Nos Estados Unidos, uma propaganda ironizava estudantes
que iam para a faculdade de bicicleta, mostrando um ciclista sendo
ultrapassado por uma bela moça em um carro. Muito criticado, o anúncio,
que terminou retirado, encerrava-se com a frase “Deixe de pedalar…
comece a dirigir”. O contrário bem que poderia ser o tema do 1º Fórum
Mundial da Bicicleta, a ser realizado em Porto Alegre nos próximos dias.
“Deixe de dirigir...comece a pedalar” é a utopia que só pode surgir na
sociedade onde o automóvel cobra alto preço por sua existência .Mas para
que o seminário dê frutos e não se transforme em apenas mais um evento
da capital, seus partipantes terão de responder a duas questões
essenciais.
A primeira é como recuperar a necessidade da velocidade democrática.
Quando foi inventado, o automóvel proporcionou a experiência inédita de
andar mais rápido que diligências, carruagens, trens e bicicletas.
Antes, a velocidade era democrática: todos andavam na mesma velocidade,
diz André Gorz. O carro estabeleceu uma velocidade de deslocamento para a
elite e outra para o povo. Mais: ele gerou uma nova forma de alienação,
já que enquanto o ciclista é capaz de consertar seu veículo, o
motorista torna-se dependente de especialistas que cobram caro por seus
serviços. Num mundo onde todos querem ir a qualquer lugar mais rápido,
como colocar a necessidade de ir devagar?
A segunda questão é como transformar o ciclismo em questão política. No
passado, no tempo em que a distância entre o mundo onde se vive e o
mundo onde se trabalha era menor, a bicicleta era um bem comum e a
maioria dos trabalhadores a possuia para trabalhar. Fazia parte,
portanto dos procedimentos relativos à vida nas cidades – da pólis, daí
política – o uso da bicicleta. Paradoxalmente, o que despolitizou o
ciclismo foi o seu afastamento das camadas populares, transformado em
esporte de elite e a progressiva transformação do automóvel, de bem de
elite para bem popular. Hoje, quase tudo mundo tem carro mas muitos não
tem bicicleta.Tornamos as cidades inabitáveis ao deixarmos de ser
proprietários de bicicletas para nos tornarmos consumidores de
automóveis.
Mas politizar o ciclismo não é apenas pensá-lo somente no campo das
políticas de mobilidade, atual estágio da discussão. É preciso ir mais
além, pensar o bicicletar como um novo humanismo - “Pedalo, logo
existo” - como diz Marc Augé. Não optamos pela bicicleta porque gasta
menos energia ou polui menos, argumento produtivista que esquece o mais
importante: optamos pela bicicleta porque ela possibilita ao cidadão
experienciar a cidade como espaço de aventura, lugar de descobertas,
possibilitando as pessoas se encontrarem ao invés de ficarem reclusas em
suas casas com medo da violência. A bicicleta transforma a vida
social, aprende-se a “pedalar junto“, e isto ajuda os cidadãos a tomar
consciência de si mesmos e dos lugares que habitam.
Quem diria! O velho sonho comunista encontrou uma forma secreta para
retornar, agora sem sangue e sem revolução: a partir de um mundo onde
simples bicicletas são de todos, onde podemos pegá-las onde quer que
estejamos para deixá-las logo adiante para outra pessoa, reinventamos a
idéia de bem comum tão cara a esquerda. Não é o que as experiências
ciclísticas de Barcelona e Paris já mostram? A Revolução Ciclista ainda
não se consumou. É preciso fazê-la o quanto antes. Ciclistas do mundo,
uni-vos!
Prezado Jorge, parabéns pelo teu artigo. Impecável! Faço apenas uma ressalva que não compromete teu argumento: o bem comum, não tem nada a ver com comunismo. O comunismo busca o coletivismo, um bem “total”, um bem do “todo”. O bem comum é o bem “de todos” e de “cada um”. As raízes teóricas do bem comum são diversas e adversas das do comunismo. Se opõem, na verdade.
ResponderExcluirAbraço.
Wambert Di Lorenzo
Parabéns pelo artigo. Apenas na minha humilde opinião uso a bicicleta e não terei carro por uma questão lógica, de capacidade operacional do planeta. Se todas as pessoas tiverem um carro, os impactos ao ecossistema Terra são terríveis. A cultura do consumo também é tema a ser combatido com a votla das bicicletas.
ResponderExcluirLucas Magnus