quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O acompanhante de shopping



Numa crônica antiga, Davi Coimbra descreveu o acompanhante de banho de sol. Sem querer, cometeu uma injustiça que corrijo agora. Ele não é o único dos acompanhantes, na verdade uma espécie em expansão. Não é necessário ir a praia para encontrar um acompanhante, ainda que ali existam, como aponta o jornalista, uma infinidade deles.


Existe uma acompanhante que merece a atenção de todos. É o acompanhante de shopping center. Ele também conhece a vida como nínguém. É o equivalente urbano do acompanhante de banho de sol, e numa pior situação, vivendo num cenário que nada lembra a beira do mar. Cercado de concreto por todos os lados, também não tem ilusões sobre sua existência.É outro filósofo da vida.


É fácil encontrar um acompanhante de shopping-center, asta você entrar numa dessas grandes lojass de varejo que ostentam cartazes com a modelo ou com a atriz da novela do momento. Não há como errar. Você o encontrará de pé, com o olhar perdido entre as estantes de roupa. Ao seu lado, as vezes com as filhas - sim, é algo que se aprende desde pequeno - está a mulher que ele também acompanha. Ela está tomada por um "frenesi".


São centenas de mulheres que freneticamente buscam alguma coisa que faz parte delas em algum lugar da loja: vestidos, meias, calcinhas, óculos, brincos, seja lá o que for. Ela sabe que está lá, em algum lugar, esperando por elas. Basta apenas que procurem. Daí o frenesi. Seu medo é que outra encontre aquilo que por destino é seu antes delas. Daí a correria, o passar de olhos, o desviar-se de cada mulher, na verdade uma concorrente, que também, acompanhada de seu acompanhante de shopping, faz a festa.


Como o acompanhante do banho de sol, sua rotina é invariável. Inicia na quinta-feira, repete-se na sexta e no sábado. O acompanhante de shopping center é o mais fervoroso adepto do fechamento dos shoppings aos domingos: só assim ele pode descansar! Quase sempre na hora do jornal das 7, é chamado pela mulher com a mesma ordem: "- Vamos ao shopping! Ao shopping". Também não adianta argumentar que está sendo noticiado a queda das torres gêmeas ou que um vendaval toma as ruas da cidade. A justificativa é a mesma da mulher na praia: ela PRECISA ir ao shopping. O acompanhante vai, pega a carteira e as chaves do carro, o cartão da loja e em seguida vai.


No shopping, cabe ao acompanhante segurar a sacola aonde a mulher deposita os produtos. Segura-los é uma tarefa delicada. Se você imaginar que poderia pedir um tempinho para ir até a banca de revistas comprar o último exemplar do jornal e da revista que você mais gosta, única justificativa que você encontra para ir ao shopping, ou quem sabe, pedir um tempo para ir até a praça de alimentação para tomar uma cerveja, esqueça, porque se ela suspeita que você está prestes a ser iconoclasta - zaz!, recebe o desprezo da mulher, que lhe ralhará na frente de todos, inclusive do caixa, sem a menor piedade.


Depois que a mulher passou por todas as sessões, reviu e retornou várias vezes as mesmas roupas, e com clareza e distinção selecionou as peças que tomarão assento em seu guarda-roupas dali em diante, o acompanhante passa a exercer sua segunda atividade essencial: pagar a conta.


Ele olha para o cartão e sabe que está perdendo horas de sua vida e que deixa seu cérebro atrofiando em alguma sessão de roupas intimas. Seu olhar vazio é idêntico ao do acompanhante de praia, e por isso também merece ser reverenciado. Quando depois de passar o cartão, ele perguntar - vamos para casa? - ele receberá a mesma resposta que recebe o acompanhante de praia: "Mais tarde eu quero ir ao centro, comprar umas coisinhas..."

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