O filósofo Karl Gottlob Schelle,
em “A arte de passear”,dizia que viver continuamente em atmosferas confinadas
amolece o espírito e enfraquece o bom senso. Não causa a morte, mas é uma
condição indireta. Observando o cotidiano da classe média em Porto Alegre, como
a de qualquer outro lugar, alguma coisa parecida acontece. Vivemos marcados por
espaços fechados, da casa para o trabalho de carro e nas horas de lazer, os
shoppings – o que sua expansão só fará o quadro piorar. Mas o que
realmente diferencia a vida numa cidade é o uso que fazem seus cidadãos do
espaço público. Será que o portoalegrense realmente frequenta os espaços
públicos de sua cidade? È que queremos ser cidadãos mas nos comportamos como
consumidores na cidade. Se ficamos em espaços restritos quase todo
o tempo, podemos dizer que temos vida urbana saudável para comemorar no
aniversário da Capital?
É que a lógica metropolitana tem
um lado perverso. Em nossas periferias, bairros inteiros estão se convertendo em
territórios proibidos. Novos territórios de povoamento surgem nos
conjuntos habitacionais populares financiados pelo Estado que, à maneira das
colônias do passado, levam para zonas urbanas distantes uma população pobre
vista como massa. O espetáculo da pobreza no centro da capital
amplia-se para mostrar a infrahumanidade (Virilio) portoalegrense. Recordemos
que até bem pouco tempo, a Prefeitura criou uma “Secretaria dos Direitos
Animais” criticada justamente porque para muitos eram os seres humanos que
estavam em situação de risco. Nossa cidade não é uma festa de aniversário, é um
campo de batalha.
Basta olhar a geografia da
cidade. Você vai de norte a sul e o quê vê na paisagem? Inúmeros novos
condomínios surgindo a cada momento, lugares isolados, comunidades fechadas,
mundos separados dentro da cidade. A cidade cresce por separação, esses novos
enclaves são as pequenas fortalezas da elite, outra forma da desintegração de
nossa vida comunitária. Precisamos, para comemorar o aniversário da cidade, de
uma estratégia oposta de desenvolvimento, baseada na criação de mais espaços
públicos, abertos e acolhedores, que o cidadão tenha vontade de freqüentar e
compartilhar de bom grado. Onde possa fortalecer seus vínculos sociais.
Não sejamos pessimistas! Nossa
cidade tem inúmeros aspectos positivos sim, que a arte e a literatura já
registraram à exaustão. Mas desde que Leandro Selister colocou seu painel com
mais de cem metros mostrando a vista do Guaíba se o muro não estivesse lá, a
capital adornou-se de um toque pós-moderno original. De certa forma, ali está
nossa verdade: podemos imaginar, como sempre fazemos no aniversário da Capital,
que vivemos no melhor dos mundos, mas isto ainda é uma ilusão. A capital é lugar
de alegrias e tristezas, mas se é preciso que o governo diga aos cidadãos que
eles precisam “cuidar da cidade”, é porque há muito tempo, os portoalegrensens
já não sentem mais a cidade como algo que seja seu. Transformar o aniversário da
cidade em um festival de cultura, é bom, mas não devemos ficar nisso somente. É
um momento importante pensar políticas públicas, o "como" construir uma cidade
melhor, que é sempre, uma Porto Alegre mais solidária. Quem sabe, em 2022,
quando completar seu quarto de século, os cidadãos, sem que ninguém os chamem,
cuidem de sua cidade de uma forma natural e que isso seja parte da educação de
seus filhos.
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