu coração está pedindo; não deixe que considerações pequenas se interponham em seu caminho”.
A lembrança da cena vem de Slavoj Zizek, que escreveu críticas a ideologia da igreja, entre elas “A marionete e o anão: o cristianismo entre a perversão e a subversão” (Relógio d’Agua, 2010). Ela serve para ilustrar as relações profundas entre a ideologia cristã e a sexualidade, já que para o autor, é surpreendente no filme a defesa da manifestação do desejo justamente pela pessoa de quem mais se poderia esperar que pregasse a renúncia e a castidade. Algo semelhante ocorre quando vemos Dom Dadeus Grings, Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, em entrevista a Zero Hora (4/6/2010) confirmar as declarações polêmicas dadas na 48º Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília, no inicio de maio. Enquanto Grings defende a ideia de uma sociedade pedófila, para Zizek a pedofilia dos padres é específica porque faz parte da própria identidade da igreja enquanto instituição - a abundância de casos de molestamento sexual de crianças não pode ser apontado como “considerações pequenas” neste caminho.
A tese de Zizek é grave mas vale a pena acompanhar seu raciocínio. Para a psicanálise, o que está em jogo é o significado desta atitude defensiva às avessas adotada pelo sacerdote. De fato, quando as primeiras denúncias de pedofilia envolvendo padres vieram a público, a igreja as acusou de propaganda anticatólica e tentou minimizar seus efeitos. Eram consideradas parte de um suposto “problema interno” que cabia à igreja resolver. A repercussão internacional do depoimento de Don Dadeus Grings mostra que a igreja mudou de estratégia: já não se trata de assumir a pedofilia como problema interno, mas rejeita-la do seu meio, com o argumento de que faz parte de toda a sociedade.
Segundo Zizek isto é um problema porque desvia a atenção daquilo que deveria ser central à análise, a problematização da natureza da igreja enquanto instituição sócio-simbólica. A força do argumento advém do fato de que nos tira toda a capacidade de questionarmos o inconsciente da instituição e nos impede de uma vez por todas, de colocamos o problema complexo da perversão da igreja. Para Zizek, esta perversão é algo de que ela necessita para poder se reproduzir, seu segredo obsceno mais interno “identificar-se com esse lado oculto é um elemento chave da própria identidade de um sacerdote cristão. Se o padre denunciar esses escândalos seriamente (não apenas da boca para fora), ele estará se excluindo da comunidade eclesiástica. Deixará de ser “um de nós”, exatamente como um cidadão de uma cidade do sul dos Estados Unidos, na década de 1920, se denunciasse a Ku Klux Klan à policia, se excluía de sua comunidade, ou seja, traia sua solidariedade fundamental”
A dissolução do problema da pedofilia da igreja na própria sociedade em nada ajuda a resolver os casos criminosos de membros da instituição. A discussão da existência ou não de um lado perverso da igreja “em si” está apenas começando e deve ser aprofundada. Se a igreja quer se ver livre do problema da pedofilia dos padres, deve encarar seriamente a questão da parte de sua responsabilidade enquanto instituição nesses crimes. E este debate a igreja ainda não realizou.
A lembrança da cena vem de Slavoj Zizek, que escreveu críticas a ideologia da igreja, entre elas “A marionete e o anão: o cristianismo entre a perversão e a subversão” (Relógio d’Agua, 2010). Ela serve para ilustrar as relações profundas entre a ideologia cristã e a sexualidade, já que para o autor, é surpreendente no filme a defesa da manifestação do desejo justamente pela pessoa de quem mais se poderia esperar que pregasse a renúncia e a castidade. Algo semelhante ocorre quando vemos Dom Dadeus Grings, Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre, em entrevista a Zero Hora (4/6/2010) confirmar as declarações polêmicas dadas na 48º Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília, no inicio de maio. Enquanto Grings defende a ideia de uma sociedade pedófila, para Zizek a pedofilia dos padres é específica porque faz parte da própria identidade da igreja enquanto instituição - a abundância de casos de molestamento sexual de crianças não pode ser apontado como “considerações pequenas” neste caminho.
A tese de Zizek é grave mas vale a pena acompanhar seu raciocínio. Para a psicanálise, o que está em jogo é o significado desta atitude defensiva às avessas adotada pelo sacerdote. De fato, quando as primeiras denúncias de pedofilia envolvendo padres vieram a público, a igreja as acusou de propaganda anticatólica e tentou minimizar seus efeitos. Eram consideradas parte de um suposto “problema interno” que cabia à igreja resolver. A repercussão internacional do depoimento de Don Dadeus Grings mostra que a igreja mudou de estratégia: já não se trata de assumir a pedofilia como problema interno, mas rejeita-la do seu meio, com o argumento de que faz parte de toda a sociedade.
Segundo Zizek isto é um problema porque desvia a atenção daquilo que deveria ser central à análise, a problematização da natureza da igreja enquanto instituição sócio-simbólica. A força do argumento advém do fato de que nos tira toda a capacidade de questionarmos o inconsciente da instituição e nos impede de uma vez por todas, de colocamos o problema complexo da perversão da igreja. Para Zizek, esta perversão é algo de que ela necessita para poder se reproduzir, seu segredo obsceno mais interno “identificar-se com esse lado oculto é um elemento chave da própria identidade de um sacerdote cristão. Se o padre denunciar esses escândalos seriamente (não apenas da boca para fora), ele estará se excluindo da comunidade eclesiástica. Deixará de ser “um de nós”, exatamente como um cidadão de uma cidade do sul dos Estados Unidos, na década de 1920, se denunciasse a Ku Klux Klan à policia, se excluía de sua comunidade, ou seja, traia sua solidariedade fundamental”
A dissolução do problema da pedofilia da igreja na própria sociedade em nada ajuda a resolver os casos criminosos de membros da instituição. A discussão da existência ou não de um lado perverso da igreja “em si” está apenas começando e deve ser aprofundada. Se a igreja quer se ver livre do problema da pedofilia dos padres, deve encarar seriamente a questão da parte de sua responsabilidade enquanto instituição nesses crimes. E este debate a igreja ainda não realizou.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Onde foi parar a memória?
A homenagem do Vereador João Dib ao Prefeito de Porto Alegre Loureiro da Silva é comovente por ser a demonstração do status atual da memória em nossa sociedade. Na sociedade fugaz da informação, não há tempo para homenagear nossos antepassados. Poucas pessoas interromperam seu dia para acompanhar João Dib em sua homenagem. Mas ele estava lá e com ele parte da responsabilidade da sociedade portoalegrense com seu passado não passou em vão.
O olhar atento de João Dib tem razão de ser. Loureiro da Silva foi um governante excepcional. Figura pública que possibilitou a feição moderna da capital, seu conjunto de obras, realizados em dois governos, resultou em transformações que ainda são visiveis para todos: o Arroio Dilúvio, a Assis Brasil, entre tantas obras, entraram na vida cotidiana dos portoalegrenses por sua obra. E por esta razão, desapareceram, como acontece com os fatos do passado, totalmente integradas ao cotidiano da cidade. Pois, para quem é recém chegado, é exatamente isto, a sensação de que sempre estiveram lá, o que não acontece.
Alias, é justamente pelo contraste de uma sociedade antiga e que não conheceu as transformações urbanas de Loureiro e uma sociedade atual, para quem suas inovações perdem-se no dia a dia, é que a cena deve ser valorizada. Pois o que está aí é merito dos que vieram antes e foram responsaveis, contra tudo e contra todos, pela construção de políticas públicas. Inovadoras, no caso de Loureiro. Avançadas, no caso do Dilúvio; urbanisticamente fundamentais, no caso da Assis Brasil. Loureiro, que está ali na frente da Cãmara, com qual dialogou, diante de obra que leva seu nome, ainda assim não consegue chamar a atenção do presente pelas obras que fez no passado. Mas sua estátua está lá, e de certa forma ela diz a esta mesma sociedade que problemas urbanos requerem soluções urbanas; o cenário natural tem um destino cruel, a de ser transformada pela ação humana. Com Loureiro, foi para melhor. Nem sempre é assim.
Loureiro da Silva teve uma visão de futuro insuperável para a cidade e que poucos administradores públicos tem. Que tem deixado a marca nas gerações políticas que seguiram, foi fundamental para que seu projeto continuasse de pé na capital. João Dib, que assumiu a Prefeitura inspirado em sua gestão, jamais abandonou a influência do pensamento de seu mestre. Reconhece seu valor em seus discursos, enaltece-o. Porquê? Porque precisamos desesperadamente de exemplos na política, na gestão pública. O exemplo sempre tem uma função pedagógica, sempre tem uma função educativa. Ele mostra o que é bom e ajuda-nos a diferenciar do que é mau; mostra que frente a limites, é preciso a superação, inclusive nas formas de governo; indica que cada geração tem uma responsabilidade com o futuro - daí o planejamento - e com o passado - jamais esquecer seus antepassados.
No mundo em que vivemos, parece que não há mais herança política. Nasce-se político, emerge-se por mágica da força dos meios de comunicação. Em realidade, a tradição ainda é uma força atuante, e uma geração política tem o que dizer a geração política seguinte. Por isso a cena tem sua importância. Em realidade, são duas gerações, e não apenas uma, de fazer política na foto. E saber reverenciar o legado é o minimo que se pede de dignidade aos políticos atuais.
A memória está por entre os fios, e com ela, a memória política. A razão deve ser buscada numa sociedade baseada na instantaneidade da informação que faz o novo perecer rapidamente frente ao mais-novo. A transmissão da memória é tão importante quanto a transmissão do saber. È preciso saber distinguir o que, por superfluo, merece ser esquecido daquilo que, por fundamental, merece ser lembrado.
O que vale para a memória social vale para a memória política. Tradição não é sinonimo de velho ou arcaico. Tradição significa que temos um elo entre o presente e o passado. O gesto de homenagear de Dib merece ser visto pela grandeza do homem público que não esquece quem são parte integrante de seu projeto, de sua memória. De que principalmente em política, nada é feito sozinho e que somos sempre devedores do legado de alguém.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Ultimo livro de Zizek e Badiou, L'idee de comunism
A publicação de L’idée du comunism (Lignes, 2010), coletânea das conferências realizadas em Londres em 2009 e publicada recentemente na França reacendeu o debate sobre o mais genuíno pensamento de esquerda. Organizado por Slavoj Zizek e Alain Badiou, a obra é organizada em 16 capítulos entregues a fina flor da intelectualidade.Zizek é o famoso filosófo e crítico cultural esloveno, conhecido por sua leitura lacaniana da cultura popular. Na verdade, há um primeiro Zizek mais voltado para a psicanálise e o cinema, e um segundo Zizek, ainda praticamente desconhecido, voltado para uma prática da análise política propriamente dita - provavelmente reforçada por sua fracassada candidatura à Presidente da Eslovênia. Badiou também é um leitor de Lacan, mas a isto se acrescenta Nietzsche e toda a vivência do Maio de 68 francês que o transformaram num dos mais atuais analistas revolucionários, ou como prefere Badiou, apenas alguém que deseja mostrar o potencial de inovação e transformação de cada situação. Para Yannis Stavrakakis, em Una esquerda lacaniana(FCE,2010, já esgotado), o mérito de desde novo lacano-marxismo é questionar, em curto-circuito, os pressupostos de funcionamento do Capital.
L'idée de communism quer construir um ponto de partida para a esquerda no século XXI. Como se sabe, a década de noventa representou uma derrotas para a esquerda mundial. Políticas sociais dos estados de bem-estar social retrocederam, a integração das economias socialistas ao mundo capitalista e a regressão dos movimentos de emancipação do terceiro mundo parecem sinalizar que o tempo da emancipação política radical chegou ao fim. Mas não é bem isto que vêem os autores da coletânea. Para eles a ideia do capitalismo liberal como a nova ordem natural sofreu reveses com os ataques de 11 de setembro e a crise financeira de 2008 e, por esta razão, a necessidade de repensar os fundamentos da emancipação política nunca foram tão atuais.
A primeira conclusão dos autores é que a esquerda como proposta de partido estalinista está enterrada. E também a nova esquerda, como se apresenta hoje a dita democrática, apenas propõe a reforma do sistema de pensamento, o que não é suficiente se não se pensar em reformar a estrutura da democracia representativa. É preciso outra esquerda que busque no que resta do comunismo, no horizonte de projetos de emancipação radical, os conceitos para orientar suas pesquisas e a ferramenta para expor seus fracassos políticos – da própria esquerda- para construir novas perspectivas para a ação. Esta discussão abre, sem dúvida, um campo de possibilidades políticas, o que faz seus autores valorizarem ainda mais o comunismo como conceito filosófico.
Esta forma de colocar o tema do comunismo surgiu primeiro com Alain Badiou, em sua duas de suas últimas obras “L’hipothese comunist “(Lignes, 2009) e “De quoi Sarkozy est-il le nom” (Lignes, 2007) onde o autor, desejando enumerar alguns princípios básicos para ação política, defende a idéia de que não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social já que a economia de mercado produz uma democracia atrofiada onde persistem as desigualdades indesejáveis. Para Badiou e Zizek, aceitamos com muita naturalidade que o capitalismo é nosso destino final: precisamos nos revoltar com o disperdício irracional de recursos, com o valor econômico dado às guerras, etc, etc. Para os autores, e aí está uma questão polêmica da obra, se as experiências reais comunistas foram sangrentas, não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo, em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. A situação dos povos africanos e asiáticos é apenas um exemplo.
Quando o Seminário de que trata o livro foi realizado, em 2009, o Jornal The Guardian chamou a atenção para o fato de que se tratava de um evento mais “quente” que um jogo de futebol ou o show de uma cantora pop. A descrição tinha sua razão de ser. Realizada na Universidade de Birkbeck, em Londres, atraiu participantes de todos os continentes, Estados Unidos, da América Latina, África e Austrália, que foram ouvir os grandes pensadores de esquerda. Todos queriam respostas para seus problemas práticos, mas só ouviram dos organizadores que que tratava-se de “uma reunião de filósofos que ia lidar com o comunismo como um conceito filosófico, defendendo uma tese precisa e forte: a partir de Platão, o comunismo é a única ideia política digna de um filósofo."
Que à época houvessem tantos interessados em discutir a teoria do comunismo, é indicador da importância que o tema tem para a esquerda. Convite a pensar que mantém inquestionável o valor da obra. Terry Eagleton parte do Rei Lear, de Shakespeare, para mostrar o valor da utopia, comparando a todo o momento com os Grundrisse, de Marx; Michel Hardt faz a crítica das estratégias neoliberais de privatização de indústrias para retomar, mais adiante, o conceito de propriedade comum tão caro ao marxismo; Tony Negri retoma os pressupostos do materialismo histórico que dizem que a história é a história da luta de classes para descobrir o valor da ética de esquerda baseada no valor do comum; Jacques Rancière, retoma da hipótese comunista de Alain Badiou para reforçar o valor de emancipação humana contida no conceito de comunista, bem diferente da ressignificação que o levou a ser tratado como um “monstro” do passado; Gianni Vattimo, num texto curto, enumera nove teses entre as quais a idéia paradoxal que em realidade, capitalismo e comunismo padecem da mesma dissolução metafísica, aproximando-se pelos seus sucessivos fracassos semelhantes. Os demais autores, integrantes da coletânea, ainda contribuem com suas análises específicas: Susan Morss, Peter Hallward, Jean Luc-Nancy, Alessandro Russo e Alberto Toscano tratam desde as formas do comunismo até a filosofia e a revolução cultural sob o regime. Talvez a curiosidade seja a presença de Minqi Li e Wang Hui, que apresentam as visões do extremo oriente, em especial sobre os acontecimentos recentes na China – faz falta aqui um breve resumo do currículo dos autores, tão comum em coletâneas do gênero.
Não há dúvida que o debate propriamente dito encontra-se nos textos dos organizadores. Badiou reitera a critica a idéia de que o capitalismo seja o modelo de emancipação histórica para a humanidade inteira. Quer retomar o conceito do ponto de vista filosófico, afirmativo, como campo de construção de um projeto social. Na “Idéia do Comunismo “, que dá título à obra, afirma Badiou, estão presentes três elementos primitivos: o componente político, o histórico e o subjetivo. Após analisar cada um desses elementos, Badiou conclui pela necessidade de ressignificar a idéia de Comunismo, opinião que é compartilhada por Zizek, por sua vez, no texto que encerra a coletânea. Partindo uma história de Franz Kafka, sobre Joséphine, a cantora, faz da sua análise uma metáfora da trajetória comunista, por um lado, e por outro, recolhe das perspectivas de Hannah Arendt, Habermas e Horkheimer a necessidade de relocalizar, na cultura comunista, o significado das atitudes subjetivas mais intimas.
Para os autores, ainda é preciso da idéia do comunismo para se viver “não vejo qualquer outro", diz Badiou. E mais "Se temos de abandonar essa hipótese, então já não vale a pena fazer qualquer coisa no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa idéia, não há nada no histórico e político a tornar-se de qualquer interesse para um filósofo.” A razão, para Badiou, é que somente no comunismo podemos defender uma idéia de igualdade pura. Sempre haverá espaço para pensar na idéia de comunismo enquanto estivermos lutando contra a injustiça, e provavelmente, fazendo a crítica do Estado. O livro tem mérito. Mesmo sem oferecer uma agenda política imediata, ele é um elemento importante para todos os homens de ação. A idéia central é que não há emancipação política sem filosofia, e nesse sentido, o comunismo, ao estabelecer a igualdade como um padrão para políticas que possam vir a surgir, ajuda a diferenciar as más das boas políticas. Que os autores retornem a Marx e Hegel, o fazem na busca de um pensamento dialético para a construção de um novo projeto político. Para Zizek, não há mais dúvidas de que o Capital se tornou nossa vida real, e para ele vale a máxima de Lênin “Começar, desde o inicio, uma e outra vez”.
L'idée de communism quer construir um ponto de partida para a esquerda no século XXI. Como se sabe, a década de noventa representou uma derrotas para a esquerda mundial. Políticas sociais dos estados de bem-estar social retrocederam, a integração das economias socialistas ao mundo capitalista e a regressão dos movimentos de emancipação do terceiro mundo parecem sinalizar que o tempo da emancipação política radical chegou ao fim. Mas não é bem isto que vêem os autores da coletânea. Para eles a ideia do capitalismo liberal como a nova ordem natural sofreu reveses com os ataques de 11 de setembro e a crise financeira de 2008 e, por esta razão, a necessidade de repensar os fundamentos da emancipação política nunca foram tão atuais.
A primeira conclusão dos autores é que a esquerda como proposta de partido estalinista está enterrada. E também a nova esquerda, como se apresenta hoje a dita democrática, apenas propõe a reforma do sistema de pensamento, o que não é suficiente se não se pensar em reformar a estrutura da democracia representativa. É preciso outra esquerda que busque no que resta do comunismo, no horizonte de projetos de emancipação radical, os conceitos para orientar suas pesquisas e a ferramenta para expor seus fracassos políticos – da própria esquerda- para construir novas perspectivas para a ação. Esta discussão abre, sem dúvida, um campo de possibilidades políticas, o que faz seus autores valorizarem ainda mais o comunismo como conceito filosófico.
Esta forma de colocar o tema do comunismo surgiu primeiro com Alain Badiou, em sua duas de suas últimas obras “L’hipothese comunist “(Lignes, 2009) e “De quoi Sarkozy est-il le nom” (Lignes, 2007) onde o autor, desejando enumerar alguns princípios básicos para ação política, defende a idéia de que não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social já que a economia de mercado produz uma democracia atrofiada onde persistem as desigualdades indesejáveis. Para Badiou e Zizek, aceitamos com muita naturalidade que o capitalismo é nosso destino final: precisamos nos revoltar com o disperdício irracional de recursos, com o valor econômico dado às guerras, etc, etc. Para os autores, e aí está uma questão polêmica da obra, se as experiências reais comunistas foram sangrentas, não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo, em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. A situação dos povos africanos e asiáticos é apenas um exemplo.
Quando o Seminário de que trata o livro foi realizado, em 2009, o Jornal The Guardian chamou a atenção para o fato de que se tratava de um evento mais “quente” que um jogo de futebol ou o show de uma cantora pop. A descrição tinha sua razão de ser. Realizada na Universidade de Birkbeck, em Londres, atraiu participantes de todos os continentes, Estados Unidos, da América Latina, África e Austrália, que foram ouvir os grandes pensadores de esquerda. Todos queriam respostas para seus problemas práticos, mas só ouviram dos organizadores que que tratava-se de “uma reunião de filósofos que ia lidar com o comunismo como um conceito filosófico, defendendo uma tese precisa e forte: a partir de Platão, o comunismo é a única ideia política digna de um filósofo."
Que à época houvessem tantos interessados em discutir a teoria do comunismo, é indicador da importância que o tema tem para a esquerda. Convite a pensar que mantém inquestionável o valor da obra. Terry Eagleton parte do Rei Lear, de Shakespeare, para mostrar o valor da utopia, comparando a todo o momento com os Grundrisse, de Marx; Michel Hardt faz a crítica das estratégias neoliberais de privatização de indústrias para retomar, mais adiante, o conceito de propriedade comum tão caro ao marxismo; Tony Negri retoma os pressupostos do materialismo histórico que dizem que a história é a história da luta de classes para descobrir o valor da ética de esquerda baseada no valor do comum; Jacques Rancière, retoma da hipótese comunista de Alain Badiou para reforçar o valor de emancipação humana contida no conceito de comunista, bem diferente da ressignificação que o levou a ser tratado como um “monstro” do passado; Gianni Vattimo, num texto curto, enumera nove teses entre as quais a idéia paradoxal que em realidade, capitalismo e comunismo padecem da mesma dissolução metafísica, aproximando-se pelos seus sucessivos fracassos semelhantes. Os demais autores, integrantes da coletânea, ainda contribuem com suas análises específicas: Susan Morss, Peter Hallward, Jean Luc-Nancy, Alessandro Russo e Alberto Toscano tratam desde as formas do comunismo até a filosofia e a revolução cultural sob o regime. Talvez a curiosidade seja a presença de Minqi Li e Wang Hui, que apresentam as visões do extremo oriente, em especial sobre os acontecimentos recentes na China – faz falta aqui um breve resumo do currículo dos autores, tão comum em coletâneas do gênero.
Não há dúvida que o debate propriamente dito encontra-se nos textos dos organizadores. Badiou reitera a critica a idéia de que o capitalismo seja o modelo de emancipação histórica para a humanidade inteira. Quer retomar o conceito do ponto de vista filosófico, afirmativo, como campo de construção de um projeto social. Na “Idéia do Comunismo “, que dá título à obra, afirma Badiou, estão presentes três elementos primitivos: o componente político, o histórico e o subjetivo. Após analisar cada um desses elementos, Badiou conclui pela necessidade de ressignificar a idéia de Comunismo, opinião que é compartilhada por Zizek, por sua vez, no texto que encerra a coletânea. Partindo uma história de Franz Kafka, sobre Joséphine, a cantora, faz da sua análise uma metáfora da trajetória comunista, por um lado, e por outro, recolhe das perspectivas de Hannah Arendt, Habermas e Horkheimer a necessidade de relocalizar, na cultura comunista, o significado das atitudes subjetivas mais intimas.
Para os autores, ainda é preciso da idéia do comunismo para se viver “não vejo qualquer outro", diz Badiou. E mais "Se temos de abandonar essa hipótese, então já não vale a pena fazer qualquer coisa no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa idéia, não há nada no histórico e político a tornar-se de qualquer interesse para um filósofo.” A razão, para Badiou, é que somente no comunismo podemos defender uma idéia de igualdade pura. Sempre haverá espaço para pensar na idéia de comunismo enquanto estivermos lutando contra a injustiça, e provavelmente, fazendo a crítica do Estado. O livro tem mérito. Mesmo sem oferecer uma agenda política imediata, ele é um elemento importante para todos os homens de ação. A idéia central é que não há emancipação política sem filosofia, e nesse sentido, o comunismo, ao estabelecer a igualdade como um padrão para políticas que possam vir a surgir, ajuda a diferenciar as más das boas políticas. Que os autores retornem a Marx e Hegel, o fazem na busca de um pensamento dialético para a construção de um novo projeto político. Para Zizek, não há mais dúvidas de que o Capital se tornou nossa vida real, e para ele vale a máxima de Lênin “Começar, desde o inicio, uma e outra vez”.