sábado, 2 de outubro de 2010

Museus e a Harmonia Social

"Não existe nada pior do que alguém querendo fazer o bem, principalmente o bem aos outros" Michel Maffesoli, A Parte do Diabo

Custódio é um dos grandes profissionais da memória do Rio Grande do Sul e tem todo o nosso respeito e admiração, mas não posso deixar de manifestar estranheza pela publicação de “Os museus e a harmonia social” (ZH, 18/05). A razão é simples: em sua base, o conceito de harmonia é puramente Funcionalista - o tema agrada aos ouvidos mas há tempos foi superado pelas Ciências Sociais. Ver como tema escolhido pelo Conselho Internacional de Museus só pode ser um equivoco, já que poucos resultados pode dar na prática. Senão vejamos.

Ligada ao sociólogo Talcott Parsons, na concepção Funcionalista a sociedade é um organismo estável. Desenvolvida entre a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, desde os anos 60 começou a ser alvo de críticas, principalmente por aqueles que viam que o Funcionalismo promovia medidas ineficazes de mudança social. Além disso, o Funcionalismo é criticado por descrever instituições sociais apenas por seus efeitos e, dessa forma, não explicar suas causas.

E cá entre nós, a China não parece ser a melhor conselheira em termos de memória. Sinônimo de gigantismo e força, explora milhões de trabalhadores em suas manufaturas que trabalham sem parar. O Partido Comunista Chinês faz duras restrições aos jornalistas estrangeiros, defende uma memória oficial e o acesso a Internet e trasmissões da CNN e BBC chegaram a ser interrompidas no país. Apoiou o Sudão, fornecedor de petróleo a Pequim e acusado de matar milhares de pessoas em Darfur. Defender políticas para a memória, em definitivo, não é com eles.

Melhor do que falar de harmonia, como sugere a Teoria do Consenso, seria falar em termos de Teoria do Conflito. Desde Marx de Ideologia Alemã, temos a idéia de que para chegarmos a sociedade ideal devemos enfrentar os conflitos e desmascarar as ideologias. Frente ao processo galopante de produção do esquecimento, caracteristicos de nossa época, o melhor seria falar como Andréas Huyssein em “direito à memória”. Além disso, defender a idéia de que no Brasil a impera a miscigenação racial é outra forma de repetir a idéia de “cadinho da cultura”, divulgado por Gilberto Freire: nada mais sem conflitos!

Os museus tem um compromisso com o entendimento da realidade sim, mas esta, não é repleta de flores. Em seu âmago encontra-se a lógica do capital, explicitada em detalhes por Robert Kurz e Slavoj Zizek, que em tempos de globalização, não cessa de se expandir. No Dia Internanacional dos Museus, o que as instituições de memória e seus profissionais devem fazer, se quiserem de fato contribuir para a construção de uma sociedade melhor, é denunciar através de seu trabalho os conflitos e contradições que estão diante de seus olhos, e não lutar por uma suposta “harmonia social”. Que os agentes de memória devam encarar seriamente a questão de sua responsabilidade na crítica social, é o mínimo que se espera neste inicio do século XXI.

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