segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Menos iPod, mais miojo





Sou pré-histórico. Não tenho iPhone, iPad e nem iPod. Meu celular tem inúmeras funções graças a Steve Jobs, mas só uso uma ou duas. E quanto a tela touch screen, alguém pode me explicar porque os nomes da agenda deslizam tão rápido que mal consigo selecioná-los?





Desculpe, estou ficando velho e as rabugices marxistas vem à tona. Não entendo porque tanta idolatria com os feitos de Jobs. Quem disse que suas invenções fizeram avançar a humanidade? Seus aparelhos são o tormento de inúmeros professores: os alunos perdem a concentração da sala de aula porque estão ouvindo seu iPod; você não consegue falar com uma pessoa porque ela está no seu iPhone - “só um instante, só um instante!” - e não abro mão da experiência táctil que um livro possibilita – vade retro iPad!





A celebração dos feitos de Jobs oculta o fato de que todo avanço tecnológico cobra um preço. A invenção do avião foi também a do desastre aéreo; a do navio, o naufrágio e a do trem, o descarrilhamento. Toda a invenção cria o seu acidente, diz Paul Virilio. O avanço digital também tem o seu: torna nossa sociedade mais individualista e compulsiva. Pessoas caminham como zumbis nos parques alheios a beleza natural e a caminhada a dois passa a ser uma caminhada individual; ficam obcecados com a telinha do computador e não desviam o olhar sequer quando você lhes dirige a palavra e a leitura de textos em um iPad só faz as pessoas terem menos paciência para lerem textos longos. Como repetem os adoradores das criações de Jobs, tudo ficou mais fácil com ele, é verdade – outra forma de dizer que seu sucesso se deve ao fato de reconhecer que somos todos estúpidos. “É fácil de usar? Então estou dentro”.A questão é que as criações de Jobs não são instrumentos passivos de informação “Eles fornecem o conteúdo de nossos pensamentos, mas também modelam o processo de pensamento”, diz Nicholas Carr. Isto que dizer que devemos parar de usá-los? É claro que não! só que devemos ser mais críticos quanto ao condicionamento que provoca ao nos possibilitar receber informação de forma rápida e superficial.





Confesso que fiquei mais triste quando morreu em 2007 Momofuku Ando. O inventor do macarrão instantâneo e fundador da Nissin Foods Products morreu aos 96 anos de ataque cardíaco. Ando teve a idéia de criar o macarrão instantâneo depois da 2ª Guerra Mundial quando via as pessoas passando inúmeras horas na fila para comprar alimentos no mercado negro devido ao racionamento. Qual foi a invenção mais importante para a humanidade, a do miojo – nenhuma unanimidade, dirão os nutricionistas – que mata a fome e socializa ou a do iPod que aliena e individualiza?





Alto lá.! É claro que Jobs tem imenso valor, mas não por suas invenções, mercadorias que o Capitalismo adora, mas pela simplicidade das idéias que expressou no famoso discurso de Stanford ”você tem de encontrar o que você ama”. Sorte de Jobs que encontrou algo que também o deixou rico.


Publicado em Zero Hora em 10/10/2011


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Os eleitos, as eleitas

A realização pela Câmara Municipal de Porto Alegre do Seminário Internacional “As Eleitas, Os Eleitos: como parlamentares tornam-se parlamentares” é uma resposta àqueles que defendem o fim do legislativo junto à crítica do reajuste dos vencimentos dos parlamentares. Você pode concordar ou não com a idéia de reajuste, mas daí passar a acreditar na inutilidade da política e dos representantes locais é um perigo para a democracia. Todos os painelistas foram unânimes em valorizar a importância da boa política, da necessidade de formar novos bons políticos – vá-la, vá-la, sociedade e estado ainda não chegaram a um consenso quanto ao seu salário, ok, ok – mas não se pode por esta razão perder a fé nas instituições públicas da democracia.

Toda a programação do Seminário Internacional fez jus ao que se espera que um grande parlamento faça: debater exaustivamente e em alto nível sua função na sociedade, aproximar a pesquisa universitária dos agentes públicos, promover um diálogo entre agentes sociais e principalmente, reforçar na comunidade a ideia de que a democracia local precisa ser fortalecida pelo cidadão. Precisamos que os parlamentos locais lutem por uma sociedade melhor e os pesquisadores apontaram elementos para a sua defesa: o fato de que os vereadores, após a Constituição de 1988, tornaram-se um elo forte na constituição de políticas públicas nos municípios; o fato de que 93% dos quase 50 mil parlamentos estão localizados em pequenas cidades; o fato de que o militantismo, ou seja, a forma como as pessoas se engajam nas agremiações partidárias, é questão central para o fortalecimento da política local. O que não significa que não tenhamos problemas a resolver: o fato de que somente uma minoria (7%) das cidades tem parlamentos com visibilidade e acesso à imprensa; o fato de que 38% das mulheres sofrem resistência da família, sendo 22% dos cônjuges, para entrar na política, são alguns exemplos dos desafios que as Câmaras Municipais ainda tem de enfrentar.

Enquanto isso, parcela da sociedade ainda ignora o que fazem seus vereadores. Mais, desconhece o esforço daqueles que tem sua agenda dedicada a melhorar a cidade. Devemos separar o bom do mal político, é claro, mas devemos reconhecer o valor da boa política para o desenvolvimento da cidade. Às vésperas de mais um pleito eleitoral e no momento em que se tecem as articulações para as eleições de prefeitos e vereadores, sejam quem forem “Os Eleitos” ou “As Eleitas” a quem entregaremos nosso voto nas próximas eleições, o que está em jogo é o valor que damos a idéia de representação, a boa escolha eleitoral e às instituções da sociedade democrática.
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A sinuca da educação

"A verdadeira utopia é a crença em que o sistema global existente pode se reproduzir indefinidamente. A única maneira de ser verdadeiramente realista é imaginar o que, dentro das coordenadas desse sistema, só pode parecer impossível." Slavoj Zizek

O snooker é um jogo de mesa, tacos e bolas surgido na Grã-Bretanha em 1875 e que recebeu no Brasil o nome popular de sinuca. Praticado por milhares de pessoas, com adaptações oriundas dos jogos americanos, um de seus movimentos é denominado bricol, que consiste em lançar a bola branca para que toque uma tabela antes de tocar a primeira bola objetivo. A bola branca repica e atinge outro alvo.

Algo semelhante ocorre quando Gustavo Ioschpe publica em Veja o artigo “Você acha que as escolas particulares brasileiras são boas?”. Depois de criticar o sistema público, Ioschpe volta -se contra o sistema privado, que na sua opinião, é no mínimo sofrível. E critica a satisfação dos pais que tem seus filhos nas escolas privadas, que sofreriam daquilo que os alemães chamam de Schadenfreude “a satisfação diante da desgraça alheia”.

O bricol praticado por Ioschpe é simples: ele mira nas escolas privadas para atingir as escolas públicas. Seu artigo contém uma mensagem perversa: privatizem a escola pública! Ela está inscrita na comparação com o sistema chileno, que privatizou grande parte de sua educação básica quando então começou a selecionar os melhores “Se a escola atrair os melhores, provavelmente será a melhor”, diz. Ioschpe acerta na defesa da participação dos pais na educação dos filhos mas erra ao defender a ideologia liberal da pior espécie: a defesa da concorrência, da hegemonia da educação para o trabalho e da culpa dos professores pelas fraquezas do sistema de ensino. A escola privada brasileira é ruim porque a pública é muito pior, conclui.

Eu teria muito a dizer porque discordo de sua posição mas Zero Hora fez isso por mim na reportagem da última segunda-feira. Com um título que sugeria o pior “Estado cai no ranking do Enem”, a matéria mostrou que o Rio Grande do Sul perdeu a supremacia no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio sim, mas, observando com atenção comparativamente os dados das vinte melhores escolas públicas do Estado com as respectivas vinte melhores privadas da capital, a surpresa. Primeiro, a média do estado avançou 6 pontos percentuais para mais; segundo, as três primeiras escolas públicas do Estado - o Colégio Militar de Porto Alegre,o Colégio Politécnico de Santa Maria e o Colégio Tiradentes - ficaram respectivamente com 693,69, 693,43 e 665,93, valores superiores aos das duas primeiras escolas privadas do Estado - o Colégio Leonardo da Vinci – Alfa e o Colégio Marista Nossa Senhora do Rosário - que ficaram respectivamente com 661,68 e 647,43 pontos e portanto, foram superadas pelas escolas públicas. Onde estão as piores escolas públicas apontadas por Ioschpe?

Temos que melhorar a educação? É claro que sim. Há muitas escolas públicas com problemas? Evidente, mas não melhoramos a educação pública desvalorizando o esforço dos professores e dos sistemas que funcionam em nome da privatização, mas exatamente com pregam os “radicais de esquerda”, através de um engajamento sociopolítico concreto de todos em defesa de uma educação libertária crítica a raiz do sistema capitalista. Como em uma parede de Paris em 68 “sejamos realistas: exijamos o impossível!”

Não é a vida da gente









Se você acha que critica sociológica de novela não serve para nada, pare agora de ler este artigo. Vou avisar mais uma vez: se você acha que tudo pode em termos de “licença poética”, pare agora de ler. Eu avisei.
A estréia de A vida da gente é destas pérolas da indústria cultural brasileira: não há dúvida da qualidade da sua produção e do trabalho de atores e diretores, mas quando o negócio é fazer um retrato da realidade, quanta diferença!
Vejamos: o par romântico mergulha em pleno inverno numa das lagoas no frio da serra gaúcha; a mocinha põe na bagagem um biquini entre as roupas para a ir a serra (!)e um ônibus antigo que você nunca viu na rodoviaria faz a ligação de Porto Alegre à região em instantes e voilá, eis a vida da gente como ela é!
Verdade seja dita: Jaime Monjardin é um cara honesto! Ele disse com todas as letras no Jornal do Almoço (26/9): “Não esperem continuidade na novela”, querendo dizer com isso que a nossa geografia será submetida aos critérios da chamada “licença poética”.
Licença poética uma ova! Essa é a forma reiterada de massificação de nossa cultura. A conquista da hegemonia na televisão tem um preço: a homogeneização da cultura, a padronização dos signos na televisão que não poupa ninguém. Há algo errado neste mundo onde tudo é sempre igual e onde sempre lhe dão mais do mesmo. Ele parece a realidade, mas não é: as cenas devem-se passar nas ruas chiques de Porto Alegre, ou nas paisagens paradisíacas da serra, pois para os roteiristas e produtores é o que o público quer ver, a nossa vida. Não, não é a nossa vida, é uma reconstrução inviesada dela.
No fundo, no fundo não é a nossa vida porque é a vida carioca que mais uma vez os roteiristas e autores querem retratar, com fachada gaúcha como pano de fundo. E dá-lhe um dia a dia sem expressões idiomáticas, com geografia que não corresponde ao real, com hábitos deslocados da terra apresentados como se fossem dela. A versão gaúcha proposta pela Globo é semelhante ao café descafeinado de que fala Slavoj Zizek: a imagem vendida não quer ofender ninguém e pede até que nem nos comprometamos com ela. Tudo é permitido a nós consumidores e podemos desfrutar de todas as belas imagens da serra gaúcha desde que desprovidas de toda a sua substância.
É a caracteristica da produção de mercadorias do capitalismo em que vivemos. Hoje, tudo o que nos cerca deve conter em si o remédio para os males que causa, diz Zizek. Você pode beber todo o café que quiser, já que ele é descafeinado, expressão de nosso panorama ideológico atual. Neste sistema você pode desfrutar das coisas desde que sem a sua essência e voilá ei-nos diante da serra gaúcha no inverno sem frio, mergulhando nus em lagos gelados com biquíni na bagagem para consumo em rede nacional. Nessa novela na serra ninguém treme do frio? Cadê o frio? É como o carro que você não precisa mais dirigir, e que numa tacada, tira todo o prazer que a direção provoca. Monjardin, menos....aqui nos comprometemos com a realidade sim: frio já!.Cadê o inverno gaúcho? Como diria Robin “santa enganação Batman!”