quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ultimo livro de Zizek e Badiou, L'idee de comunism

A publicação de L’idée du comunism (Lignes, 2010), coletânea das conferências realizadas em Londres em 2009 e publicada recentemente na França reacendeu o debate sobre o mais genuíno pensamento de esquerda. Organizado por Slavoj Zizek e Alain Badiou, a obra é organizada em 16 capítulos entregues a fina flor da intelectualidade.Zizek é o famoso filosófo e crítico cultural esloveno, conhecido por sua leitura lacaniana da cultura popular. Na verdade, há um primeiro Zizek mais voltado para a psicanálise e o cinema, e um segundo Zizek, ainda praticamente desconhecido, voltado para uma prática da análise política propriamente dita - provavelmente reforçada por sua fracassada candidatura à Presidente da Eslovênia. Badiou também é um leitor de Lacan, mas a isto se acrescenta Nietzsche e toda a vivência do Maio de 68 francês que o transformaram num dos mais atuais analistas revolucionários, ou como prefere Badiou, apenas alguém que deseja mostrar o potencial de inovação e transformação de cada situação. Para Yannis Stavrakakis, em Una esquerda lacaniana(FCE,2010, já esgotado), o mérito de desde novo lacano-marxismo é questionar, em curto-circuito, os pressupostos de funcionamento do Capital.

L'idée de communism quer construir um ponto de partida para a esquerda no século XXI. Como se sabe, a década de noventa representou uma derrotas para a esquerda mundial. Políticas sociais dos estados de bem-estar social retrocederam, a integração das economias socialistas ao mundo capitalista e a regressão dos movimentos de emancipação do terceiro mundo parecem sinalizar que o tempo da emancipação política radical chegou ao fim. Mas não é bem isto que vêem os autores da coletânea. Para eles a ideia do capitalismo liberal como a nova ordem natural sofreu reveses com os ataques de 11 de setembro e a crise financeira de 2008 e, por esta razão, a necessidade de repensar os fundamentos da emancipação política nunca foram tão atuais.

A primeira conclusão dos autores é que a esquerda como proposta de partido estalinista está enterrada. E também a nova esquerda, como se apresenta hoje a dita democrática, apenas propõe a reforma do sistema de pensamento, o que não é suficiente se não se pensar em reformar a estrutura da democracia representativa. É preciso outra esquerda que busque no que resta do comunismo, no horizonte de projetos de emancipação radical, os conceitos para orientar suas pesquisas e a ferramenta para expor seus fracassos políticos – da própria esquerda- para construir novas perspectivas para a ação. Esta discussão abre, sem dúvida, um campo de possibilidades políticas, o que faz seus autores valorizarem ainda mais o comunismo como conceito filosófico.

Esta forma de colocar o tema do comunismo surgiu primeiro com Alain Badiou, em sua duas de suas últimas obras “L’hipothese comunist “(Lignes, 2009) e “De quoi Sarkozy est-il le nom” (Lignes, 2007) onde o autor, desejando enumerar alguns princípios básicos para ação política, defende a idéia de que não podemos confiar nas empresas para produzir solidariedade social já que a economia de mercado produz uma democracia atrofiada onde persistem as desigualdades indesejáveis. Para Badiou e Zizek, aceitamos com muita naturalidade que o capitalismo é nosso destino final: precisamos nos revoltar com o disperdício irracional de recursos, com o valor econômico dado às guerras, etc, etc. Para os autores, e aí está uma questão polêmica da obra, se as experiências reais comunistas foram sangrentas, não podem ser comparadas aos massacres levados a efeito pelo capitalismo, em sua fúria predatória pelo mundo inteiro. A situação dos povos africanos e asiáticos é apenas um exemplo.

Quando o Seminário de que trata o livro foi realizado, em 2009, o Jornal The Guardian chamou a atenção para o fato de que se tratava de um evento mais “quente” que um jogo de futebol ou o show de uma cantora pop. A descrição tinha sua razão de ser. Realizada na Universidade de Birkbeck, em Londres, atraiu participantes de todos os continentes, Estados Unidos, da América Latina, África e Austrália, que foram ouvir os grandes pensadores de esquerda. Todos queriam respostas para seus problemas práticos, mas só ouviram dos organizadores que que tratava-se de “uma reunião de filósofos que ia lidar com o comunismo como um conceito filosófico, defendendo uma tese precisa e forte: a partir de Platão, o comunismo é a única ideia política digna de um filósofo."

Que à época houvessem tantos interessados em discutir a teoria do comunismo, é indicador da importância que o tema tem para a esquerda. Convite a pensar que mantém inquestionável o valor da obra. Terry Eagleton parte do Rei Lear, de Shakespeare, para mostrar o valor da utopia, comparando a todo o momento com os Grundrisse, de Marx; Michel Hardt faz a crítica das estratégias neoliberais de privatização de indústrias para retomar, mais adiante, o conceito de propriedade comum tão caro ao marxismo; Tony Negri retoma os pressupostos do materialismo histórico que dizem que a história é a história da luta de classes para descobrir o valor da ética de esquerda baseada no valor do comum; Jacques Rancière, retoma da hipótese comunista de Alain Badiou para reforçar o valor de emancipação humana contida no conceito de comunista, bem diferente da ressignificação que o levou a ser tratado como um “monstro” do passado; Gianni Vattimo, num texto curto, enumera nove teses entre as quais a idéia paradoxal que em realidade, capitalismo e comunismo padecem da mesma dissolução metafísica, aproximando-se pelos seus sucessivos fracassos semelhantes. Os demais autores, integrantes da coletânea, ainda contribuem com suas análises específicas: Susan Morss, Peter Hallward, Jean Luc-Nancy, Alessandro Russo e Alberto Toscano tratam desde as formas do comunismo até a filosofia e a revolução cultural sob o regime. Talvez a curiosidade seja a presença de Minqi Li e Wang Hui, que apresentam as visões do extremo oriente, em especial sobre os acontecimentos recentes na China – faz falta aqui um breve resumo do currículo dos autores, tão comum em coletâneas do gênero.

Não há dúvida que o debate propriamente dito encontra-se nos textos dos organizadores. Badiou reitera a critica a idéia de que o capitalismo seja o modelo de emancipação histórica para a humanidade inteira. Quer retomar o conceito do ponto de vista filosófico, afirmativo, como campo de construção de um projeto social. Na “Idéia do Comunismo “, que dá título à obra, afirma Badiou, estão presentes três elementos primitivos: o componente político, o histórico e o subjetivo. Após analisar cada um desses elementos, Badiou conclui pela necessidade de ressignificar a idéia de Comunismo, opinião que é compartilhada por Zizek, por sua vez, no texto que encerra a coletânea. Partindo uma história de Franz Kafka, sobre Joséphine, a cantora, faz da sua análise uma metáfora da trajetória comunista, por um lado, e por outro, recolhe das perspectivas de Hannah Arendt, Habermas e Horkheimer a necessidade de relocalizar, na cultura comunista, o significado das atitudes subjetivas mais intimas.

Para os autores, ainda é preciso da idéia do comunismo para se viver “não vejo qualquer outro", diz Badiou. E mais "Se temos de abandonar essa hipótese, então já não vale a pena fazer qualquer coisa no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa idéia, não há nada no histórico e político a tornar-se de qualquer interesse para um filósofo.” A razão, para Badiou, é que somente no comunismo podemos defender uma idéia de igualdade pura. Sempre haverá espaço para pensar na idéia de comunismo enquanto estivermos lutando contra a injustiça, e provavelmente, fazendo a crítica do Estado. O livro tem mérito. Mesmo sem oferecer uma agenda política imediata, ele é um elemento importante para todos os homens de ação. A idéia central é que não há emancipação política sem filosofia, e nesse sentido, o comunismo, ao estabelecer a igualdade como um padrão para políticas que possam vir a surgir, ajuda a diferenciar as más das boas políticas. Que os autores retornem a Marx e Hegel, o fazem na busca de um pensamento dialético para a construção de um novo projeto político. Para Zizek, não há mais dúvidas de que o Capital se tornou nossa vida real, e para ele vale a máxima de Lênin “Começar, desde o inicio, uma e outra vez”.

domingo, 23 de maio de 2010

Capitalismo Parasitário

A atual expansão do crédito para aquisição de imóveis e automóveis é um indicador da voracidade do capitalismo em buscar novos horizontes de expansão. De fato, não há símbolo maior da ganância do capitalismo do que o cartão de crédito.Antigamente, quando queria-se algo mas não se tinha dinheiro para pagar, a solução era apertar o cinco, poupar, economizar na caderneta de poupança, numa paciência de Jô.

Mas aí o bancos tiveram uma grande idéia, a do cartão de crédito, pelo qual é possível inverter a ordem do mundo: desfrutar agora para pagar depois e caímos nela, já que a promessa de que era possível não adiar a realização dos desejos é simplesmente impossível de resistir. O preço é pesado, já que, de fato, sempre chega a hora de pagar.
Até aí, a história é conhecida por todos. Mas eis que Zigmund Bauman, em Capitalismo Parasitário (Zahar), lembra que não é do interesse do emprestador que o lucro se realize apenas uma vez com cada cliente. Ao contrário. As dívidas devem ser transformadas em fonte permanente de lucro. Fazer mais e mais endividados em crédito, garantir a reprodução de pessoas endividadas, eis o que é parasitário no capitalismo: a expansão do crédito. “A ausência de débitos não é o estado ideal.Os bancos credores realmente não querem que seus devedores paguem suas dívidas. Se eles pagassem com diligência os seus débitos, não seriam mais devedores”.


A clareza de Bauman, presente em seus escritos, renova-se aqui em Capitalismo Parasitário. Bauman revela o novo pesadelo do capitalismo: o cliente que paga seus débitos. Incrivel a inversão, saímos de uma sociedade calvinista, praticamente organizada em uma agenda de recursos, para outra no qual o que mais importa é a disfunsão do sistema financeiro - não pagar agora, para pagar mais juros depois; não sair das dividas, mas ser atraido para elas a cada instante. E eis você de novo, no shopping, entulhado-se no cartão. E, aí, Bauman, leitor de Bourdieu, afirma que para isso é preciso cultivar hábitos, como acostumar as pessoas a gastar dinheiro que ainda não ganharam, manter a dívida no “rotativo”, pagando apenas uma parte e refinanciando a diferença. Se você tiver alguma poupança, será convidado a pedir empréstimos como uma ‘vantagem a mais”.

Quando vemos bancos oferecerem crédito aos jovens, dito "cartão universitario" vemos a ponta de um perigo. Como no filme Matriz, é a nova colheita que se prepara, criar uma raça de devedores eternos, perpetuando-se o “estar endividado”, como assinala Baumann. Deve ser parte de uma educação financeira, não lidar com o cartão de crédito, como muitos programas propõem, mas justamente evita-lo a a exaustão. Se o capital começar tiver sucesso em endividar em sua fúria os mais jovens, estaremos entrando num campo perigoso, pois eles também são a futura elite política. Para os governantes, deve ficar a lição de que mais crédito, ou produção de indivíduos individados, não é sinônimo de prosperidade econômica e democracia.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

15 minutos de Luc Ferry

O Seminário promovido pla Unimed Pensar, um ato político, trouxe a Porto Alegre o filósofo Luc Ferry. Toda vez que temos a oportunidade de estar diante de um pensador de nosso tempo, ficamos maravilhados. Não há sensação maior do que aquela que diz que você está convivendo um momomento único, não pelo conteúdo da palestra, que é envolvente, mas pelo fato de que você estar aí, diante de um pensador de sua época. Se eu tivesse vivido na antiguidade, gostaria de ter visto pelo menos uma vez Aristóteles; na idade média, Santo Agostinho e por aí afora.

Existe um sentimento de compartilhamento do mundo com algúem que está pensando sua natureza neste exato momento de forma brilhante. Não, você não está apenas lendo uma obra de Marx, já morto há tanto tempo e que não convive com o seu mundo. Você está diante de alguém que é capaz de refletir com profundidade sobre os mesmos temas que o afligem e que o faz de uma maneira que não pode ser imitada. Você está deslumbrado.

Pois por tudo isso valeu meus quinze minutos de Luc Ferry. É verdade. Você planeja ver o seminário inteiro, combina tudo o que pode, e quando vê, como no anjo de Walter Benjamim, você é arrastado pela tormenta que sopra do paraiso - na verdade não é o paraiso, é o seu emprego - pois você precisa trabalhar, diferente de Ferry, que é pago para pensar e viajar. Você, após muito sacrificio, consegue resolver tudo aquilo que pedem para você resolver e consegue finalmente ir para ver o seu palestrante, e só fica 15 minutos.

Fiquei somente 15 minutos porque a vida não é bem sucedida para todos, ao contrário do título de uma obra célebre de Ferry. Se fosse, uma série de obrigações que ultrapassam o âmbito do trabalho e que você precisa também resolver poderiam ser resolvidos por outro. Mas você sabe que outro compromisso o está esperando e você só terá tempo de enfrentar novamente o próximo engarramento para resolve-lo. Tudo é calculado. Tempos modernos. Aceito isso.

Mesmo o sacrificio de sair do emprego para ver apenas 15 minutos de Ferry vale apena. Porque ele é sábio. Porque seus exemplos são simples. A diferença entre moral e espiritualidade. Pronto, fui lá para apenas saber isso, enquanto que centenas de outros convidados puderam ver em detalhe o significado do mito de Ulissses, porque por uma série de razões, não vivem no emaranhado de obrigações . Como se liberta disse? Para mim 15 minutos já estava ótimo, reconhecer que existem campos espirituais que não tem nada a ver com religião, dimensões de valores que encontram seu melhor exemplo nos mitos antigos, como o exemplo do Pomo da Discórdia. Veja só, um pomo magnifico disputado por três deusas, um simbolo da capacidade de revelar a vaidade humcana, lembraça de que os mitos gregos ainda tem muito para nos ensinar, ou o papel futil de nossas vaidades frente as escolhas morais ou verdadeiras do ser. Pois uma filosofia boa é uma filosofia que também serve para a vida, ensina Ferry.
Não há problema em ver apenas 15 minutos. Ferry sempre estará por perto quando eu abrir e ler um livro seu.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cracknet


As máquinas técnicas funcionam, evidentemente,
com a condição de não serem estragadas.
As máquinas desejantes, ao contrário, não
cessam de se estragar funcionando; só funcionam
quando estragadas
Gilles Deleuze e Felix Guattari, Anti-édipo.


Eu estava assistindo o documentário Geração Internet, do canal GNT quando me veio a cabeça a palavra cracknet, que evidente, querido leitor, não existe. Mas Deleuze diz que a filosofia é a arte de inventar conceitos e então mãos a empreitada. O documentário tratava da atual dependência dos jovens da internet, verdadeira epidemia de nosso tempo. Descrevendo a geração internet, mostrava milhares de jovens cujos hábitus (Bourdieu) envolvem o fato de não se desgrudar da tela do computador e cujas conseqüências iniciam na familia com o distanciamento das relações com os pais – como no pai que tem de passar um e-mail para chamar a atenção do filho até o ambiente escolar, onde jovens reconhecem que nunca tinham lido um livro sequer mas abusavam do uso de sites de resumo para realizar os trabalhos de aula.

A geração internet é composta por estudantes que saem da sala de aula para entrar em salas de bate-papo, chats e comunidades do Facebook. Nesse novo universo jovem, “perfis” são as formas de construção de identidades no mundo virtual, e nos termos de Baudrillard, encarnam a realidade do “duplo”, obsessão simbólica da humanidade que persiste em ser personagem de novela. O problema é que estes “Duplo” os substituem na mesma inexorável lógica capitalista – amigos são acumulados a exaustão, compara-se quem tem mais comentários, etc, etc. Diz uma moça a certa altura:“É viciante”. No mundo virtual em que se busca ter mais amigos, o que é paradoxal é que na maioria das vezes, tais amigos são em realidade – não amigos, totalmente desconhecidos – e esse “nada” do sentimento é o espelho da própria sociedade. Nesse universo que pretende de alguma forma substituir o real, pais vêem seus próprios filhos trancados em quartos, preferindo discutir/expor seus problemas na internet do que com a família.

Como no mundo real, no mundo virtual há espaço para muita violência. Nesses sites, jovens trocam insultos, deixam comentários nas páginas uns dos outros, brigam virtualmente. Válvula de escape virtual de uma violência real ou acelerador virtual de uma violência real? No mínimo, violência mediada pela imagem da violência, onde os jovens revelam o prazer de filmar cenas de humilhação para em instantes posta-las no You Tube. Nesse mundo, jovens tem relacionamentos no mundo virtual que não teriam no mundo real, negando as teses de Michel Maffesoli, da internet como terreno fértil da sociabilidade juvenil contemporânea.

A imagem que vem a mente é a do filme Matrix, no detalhe da conexão técnica da máquina e do ser humano e que parece vir a toda. Estamos conectados ao computador, mas o que significa isso? Existe uma passagem em que Deleuze dizia que com a criação do automóvel, criamos outra coisa, o homem-máquina, interrelação misteriosa em que a máquina parecer ser parte de nós e nós da máquina. É que não nos damos conta de que nesta operação, automatizada, também transformamo-nos. E quando esta máquina é o computador, o que significa? Diz outra jovem ”Já faz parte da minha vida”. Absorção perigosa e a preocupação de educadores é como educar na era onde só a internet tem sentido.

Não há como negar que a emergência da internet transformou os modos de vida. Esse mundo não vai sumir, mas é perigoso quando jovens preferem o mundo virtual ao mundo real. Talvez uma forma de assumir um distanciamento disso tudo seja ver a expansão da internet como um elemento a serviço da ideologia da democracia liberal capitalista global, a maneira das análises de Slavoj Zizek. O capitalismo, ao nos apresentar o mundo virtual como um espaço “público”, nos apresenta uma realidade fantasmagórica assimilável dizendo o que podemos ou devemos fazer. O social é insuportável? então vá para o virtual. A internet é uma realidade fantasmática, e em termos zizekianos, o mais perigoso dela é que ela dá a incrível sensação de que a vida torna-se suportável “pois há escolhas a serem feitas”, diz . O ardil ideológico da internet é manter a realidade a uma certa distância, revelando que o que está em jogo justamente são os aspectos traumáticos da realidade que são representados pelo encontro com o outro.

Assim, o vício em internet, ou aqui cracknet - vamos pensar por um instante que este conceito seja possível - torna-se assim tão perigoso quanto o vicio em crack real, objeto de tantas campanhas. O cracknet domina de forma tão intensa o cérebro que torna-se impossível deixar de ler e-mails ou acessar sua conta; e é essa sensação imensa de euforia que a conexão com a internet possibilita que a torna perigosa: quando você se afasta dela, você fica com a urgência de retornar a ela? Sinto, então você já é um viciado.Internet vicia como crack? De certa forma sim, mas não do ponto de vista da produção de alucinações, simplesmente porque ela própria já é a alucinação em si. E o fato de que o usuário de internet não sentir prazer por outros aspectos da vida, reforça o fato de se transformar em vicio. Como assinala Zizek, trata-se de mais um elemento naquilo que ele denomina de “lógica inexorável do capital”, a construção da prisão que governa a vida. Longe de ser somente o abismo de liberdade que promete a internet, ela também é o abismo da desintegração do outro e de si mesmo.

Marc Auge formulou um conceito que identifica a internet: é um não-lugar. O não lugar opõe-se noção antropológica de lugar. Para Mauss, o lugar é o que define nossa natureza, como o lugar que o antropólogo visa estudar, o lugar do nativo, lugar de vida, de celebração da existência, lugar de seus descendentes. Lugar é sempre principio de sentido.” Nesse sentido, a famílía, por exemplo, é um lugar, solo que ajuda a compor a identidade individual, espaço de compartilhamento de referências e vivência de sua própria história. A internet é um não lugar não porque é virtual, mas por sua provisioridade e efemeridade. Para Auge, são lugares comprometidos com o transitório e com a solidão. No mundo caracteriza do pelo excesso (Baudrillard), a internet apresentase como não lugar fugidio, que merece ser estudado, mas não como algo natural, ao contrário, como lugar repleto de contradições e complexidades.

Zizek afirma que durante séculos a igreja teve papel fundamental nos destinos humanos preenchendo todas as ações, atos e desejos de sentido da humanidade. Detendo o significado da vida e do mundo, Zizek diz que a religião era o Significante Mestre e que com o advento da modernidade, perdeu seu espaço. A sociedade capitalista atual implora por um Significante Mestre que o substitua o anterior. Que nosso fascínio pela internet corresponda a um momento desta procura, parece óbvio, mas a verdade é que somente novos pontos de vista sobre a realidade que providenciem consistência a nossa experiência de significado podem ser levados em consideração. Diz Teles em O capitalismo e suas patologias: “o Capitalismo proclama, vende, produz uma ideia de globalização de seres ligados e interagindo entre todos no mundo inteiro, as pessoas, os sujeitos cada vez menos estão “ligados”, interligados numa mesma sintonia de pensamento, crenças, sonhos, ideais. É certo que, sempre houve na história pessoas e pessoas em determinado tempo, no entanto, nunca houve tamanho desencontro de pessoas.” É esse efeito que o vicio em internet, cracknet, termina por ocultar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

DIa Internacional dos Museus III

"Não existe nada pior do que alguém querendo fazer o bem, principalmente o bem aos outros" Michel Maffesoli, A Parte do Diabo

Custódio é um dos grandes profissionais da memória do Rio Grande do Sul e tem todo o nosso respeito e admiração, mas não posso deixar de manifestar estranheza pela publicação de “Os museus e a harmonia social” (ZH, 18/05). A razão é simples: em sua base, o conceito de harmonia é puramente Funcionalista - o tema agrada aos ouvidos mas há tempos foi superado pelas Ciências Sociais. Ver como tema escolhido pelo Conselho Internacional de Museus só pode ser um equivoco, já que poucos resultados pode dar na prática. Senão vejamos.

Ligada ao sociólogo Talcott Parsons, na concepção Funcionalista a sociedade é um organismo estável. Desenvolvida entre a II Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, desde os anos 60 começou a ser alvo de críticas, principalmente por aqueles que viam que o Funcionalismo promovia medidas ineficazes de mudança social. Além disso, o Funcionalismo é criticado por descrever instituições sociais apenas por seus efeitos e, dessa forma, não explicar suas causas.

E cá entre nós, a China não parece ser a melhor conselheira em termos de memória. Sinônimo de gigantismo e força, explora milhões de trabalhadores em suas manufaturas que trabalham sem parar. O Partido Comunista Chinês faz duras restrições aos jornalistas estrangeiros, defende uma memória oficial e o acesso a Internet e trasmissões da CNN e BBC chegaram a ser interrompidas no país. Apoiou o Sudão, fornecedor de petróleo a Pequim e acusado de matar milhares de pessoas em Darfur. Defender políticas para a memória, em definitivo, não é com eles.

Melhor do que falar de harmonia, como sugere a Teoria do Consenso, seria falar em termos de Teoria do Conflito. Desde Marx de Ideologia Alemã, temos a idéia de que para chegarmos a sociedade ideal devemos enfrentar os conflitos e desmascarar as ideologias. Frente ao processo galopante de produção do esquecimento, caracteristicos de nossa época, o melhor seria falar como Andréas Huyssein em “direito à memória”. Além disso, defender a idéia de que no Brasil a impera a miscigenação racial é outra forma de repetir a idéia de “cadinho da cultura”, divulgado por Gilberto Freire: nada mais sem conflitos!

Os museus tem um compromisso com o entendimento da realidade sim, mas esta, não é repleta de flores. Em seu âmago encontra-se a lógica do capital, explicitada em detalhes por Robert Kurz e Slavoj Zizek, que em tempos de globalização, não cessa de se expandir. No Dia Internanacional dos Museus, o que as instituições de memória e seus profissionais devem fazer, se quiserem de fato contribuir para a construção de uma sociedade melhor, é denunciar através de seu trabalho os conflitos e contradições que estão diante de seus olhos, e não lutar por uma suposta “harmonia social”. Que os agentes de memória devam encarar seriamente a questão de sua responsabilidade na crítica social, é o mínimo que se espera neste inicio do século XXI.

O Dia Internacional dos Museus II

As vésperas de mais um Dia Internacional dos Museus, vem do Memorial do Rio Grande do Sul o exemplo de mais um desserviço à cultura. Como se sabe, a recente saída do Prof. Voltaire Schilling da direção da instituição provocou uma grande repercussão. A indicação do competente César Prestes para a Secretaria da Cultura não tem outra função se não a de conter os ânimos do meio cultural, mostrando a sensibilidade da governadora-candidata com a área cultural, contornando politicamente o estrago feito pela ex-Secretária da Cultura Mônica Leal.

O problema é que logo após a saída de Voltaire Schilling, poucos se deram conta de que o site na Internet do Memorial do Rio Grande do Sul saiu do ar para reformas. Agora novamente no ar (
www.memorial.rs.gov.br) pode-se ver o que significa a expressão violência simbólica, tal como a propõe Slavoj Zizek: foram retirados todos os mais de quarenta Cadernos de História, acervo inestimável de pesquisa que então estavam disponibilizados para consulta e reprodução. Trabalho original de toda a gestão de Voltaire Schilling no Memorial do RS, com autores consagrados do Rio Grande do Sul, foram simplesmente deletados! É surpreendente: um Memorial que apaga a sua memória!

O ato impõe uma reflexão neste Dia Internacional dos Museus. No mundo virtual, capaz de disseminar acervos para o mundo inteiro, pode-se eliminar em um piscar de olhos documentos. Está na hora dos museólogos e profissionais da memória darem-se conta do imenso poder de preservação e aniquilmento da memória que o uso da internet possibilita: se por um lado um trabalho exaustivo disponibiliza uma grande quantidade de documentos, gestos simples podem deletar em instantes acervos públicos. É disto que se trata: de quem é a responsabilidade pela manutenção virtual de nossos acervos digitais? Continuaremos a deixar nas mãos dos políticos de plantão o destino dos acervos e documentos virtuais ou seremos capazes de cobrar responsabilidades ?

O exemplo do Memorial do Rio Grande do Sul, é claro, reflete mais uma vez as lutas políticas no interior da Secretaria da Cultura e a sua necessidade de apagamento dos méritos da gestão anterior. A Secretária não gostou dos Cadernos, então tirem-nos do ar, eis o nosso equivalente jacobino de cortar as cabeças. Nada mais ditatorial!. E o público que acessava os documentos, como fica cara pálida?

O que resta a fazer neste Dia Internacional dos Museus? A primeira é que as entidades da memória devem se posicionar: a retirada de acervos virtuais deve ser considerada um crime, é roubo de um bem de uso coletivo. Quem coloca acervos no ar é responsável pela sua manutenção. A segunda é que não devemos permitir que as novas tecnologias continuem a servir os ditadores de plantão em nome do apagamento da memória. Estes fatos mostram que estamos diante do Crime Perfeito, o assassinato da memória sem a presença de pistas, um indicador da perversão dos tempos em que vivemos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Dia Internacional dos Museus

O Dia Internacional dos Museus deve servir para reflexão sobre os problemas que o avanço das novas tecnologias traz a preservação de acervos. Dados Ministério da Cultura mostram que mais da metade dos municípios brasileiros não possuem nenhum museu ou centro cultural e que 7 dos 27 estados do país concentram cerca de 60 por centro das bibliotecas. O acesso público de acervos hospedados em museus permite sua visualização através da Internet, mas ainda possui problemas. Para discutir este tema, especialistas do mundo inteiro reuniram-se de 25 a 29 de abril, em São Paulo, no Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais, organizado pelo Ministério da Cultura. Primeira constatação: é preciso não apenas colocar conteúdos em um site, mas organizá-los de maneira intercambiável por meio de plataformas de fácil indexação e consulta por parte do público. Segunda constatação: é preciso lutar pela implantação de um Plano Nacional para Acervos Digitais, que estabelecerá as linhas políticas para o desenvolvimento do setor.

A discussão é importante por dois aspectos. O primeiro é o técnico. Wikimédia da França e a Brasiliana da USP, são exemplos da grande vitalidade dos acervos digitais. Para isso, investimento em tecnologia e recursos humanos são as bases de boas políticas públicas de memória. Por outro lado, é importante refletir sobre uma política nacional de organização de acervos digitais quando o governo reflete sobre os limites atuais da legislação do direito autoral e a definição de seu plano nacional de banda larga, pois é elemento essencial do projeto de conhecimento estratégico do país.

O segundo é político. Às vésperas de mais um período eleitoral, não se admite o apagamento da memória promovido por sucessivos governos quando chegam ao poder e em todos os níveis. Frente ao custo dos processos complexos de produção de acervos digitais por cada governo, não se pode admitir, como vem ocorrendo desde a era Fernando Henrique Cardoso, que a cada nova eleição, o novo governo apague os acervos reunidos pela gestão anterior. Tem sido a praxe que discursos, documentos diversos, projetos, tudo aquilo que define a gestão anterior, desapareça dos sites oficiais sem a menor cerimônia. Tais documentos reivindicam aquilo que Andreas Huyssen chamou de “Direito à memória”. Sem discursos, planos de metas e ações de conhecimento do público, como poderemos saber como se comportam nossos governantes quando chegam ao poder?

O direito à memória é uma questão de política pública. A discussão sobre fazer com que a internet seja um aliado da preservação da memória e não esteja a serviço da má política deve ser o tema das discussões dos profissionais da área neste dia.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Confissões de um aspirante a resenhista

Num apartamento de dois quartos do bairro petrópolis, numa mesa de sala de jantar equipada com um notebook ultrapassado, outro homem de moleton surrado sentado em frete a uma pilha de livros tenta escrever mais uma resenha que será recusada novamente por vários editores. Ele não entende porque, apesar de seu esforço em reunir papéis e livros, poucas vezes consegue ter seus textos aprovados pelas redações dos jornais. Ele sequer imagina, se publicado, pedir pagamento por isso. Tem diante de si livros que acredita serem merecedores de resenhas; ao lado, uma série de e-mails de cadernos e suplementos culturais para quem enviar seus artigos.

Tudo em vão, praticamente não o publicam. Ele sabe que está no fim do túnel, já que se chegou aos 45 anos sem publicar nenhum livro, é porque provavelmente nunca conseguirá publicar um, mesmo que tenha textos suficientes para isso. Tem barriga adquirida por anos de postura errada e falta de exercícios, tempo que preferiu dedicar as resenhas que nunca chegaram a ser publicadas. Em qualquer outro pais, seria um resenhista de sucesso e suas resenhas seriam disputadas por editores, que enviariam livros para que resenhasse. Mas á vida de nosso homem não é assim. Teve o infortúnio de nascer no sul de um pais terceiro mundista – a concepção de terceiro mundo é polêmica, como já apontou em resenha de outras obras de ciências sociais que já não lhe vem mais a memória.

Recentemente – vamos contar isso como mais ou menos dois meses -teve um momento de sorte e viu publicado um artigo seu de opinião em um jornal, mesmo que, no mesmo período, houvesse enviado dez para a imprensa. Estava faceiro “publiquei um, estou no lucro! Pensava. Seu telefone nunca toca com um editor pedindo-lhe um artigo, ainda que este fosse seu sonho secreto. Olha pela janela e inveja aqueles resenhistas que recebem livros a granel – cada obra que consegue é pedida por doação. È que cada vez que deseja escrever um artigo que não será publicado, precisa se humilhar frente aos editores de plantão por um livro. A humilhação vem sob a forma de um carimbo, que é colocado no livro uma palavra impressa em letras garrafais: “cortesia”. Franceses e americanos não fazem isso. Quando você pede por e-mail uma obra, mesmo que por doação, a obra não tem as marcas da humilhação. No Brasil tem. Nossos editores fazem questão de humilhar sus resenhistas com um carimbo que lembra a marca daquele filme da Demi Moore - pensa nosso homem "como se chama mesmo?"

Que inveja do resenhista de Welles, capaz de receber dezenas de livros em sua porta, pacotes, imagina. Quando nosso resenhista excluído recebe uma obra – talvez uma por semestre, e ao contrário, ao sinal do carteiro, corre para a porta para abrir o pacote nas raras vezes em que isso acontece. Embasbacado, lembra da alegria de receber Michel Maffesoli no original, anos antes de sua publicação no Brasil, ou obras de Paul Virilio, em francês, numa época em que sequer se falava em sua obra. Adiante de seu tempo, mas colocado atrás dele por editores, ninguém acreditava que as obras que aquele zé ninguém queria resenhar tinham alguma importância. Anos depois, quando algum medalhão da academia, tratava de publicar a resenha da TRADUÇÃo da obra, enfileiravam-se admiradores. Nada mais injusto! Nosso homem dá de ombros.

Nunca arriscou discorrer sobre livros ou autores que desconhecesse. Alias, seu leque de resenhas era resumido sempre aos mesmos autores, numa eterna repetição: baudrillard, maffesoli, virilio, lyotard, deleuze, finkielkraut, bruckner, zizek, castells, castel, bauman. Sua ladainha tinha um fundamento: era preciso acompanhar toda a obra de um autor, cada uma, importando-a se fosse necessário, para ligar os argumentos do desenvolvimento do pensamento de um autor. Curiosamente, não se fez filosofo de formação, mas historiador. Não existia nada de muito significativo em seus autores, apenas unidos pelo fato do interesse em explicar o mundo.
Para nosso homem, era disso de que devia tratar todas as resenhas, dos diveros modos de explicar o mundo. Ou ao menos as principais. Ou ao menos as abordagens da sociologia e da historia. Ou da política e da filosofia.

Mas um autor de cada vez, abordado densamente, de um livro para outro, única forma de banir para a mente a expressão: “Meu Deus, que porcaria!”. Pois em autores selecionados, raras vezes temos obras ruins – ok, Maffesoli é repetitivo, baudrillard é hermético, virilio abusa das maiúsculas, lyotard é maluco, deleuze o acompanha, finkielkraut – afinal, este é de direita ou é de esquerda? – Bruckner é o melhor ensaísta que há, zizek é o novo arauto da esquerda, castells é o pensador da sociedade em rede, castel, o da sociedade e do perigo e baumam, bom, abusa da sociedade líquida que dá dó. Mas ele sabe que cada um destes autores tem uma forma original de escrever e que ele sonha secretamente imitar; que os conceitos com que trabalham dão a base para um novo discurso sobre o social, e que são lugares das mesmas frases batidas de que fala Wells – “um livro que ninguém deve perder”, “algo memorável em cada página”, “de especial valor são os capítulos que abordam” .


Se há assim resenhistas regulares entediados com seu oficio, por outro lado há aspirantes a resenhistas que sonham com um pedaço de sombra no universo de nossos suplementos culturais. Há escritores de todo o tipo, fadados ao sucesso, ao meio sucesso e ao fracasso. È certo que nosso home é pertencente a esta ultima categoria, a do resenhista excluído, que envolve não só alguém que produz muito mas não consegue publicar, mas alguém que a maioria das pessoas nunca ouviu falar.Ele sequer consegue ser uma farsa, simplesmente porque sequer sabem de sua existência. Ele despeja litros de seu espírito por vez na pia. Se ao menos lhe fosse dada uma chance de resenhar, ofereceria sua visão pessoal dos livros que recebe. Mesmo que criticasse, seria uma critica baseada num certo olhar.

Na prática, como todos sabem, não há lugar para todos. E os espaços dos jornais já estão todos ocupados pelos fixos, e quando surge a possibilidade de publicar em novos universos , como o virtual, através de blogs, é para ver, a cada dia “0 comentários”, ou ainda, 1 pessoa seguindo. As vezes você mesmo, que por um tropeço de teclado, incluiu-se em seu próprio séquido de não seguidores. Este sim, é pior do que o critico de cinema, que tem de sair de casa para critica: o aspirante a critico faz parte da maioria silenciada, incapaz sequer de ver pronunciada sua opinião.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O fim da infância

Está circulando na Internet (http://primeirainfancia. org.br/2010/05/ carta-da-rnpi-para-os-parlamentares/) a carta elaborada pela Rede Nacional Primeira Infância, formada por 74 organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de organizações multilaterais e outras redes de organizações, dirigida aos deputados e senadores da República solicitando o reexame do dispositivo constante do PL 6755/2010 (original PLS 414/2008) que estabelece em seu artigo 6º o dever dos pais ou responsáveis de efetuar a matrícula dos menores a partir dos cinco anos no ensino fundamental. A idade é reiterada no artigo 32 do mesmo projeto, que diz que o ensino fundamental, com duração de nove anos anos, inicia-se aos 5 (cinco) anos de idade.

Tais entidades questionam o projeto de lei porque entendem que ele implica no fim do direito de ser criança. Para tais entidades, trata-se de um verdadeiro roubo da infância, na medida em que a criança tem o direito de viver segundo suas características físicas, biológicas e psicológicas de. Este direito é roubado porque “começar a primeira série do ensino fundamental aos cinco anos e um dia equivale a perder a infância, estar a criança impedida de ser criança, ser proibida de brincar”.


A Rede Nacional da Primeira Infância tem razão em sua luta. Os educadores há muito tempo defendem a expansão da educação pré-escolar e não a inclusão das crianças de cinco anos na educação fundamental. É consenso dos educadore que a educação pré-escolar é a que atende de forma mais adequada a uma pedagogia da primeira infância, pois é a que mais consegue preservar "o direito de brincar" da criança. Para eles, a inclusão da crianças de cinco anos na primeira série só fará mal a elas, pois, do jeito que está o sistema, a insere de forma inadequada no ensino fundamental. Além disso, a sociedade e a família não ganham nada diminuindo o período da infância e suprimindo um ano de educação pre-escolar, já que só há conseqüências perversas com tal dispositivo: amplia-se a produção de estresse infantil devido aos problemas de inadequação aos longos horários, ou causados pelo uso das cadeiras escolares e até mesmo pelo aumento da reprovação. Já baixamos o limite de acesso a educação de sete para seis anos, e agora, querem cinco. Aonde isso vai parar?

A luta é motivo para reflexão. Ver educadores em um movimento político sempre é motivo de contentamento. Mais ainda quando liderados por Vidal Didonet, um dos maiores especialistas em Educação Infantil e cuja luta mostra que os professores não estão dispostos a abandonar a defesa da educação. Mais, mostra que os professores são capazes de se mobilizar e rapidamente tentar reverter o impacto de más políticas públicas. Que o campo destas políticas sejam ainda um lugar de lutas sociais, é um alento. Num mundo em que cada vez mais se afirma o desencanto dos educadores com a política, observar como eles são capazes de se mobilizar em defesa do respeito as características da infância, a defesa da educação de qualidade e o respeito às instituições democráticas, mostra que os movimentos sociais aindam tem uma grande contribuição a dar quando se adentra no século XXI.