segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Reflexões sobre ética e política




O desencontro entre a ética e a política pode ser observado na facilidade em com que a mentira impera na vida pública. Para o cidadão que busca o decoro e a compostura dos comportamentos dos seus representantes, dizer-a-verdade é um imperativo e a presença de práticas e comportamentos transgressoras dos valores e normas colabora para o desaparecimento do respeito a lei e das regras da sociedade.

Por que os políticos mentem? A questão remete a um problema epistemológico e a um contexto no qual os políticos se debatem. A questão volta a tona quando assistimos na televisão ao final da CPI da Assembléia Legislativa sobre a legitimidade do Governo Yeda. O que vimos foram depoimentos entrelaçarem-se em uma série de questões mal respondidas - se a casa de Yeda foi reformada com dinheiro do Caixa 2 da campanha, se sua equipe de governo tinha ou não conhecimento dos fatos envolvendo a governadora, etc, etc. Ao final dos depoimentos fica para o observador, ao menos uma certeza: alguém está mentido.

O argumento de que o governante teria o direito de mentir em benefício da comunidade se contrapõe ao direito a informação verdadeira por parte dos governados. Em qualquer situação, precisamos urgentemente proteger a verdade política. Não é evidente que a ilusão e a mentira dominem totalmente o espaço do poder. Ao contrário. Quando vemos na TV a imagem de Yeda contraposta a seus críticos, estamos diante do dilema da legitimidade política que precisa ser debatido.


O acompanhamento diário desta investigação mostrou que por um lado, a mídia presta um serviço a sociedade, pois reforça a idéia de que a verdade é a base da confiança, e a confiança, alicerce para a vida em comum e portanto, essencial a vida política. Quando assisstimos os debates e buscamos a verdade, estamos dizendo que é preciso inverter os termos da relação verdade/mentira na política, abandonando a concepção de que a mentira é um mal menor.

O problema é que existe outro estágio na apresentação da mentira na política dado pela mídia. É quando a mentira torna-se o ingrediente essencial no fomento da política do escândalo. Desde o inicio dos anos 90 a política inseriu-se no espaço da mídia e a mídia transformou-se num campo de batalha pelo poder. Não apenas por que nela se realizam reportagens investigativas mas por que transformaram-se no principal veículo de informação e formação de opinião da sociedade.
Para se atingir os políticos, os políticos sabem que é preciso agir pela mídia. Por isso em todo o mundo líderes políticos tiveram sua imagem destruída por uma série de escândalos que normalmente dizem respeito a ordem moral (comportamento sexual inadequado, problemas de alcoolismo) mas que também dizem respeito a corrupção política. Agir indevidamente, troca de favores, desde o escândalo do governo Fernando Collor de Mello tem sido o combustível da mídia mais fornecido pela vida pública.

No caso do escândalo envolvendo Yeda Crusius sua especularização tem um significado. É um erro pensar que o atual governo estadual seja mais ou menos honesto ou corrupto que seus antecessores. O olhar deve ser direcionado: as denúncias que vem a público revelam o nível de nossa sociedade democrática e o nível da liberdade de imprensa. O leitor deve ser atento : o caso Yeda também interessa a mídia o escandalo político é sinônimo de audiência. Ponto para os bons políticos que buscam a verdade e não os hologontes, portanto.

Ao tornarmos conscientes destes processos de manipulação, recusamos o efeito da personalização da política que tais debates promovem. O inquérito da Assembléia Legislativa foi a pique mais por sua simbiose com um lado negativo da mídia do que pela verdade que foi capaz de levantar. O que é positivo nesta política do espetáculo é que retira o poder dos politicos para trazê-lo para o campo da sociedade. O que é negativo é que retira-se junto a legitimidade dos partidos e da política, identificada mais uma vez a corrupção.

Yeda Crusius caiu portanto na armadilha do sistema que ela mesma ajudou a construir. Ele que sempre usou da mídia para fazer-se apresentar a sociedade e a política, viu-se utilizada pela mídia como um notável caso de escandalo. A conclusão que fica é que, se no plano da res pública, a mentira leva a corrupção, e que a imprensa é havida em transformar corrupção em espetáculo, é preciso defender os mecanismos de defesa da sociedade e o valor das instituições democráticas.
O governo Yeda ainda tem muito a explicar, e mesmo que sejamos seu critico, não cabe nem a nós e nem a sociedade pre-julgar sem provas. Se a imprensa tem o mérito de nos levar a tomar conhecimento da corrupção, cabe ao cidadão exigir suas explicações e a sociedade deve usar de outros mecanismos para fazer valer o seu controle, além de ser audiência. Por exemplo, a Constituição de 1988 garante a todos o direito a receber a informação dos órgãos públicos e a Lei da Improbidade Administrativa obriga aos funcionários públicos declararem seus bens. Estes mecanismos precisam ser mais usados.

Se o sistema da mídia, em suas relações de simbiose com as instituições politicas, é independente para transformar escândalos em artigo de venda e influência, isto não é suficiente para garantir a defesa da sociedade. Por isso continuamos precisando dos bons políticos, aqueles que vão a fundo nas investigações e usam seu tempo não para fazer discurso denuncista mas para buscar provas, o que mostra, mais uma vez, que é preciso utilizar de outros recursos para julgar o comportamento de um político e que eles sejam em si mesmos remédios contra a mentira, que inibam a corrupção na busca da verdade.

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