Num apartamento de dois quartos do bairro petrópolis, numa mesa de sala de jantar equipada com um notebook ultrapassado, outro homem de moleton surrado sentado em frete a uma pilha de livros tenta escrever mais uma resenha que será recusada novamente por vários editores. Ele não entende porque, apesar de seu esforço em reunir papéis e livros, poucas vezes consegue ter seus textos aprovados pelas redações dos jornais. Ele sequer imagina, se publicado, pedir pagamento por isso. Tem diante de si livros que acredita serem merecedores de resenhas; ao lado, uma série de e-mails de cadernos e suplementos culturais para quem enviar seus artigos.
Tudo em vão, praticamente não o publicam. Ele sabe que está no fim do túnel, já que se chegou aos 45 anos sem publicar nenhum livro, é porque provavelmente nunca conseguirá publicar um, mesmo que tenha textos suficientes para isso. Tem barriga adquirida por anos de postura errada e falta de exercícios, tempo que preferiu dedicar as resenhas que nunca chegaram a ser publicadas. Em qualquer outro pais, seria um resenhista de sucesso e suas resenhas seriam disputadas por editores, que enviariam livros para que resenhasse. Mas á vida de nosso homem não é assim. Teve o infortúnio de nascer no sul de um pais terceiro mundista – a concepção de terceiro mundo é polêmica, como já apontou em resenha de outras obras de ciências sociais que já não lhe vem mais a memória.
Recentemente – vamos contar isso como mais ou menos dois meses -teve um momento de sorte e viu publicado um artigo seu de opinião em um jornal, mesmo que, no mesmo período, houvesse enviado dez para a imprensa. Estava faceiro “publiquei um, estou no lucro! Pensava. Seu telefone nunca toca com um editor pedindo-lhe um artigo, ainda que este fosse seu sonho secreto. Olha pela janela e inveja aqueles resenhistas que recebem livros a granel – cada obra que consegue é pedida por doação. È que cada vez que deseja escrever um artigo que não será publicado, precisa se humilhar frente aos editores de plantão por um livro. A humilhação vem sob a forma de um carimbo, que é colocado no livro uma palavra impressa em letras garrafais: “cortesia”. Franceses e americanos não fazem isso. Quando você pede por e-mail uma obra, mesmo que por doação, a obra não tem as marcas da humilhação. No Brasil tem. Nossos editores fazem questão de humilhar sus resenhistas com um carimbo que lembra a marca daquele filme da Demi Moore - pensa nosso homem "como se chama mesmo?"
Que inveja do resenhista de Welles, capaz de receber dezenas de livros em sua porta, pacotes, imagina. Quando nosso resenhista excluído recebe uma obra – talvez uma por semestre, e ao contrário, ao sinal do carteiro, corre para a porta para abrir o pacote nas raras vezes em que isso acontece. Embasbacado, lembra da alegria de receber Michel Maffesoli no original, anos antes de sua publicação no Brasil, ou obras de Paul Virilio, em francês, numa época em que sequer se falava em sua obra. Adiante de seu tempo, mas colocado atrás dele por editores, ninguém acreditava que as obras que aquele zé ninguém queria resenhar tinham alguma importância. Anos depois, quando algum medalhão da academia, tratava de publicar a resenha da TRADUÇÃo da obra, enfileiravam-se admiradores. Nada mais injusto! Nosso homem dá de ombros.
Nunca arriscou discorrer sobre livros ou autores que desconhecesse. Alias, seu leque de resenhas era resumido sempre aos mesmos autores, numa eterna repetição: baudrillard, maffesoli, virilio, lyotard, deleuze, finkielkraut, bruckner, zizek, castells, castel, bauman. Sua ladainha tinha um fundamento: era preciso acompanhar toda a obra de um autor, cada uma, importando-a se fosse necessário, para ligar os argumentos do desenvolvimento do pensamento de um autor. Curiosamente, não se fez filosofo de formação, mas historiador. Não existia nada de muito significativo em seus autores, apenas unidos pelo fato do interesse em explicar o mundo.
Para nosso homem, era disso de que devia tratar todas as resenhas, dos diveros modos de explicar o mundo. Ou ao menos as principais. Ou ao menos as abordagens da sociologia e da historia. Ou da política e da filosofia.
Mas um autor de cada vez, abordado densamente, de um livro para outro, única forma de banir para a mente a expressão: “Meu Deus, que porcaria!”. Pois em autores selecionados, raras vezes temos obras ruins – ok, Maffesoli é repetitivo, baudrillard é hermético, virilio abusa das maiúsculas, lyotard é maluco, deleuze o acompanha, finkielkraut – afinal, este é de direita ou é de esquerda? – Bruckner é o melhor ensaísta que há, zizek é o novo arauto da esquerda, castells é o pensador da sociedade em rede, castel, o da sociedade e do perigo e baumam, bom, abusa da sociedade líquida que dá dó. Mas ele sabe que cada um destes autores tem uma forma original de escrever e que ele sonha secretamente imitar; que os conceitos com que trabalham dão a base para um novo discurso sobre o social, e que são lugares das mesmas frases batidas de que fala Wells – “um livro que ninguém deve perder”, “algo memorável em cada página”, “de especial valor são os capítulos que abordam” .
Se há assim resenhistas regulares entediados com seu oficio, por outro lado há aspirantes a resenhistas que sonham com um pedaço de sombra no universo de nossos suplementos culturais. Há escritores de todo o tipo, fadados ao sucesso, ao meio sucesso e ao fracasso. È certo que nosso home é pertencente a esta ultima categoria, a do resenhista excluído, que envolve não só alguém que produz muito mas não consegue publicar, mas alguém que a maioria das pessoas nunca ouviu falar.Ele sequer consegue ser uma farsa, simplesmente porque sequer sabem de sua existência. Ele despeja litros de seu espírito por vez na pia. Se ao menos lhe fosse dada uma chance de resenhar, ofereceria sua visão pessoal dos livros que recebe. Mesmo que criticasse, seria uma critica baseada num certo olhar.
Na prática, como todos sabem, não há lugar para todos. E os espaços dos jornais já estão todos ocupados pelos fixos, e quando surge a possibilidade de publicar em novos universos , como o virtual, através de blogs, é para ver, a cada dia “0 comentários”, ou ainda, 1 pessoa seguindo. As vezes você mesmo, que por um tropeço de teclado, incluiu-se em seu próprio séquido de não seguidores. Este sim, é pior do que o critico de cinema, que tem de sair de casa para critica: o aspirante a critico faz parte da maioria silenciada, incapaz sequer de ver pronunciada sua opinião.
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