domingo, 22 de novembro de 2009

Zero Hora e o lumpenparlamento




Matéria de Zero Hora deste domingo (22/11) levanta o ranking dos gastos das Câmaras Municipais. A intenção é clara, mais uma vez é desacreditar o poder legislativo municipal em meio a reforma sobre o número de vereadores.Para imprensa o legislativo é a Geni, e as pedras são a forma de apresentação dos dados: dos 485 municipios apontados, 4 são selecionados, mas é 2 que chamam a atenção. A idéia dos articulistas é que os 2 são o melhor exemplo do mal uso das verbas de QUASE TODAS as Câmaras Municipais.Essa generalização é perigosa. Não interessa se Constantina bateu o record do pouco uso da verba pública - custou 2,53 por habitante ou que a Câmara Municipal de Porto Alegre seja econômica. Interessa é sugerir subliminarmente que as Câmaras regra geral gastam mal, muito mal.Não há uma critica direta à Porto Alegre, preservada com o gasto de 55, 7 por habitante, a frente de Pinhal, com 55,06 e atrás de Minas do Leão , com 55,76, ocupando a posição 226 no ranking. Estamos bem, pensamos. Ledo engano.

Não devemos descansar frente as consequências que tais reportagens trazem para o parlamento como um todo. Trata-se, na realidade, da legitimação de uma lógica da ordem da narrativa jornalistica que tem como base a indução: ela é simplificadora da realidade política local, porque induz a pensar o todo pela parte. Se há Câmaras Municipais que gastam mal, é porque TODAS são assim. Pois não são os gastos reduzidos que chamam a atenção do público, mas os exorbitantes. Esta operação reproduz com maestria a lógica neoliberal que supostamente deseja combater: ela sugere que Câmaras com menores custos seriam a defesa do contribuinte, ao contrário das que gastam mais. Esquece que a defesa do contribuinte se faz com uma Câmara capaz de cumprir sua função. E isso tem um custo.


É sabido que toda vez que buscamos reduzir custos, reduzimos a qualidade. Como isso fica quando falamos de Parlamento?A questão não é se o parlamento gasta muito ou pouco, mas quais os critérios que adotamos para qualificar o custo de um parlamento.Bom parlamento é o que gasta pouco? É claro que não!. Esse é o argumento daqueles que lutam pelo lumpenparlamento, que a semelhança do lumpenproletariado, designação marxista para nomear a populaçaõ abaixo do proletariado, serve para designar o parlamento reduzido ao seu grau de extrema pobreza, como se esta fosse a instituição a altura dos seus cidadãos. É o gasto per capita o principal indicador de produtividade para um legislativo? É claro que não!


Uma avaliação criteriosa envolve aspectos quantitativos e qualitativos. A preferência do critério per capita é o trabalho do preguiçoso: são menos exigentes, dispensam analises qualitativas, independem da forma como foram obtidos os dados, exigem - daí a preguiça - menor número de calculos, leva o pesquisador a dizer mais ou menos em relação a um dado, sem possibilitar mencionar diferenças. É um verdadeiro disperdício de informação, que limita fazer correlações, e portanto, de restrita aplicação a realidades complexas. Numa palavra simulam cientificidade a uma realidade que exige mais recursos de análise. Mesmo que o critério fosse defensável, o Rio Grande do Sul ainda está abaixo da média do Brasil, (60,75 contra 64,57), e o da Câmara Municipal abaixo de ambos (55,70). Mas a questão é justamente aceitar tal critério como verdade.

Toda a matéria passa ao largo da análise detida do problema que é o modo de financiamento do parlamento. Mas eles passam não pela apresentação superficial de dados que reforça o senso comum do legislativo, mas da apresentação de seus problemas de raiz. O problema central do financiamento está na pouca participação dos próprios municipios na sua despesa, que levaria a uma maior expansão dos gastos e a uma menor responsabilidade fiscal. Esse argumento constata uma tendência, não uma regra. A Câmara de Porto Alegre, por exemplo, rigorosamente está longe de ser uma Câmara perdulária.



Esse argumento esquece três coisas principais. O primeiro é a necessidade de adotar uma visão de futuro, a necessidade de incentivar o eleitor a conhecer mais da logica de funcionamento dos recursos que seu municipio recebe. É isso que abrirá espaço para que os gestores locais deixem de se apropriar das verbas recebidas por transferências externas. Não é que os recursos não devam ir para os municipios, é os municipes que precisam exercer seu papel fiscalizador dos recursos públicos.

O segundo é a necessidade de conscientizar o eleitor que o dinheiro que as Câmaras Municipais não vem de fora somente: vem de impostos arrecadados no municipio em vários níveis e que respondem por importante parcela tributária em também outros níveis. As Cãmaras, ao final, não gastam dinheiro do governo federal, mas recursos produtos de transferências sem as quais os municipios não sobreviveriam.

O terceiro é que o eleitor deve saber recompensar não o politico econômico, mas o que faz mais com menos. Investimentos são necessários, inclusive numa Cãmara Municipal, para garantir a participação. Como atingir a modernidade legislativa sem uma cautelosa politica de investimentos? Ao contrário, o desejo secreto desta imprensa que ataca o parlamento é pela construção de um lumpemparlamento que não é o parlamento ideal para a comunidade, já que não conta com funcionários que precisa para atender a população, com os espaços onde a discussão democrática possa se efetivar e nem infraestrutura para garantir a função de fiscalização dos orgão públicos. Não queremos Câmaras em posição de miséria. Cada cidade deve ter seu parlamento a altura, o problema é que a imprensa, sob a desculpa de reduzir custos, termina por defender a idéia de lumpenparlamento que é, na prática, o empobrecimento da função legislativa.

A matéria deveria ter tocado no centro do problema, dai sua ideologia. E o centro do problema é o fato de que por um lado, há municípios que são privilegiados pelos critérios de transferências de receitas, via Fundo de Participação dos Municípios, como os municípios que tem menos de 10 ml habitantes, enquanto que outros são beneficiados pelos critérios de transferências de receitas via ICMs, que favorece aqueles municipios que tem atividades geradoras de elevadas receitas daquele imposto. Ora, se a preocupação é realmente com a expansão dos gastos da função legislativa, esta preocupação para ser legitima deveria ser vista em sua totalidade, e os jornalistas de plantão deveriam refletir sobre os gastos gerais da administração, e não apenas dos gastos do poder legislativo, sob a pena de transformar o parlamento em bode espiatório da história.

Mas vejamos mais. A matéria por sí só é um atentado a autonomia financeira do legislativo. Os depoimentos colhidos mostram legisladores acuados por um imprensa e tendo que justificar seus gastos com modernização administrativa. Ela esquece que modernizaçaõ legislativa é um bem e que a Constituição protege o Legislativo do corte de despesas do Executivo como modo de evitar que este reduza a capacidade de fiscalização de seus atos. Lembrem-se, interessa ao Executivo um Legislativo enfraquecido e a melhor forma de faze-lo, é sempre tolhendo seus recursos materiais.
Talvez o que falte a matéria seja comparar os dados dos municípios em momentos distintos do tempo em não em relação a gasto per capita para avaliar se as despesas aumentaram ou declinaram. Por outro lado, é preciso verificar de que despesas se tratam. Por exemplo, é verdade que as Câmaras necessitam de uma despesa fixa para existirem: numero de funcionários, instalações para tarefas rotineiras aumentam pouco se a população de uma cidade não aumenta. Mas também é verdade o contrário, a evolução da cidade também conta para as despesas, e aí, como no caso de Porto Alegre, com amplo crescimento, é exigido um amplo investimento em pessoal, com concursos públicos, o que não tem acontecido. O resultado é funcionários estressados frente a uma demanda que não cessa de crescer. Escrevi sobre isso em post anterior. Deixar de fazer concursos para agradar a opinião pública é produzir um desserviço a comunidade, é prestar serviços precários.




Por outro lado, outros parlamentos que tem estrutura fixa precária precisam investir para adequar-se, modernizar-se. A Câmara não deve ser maior ou menor, deve ser na medida para sua cidade. Ainda temos dificuldades de fazer esta conta, mas ela precisa ser feita. Por estas razões, a matéria induz a uma visão errônea do parlamento. Ela sugere que parlamento melhor é o que menos gasta, esquecendo que a qualidade de serviço nem sempre esta diretamente ligada a economia de finanças; induz a ideia de lumpemparlamento, de que parlamento o bom é parlamento pobre, não econômico, mas miserável, retorno à Câmara do Brasil colonial, funcionando em casas cedidas, com vereadores sem remuneração e sem funcionários. Que tenhamos ultrapassado tudo isso foi uma conquista da democracia, retornar a isso é um atraso.


Mas há mais. A matéria oculta as discussões de fundo do financiamento das instituiçoes públicas, qual seja, o modo de distribuição de recursos dos impostos. O Legislativo não existe em separado do Executivo, e o peso da distribuição de ambos os recursos entre tais orgãos deve também entrar no balanço dos gastos. Finalmente, seus reais objetivos, se a matéria desejasse avaliar apenas os gastos, deveria avalia-los no tempo, e não em relação a per capita, para saber se aumentaram, estacionaram ou diminuiram, porque não é o gasto atual que conta para saber se uma câmara gasta muito, mas qual foi sua tendência num determinado periodo.

"Dinheiro que vem de fora" incentiva gastos sim, mas cuidado com esta Lei criada pelos cães que ladram para o parlamento. Deixar de analisar cada caso é um crime. Deixar de analisar tendências é uma estratégia.Deixar de buscar os problemas de fundo é a melhor forma de estereotipar. O problema é se estamos fortalecendo os cidadãos para o exercício do seu controle sobre os gastos do legislativo e executivo, ou se ao contrário, estamos desmontando o parlamento para colocar outra coisa em seu lugar.

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